Uma reflexão sobre o estrelato: o que será de Justin Bieber após estes dois shows no Brasil? Faça suas apostas!


Sucesso avassalador entre garrafada na cabeça e noitadas desregradas, o astro pop levou multidões às arenas. Mas, será que ele sobrevive à cruel engrenagem da fábrica de estrelas?

Que Justin Bieber é capaz de movimentar hordas de adolescentes em todo o mundo e, por isso, representa um inegável sucesso da comunicação de massa, com carisma suficiente para gerar receitas milionárias com seus shows, CDs e DVDs, isso é fato. Assim como é de conhecimento geral que o cantor é iguaria pronta a ser degustada pelo público e mídia, ricamente gratinada a partir de ingredientes que seguem a exata receita do fenômeno das mídias sociais, temperada em fogo alto por meticulosa estratégia de imagem elaborada pela indústria do consumo. E, em sua meteórica passagem pelo Brasil, neste final de semana, à parte de possíveis análises quanto ao desempenho do artista e à qualidade de seus shows, é possível confirmar algumas opiniões e levantar outras questões.

Neste final da turnê ‘Believe’ (que dá nome ao CD lançado em 2012), aqui no Brasil, houve um pouco de tudo, como seria de se esperar de uma personalidade forjada à brasa nos departamentos de marketing das gravadoras, a despeito de suas qualidades artísticas. Documentou-se a histeria dos fãs antes e durante os shows, tanto em São Paulo (35 mil pessoas), na noite de sábado, quanto no Rio (30 mil pessoas), neste domingo, na Praça da Apoteose. Também aconteceu ampla cobertura da mídia, assim como não faltaram acontecimentos pitorescos, dignos do folclore que geralmente ronda os astros, como a picuinha causada pela garrafada na cabeça do adolescente em pleno palco, atirada por algum engraçadinho do público presente na Arena Anhembi, em São Paulo, e, ainda, o flagra da imprensa no rapaz, de 19 anos, querendo se passar por garanhão ao bater ponto em uma conhecida casa de massagem em Ipanema, no Rio. Ao que tudo indica, ele gastou a bagatela de R$ 6 mil pela aventura e, nesta mesma noite de sexta, quase foi expulso do sofisticado Copacabana Palace, onde estava hospedado, porque queria subir para o quarto acompanhado de duas meninas.

Com atrasos de cerca de 1h30 em cada show (1h20 em São Paulo, 1h50 no Rio), o cenário já estava todo preparado para catapultar o jovem artista ao pódio absoluto do show business, com adolescentes histéricas esperando ansiosamente por sua entrada em cena, prontas para devorar com os olhos o sex apeal do frangote. Evidentemente, esse atraso deve acontecer em todos os seus shows durante as turnês mundo afora, o que comprova ainda mais a existência de uma estrela fabricada sem qualquer espontaneidade, mas cuidadosamente planejada passo a passo para render muito, muito dinheiro. E, naturalmente, é difícil acreditar que uma produção desse tamanho, onde a equipe contratada está mais do que acostumada a realizar shows desse porte, fosse contar com atrasos homéricos por conta de meros imprevistos, sem ter condições de solucioná-los a tempo. Obviamente, esse tipo de delay no início do show faz parte daquela estratégia batida, usada para esquentar a ansiedade do público que, quase beirando a histeria, se entrega de corpo e alma ao contexto, aumentando seus gritinhos enlouquecidos em incontáveis decibéis na hora da entrada do artista no palco. Qual deles, aliás, não se beneficia desse expediente, desde o veterano Paul McCartney até as estrelas do pagode?

Faz parte do seu show e, até aí, nada demais. Essa fórmula existe desde aquele tempo em que as trupes de artistas ambulantes perambulavam pelas velhas cidades da Europa e, à custa de muito tchantchanranran, levavam o público ao suspense absoluto. Depois delas, o recurso foi assimilado pelos espetáculos de circo, pelos números nas feiras de variedades, em quermesses de interior e até pelo teatro de vaudeville do século XIX, chegando ao mainstream em um piscar de olhos. Portanto, considerando que os shows de Justin no Brasil correspondem ao final da temporada mundial – quando já houve tempo suficiente para corrigir qualquer espécie de vacilo na logística –, é difícil acreditar que o atraso não tenha sido programado por uma equipe de especialistas com anos de estrada infinitamente superiores à idade de Justin.

Obviamente, tudo isso só colaborou para ampliar a aura magnética de Justin junto ao público, e nada disso foi capaz de atrapalhar o delírio dos fãs, como afirmou a estudante Maria Carolina Vieira, de 15 anos; “Sou de Brasília, cheguei aqui às 13h para ficar pertinho do palco e vê-lo do gargarejo, não vai ser um atrasinho qualquer que vai me fazer desistir”. No show do Rio, Justin Bieber pareceu ter feito as pazes com seus seguidores, já que, em São Paulo, depois da já antológica garrafa que lhe acertou o cocuruto, não cantou o mega hit ‘Baby’, previsto no setlist, mas guardado para o momento do bis. Apesar da garrafada não tê-lo nocauteado nem de perto, o menino fez birrinha e, para mostrar que ficou irritado, saiu do palco antes da hora, esquecendo que quem estava na plateia faz parte da sua galinha dos ovos de ouro. Coisa de adolescente. Mas, no dia seguinte, no espetáculo carioca, já refeito do susto – e do ego –, demonstrou a energia típica de quem ainda tem pouca barba e rostinho com pele de nêspera.

Em um modelito todo branco, capaz de deixar Simone e Roberto Carlos com inveja de tão alvo, com camiseta, calça, jaqueta, tênis da hora e óculos escuros para mostrar que é bad boy, ele abriu a noite com o sucesso ‘All around the world’, convidando todos a “fazer muito barulho”, como se fosse preciso. Acompanhado por 14 bailarinos, não poupou esforços e arrepiou nas coreografias e trocas de roupas, mas também não arriscou, preferindo o playback para hits como ‘One time’, ‘Somebody to love’ e ‘Never say never’ ,  já que a falta de sincronia do cantor em algumas canções era mais fácil de perceber do que em comercial dublado de tintura capilar importada na tevê. Mas, nas baladinhas românticas ‘Be alright’ e ‘Fall’, o músico sentou em um banquinho e soltou o gogó. Bonitinho.

Em sua efêmera estadia no Rio, ele não procurou fazer mais do que o trivial, tascando um único “obrigado” em português durante o show e proferindo frases feitas tipo “vejo moças bonitas na platéia”. Qualquer um que frequenta os palcos sabe que, com a intensidade do parque de luz, é praticamente impossível perceber os rostos de quem quer que esteja na plateia, a não ser que o artista seja uma espécie de híbrido com DNA de águia e olhos de ave de rapina. Mas, ainda assim, esse tipo de expediente, mesmo burocrático, é eficiente e surte efeito. No mais, houve também espaço para aquele momento baba-standard em que o lolito convida uma afortunada a subir no palco para presenteá-la com uma canção. A bola da vez foi Luiza, 16 anos, que o ouviu cantar ‘One less lonely girl’, recebendo uma coroa de flores no cabelo e, ainda, um abraço caliente e alguns beijos no pescoço. Óbvio que deu tititi na multidão, sobretudo as meninas. Então, para que mais?

Mesmo com todo o sucesso, muitas atitudes do cantor são reprovadas pelos pais de seus fãs, como pontuou a advogada Maria Lucia Lins, presente na Apoteose com os filhos: “A parte mais difícil é fazer as crianças aceitarem que, mesmo ele sendo um astro, pode não dar um bom exemplo”. Mais otimista, a atriz Flávia Alessandra, que levou a filha Giulia para curtir o show e ainda garantiu que a garota entrasse no camarim para conhecê-lo, afirmou que vê nos maus hábitos do artista uma forma de apontar o que está errado: “Quando um artista como ele começa a se desviar do caminho e fazer algo errado, acaba servindo de exemplo para os fãs, mostrando onde está o erro. A Demi Lovato foi exemplo disso, a Britney Spears também, e temos o menino do ‘Glee’ que morreu recentemente de overdose”.

De fato, quando se cozinha um pudim em banho-maria como Justin Bieber, não há garantia alguma de ele não desande. A mística entre criador e criatura, mentor e tutelado, inclusive, nunca foi novidade e é assunto farto, tanto na vida real como na literatura. Exemplo disso é a obra da escritora inglesa Mary Shelley há quase duzentos anos atrás. Em sua mais popular obra-prima, ‘Frankenstein: Ou O Moderno Prometeu’ (1818), há traços notórios de como a fabricação de um ser pode dar completamente errado. No livro, quando Victor Frankenstein cria, a partir de restos humanos putrefatos, a criatura que acaba levando seu próprio nome, ele não pode imaginar que a entidade que ele estava concebendo não ganharia a alcunha de monstro somente por sua aparência bizarra, mas, sobretudo, pelas monstruosas ações que ele viria a cometer posteriormente e que sequer poderiam ser imaginadas pelo cientista na ocasião de sua criação, fugindo dos objetivos iniciais e do suposto controle do seu criador.

De certa forma, quando assistimos um produto como Justin Bieber ser lançado no mercado, também não temos noção – assim como os marqueteiros que cuidaram meticulosamente de sua gestação – de qual criatura aquele ícone pop irá se tornar. A despeito de uma carreira bem sucedida, seja ela duradoura ou efêmera, existem componentes encobertos na personalidade desse produto pré-fabricado que poderão vir à tona ou não, mesmo com toda a preparação que a indústria do consumo venha a desenvolver. Algumas dessas personalidades, geralmente descobertas ainda crianças e trabalhadas desde então, frutificam, ainda que se desenvolvam em terreno escorregadio.

É o caso da atriz da TV Globo, Isabela Garcia, com carreira de sucesso e biografia comportada, desde quando surgiu em 1977, na novela Nina, até os dias atuais. Ou da ex-atriz mirim de Hollywood, Shirley Temple, sucesso absoluto nos anos 1930, até abandonar o cinema no final da década seguinte, já adolescente. Como reputação ilibada, soube dizer não ao sistema, cair fora da engrenagem enquanto era tempo e é diplomata americana desde então. Já Judy Garland, mito que praticamente sustentou a Metro Goldwyn-Meyer nas décadas de 1940 e 1950, não sobreviveu à rotina intensa e ao fato de ter se tornado veneno de bilheteria com o passar das décadas. Tratada com medicamentos para controlar o peso e aumentar sua produtividade, morreu de overdose  aos 47 anos e após mais de 30 de ótima ficha de trabalho.

Exemplos nos show business não faltam. A própria fábrica da Disney, maior conglomerado de entretenimento do mundo, é capaz de criar estrelas, uma atrás da outra, e poucas delas sobrevivem ao regime árduo de trabalho e vingam no mercado sem trepidações, como o xará de Bieber, Justin Timberlake, sucesso retumbante, mas sem sustos, na música e no cinema. Os casos mais notórios de ex-estrelas da Disney que piraram na batatinha são a mesma Britney Spears, citada por Flávia Alessandra, e Lindsay Lohan que, com seu histórico de altos e baixos em escândalos e clínicas de reabilitação, só voltou à ribalta há pouquíssimo tempo, estrelando Canyons, a última produção do cineasta Paul Schraeder, exibida recentemente no Festival do Rio. E até astros com aquele rostinho bonito de quem “mamãe quer para genro”, capazes de causar orgulho no Mickey, andam botando as asinhas de fora: há pouco tempo, Zac Efron foi pego saindo de uma clínica de reabilitação para drogados, e, há menos de um mês, pipocaram rumores de que Joe Jonas, irmão do meio dos Jonas Brothers, seria o motivo pelo qual o trio estaria cancelando uma turnê. O motivo? Envolvimento com entorpecentes. Na esteira dos acontecimentos, não será surpresa se o ex-garoto prodígio e atual Senhor Encrenca Justin Bieber acabar aparecendo em algum envolvimento mais grave. Resta torcer que não.

Fotos do show: Vinícius Pereira

Colaborou: Nayanne Louise