Rainer Cadete investe na carreira de cantor e lança música questionando a cultura tóxica do macho


No ar em ‘Verdades Secretas’, na Globo, e gravando a segunda temporada da trama como o libertário personagem Visky, o ator mostra a verve cantor ao lado de Renato Luciano e lança ‘Esse negócio de ser macho”, questionando o machismo e a masculinidade tóxica. Em papo franco, Rainer fala do sonhos e sobre a curiosidade a respeito da própria sexualidade, pauta constante: “A sexualidade, assim como a vida e a nossa passagem por aqui, é muito mais líquida que sólida, concreta. Se tiver que colocar dentro de uma ‘caixinha’ minha sexualidade vai escorrer. É fluida. Nada é. Está sendo. A sexualidade é individual e a gente pode se surpreender. Posso amar homens, mulheres, quem eu quiser”

*Por Brunna Condini

Rainer Cadete não se deixa ‘encaixotar’ e nem definir. A fluidez e pluralidade em existir vem guiando sua trajetória e o levando além em sua carreira. A prova disso é que mesmo em meio ao intenso ritmo de gravações de ‘Verdades Secretas 2′, na Globo, o ator abriu espaço para se lançar como cantor e você pode conferir em todas as plataformas digitais o single e o videoclipe de ‘Esse negócio de ser macho’. A música vai integrar o álbum ‘Leves e Reflexivas‘, com canções inéditas criadas por ele em parceria com o também ator e músico mineiro Renato Luciano.

“Fiquei pensando no que ainda não tinha feito na vida. Conheci os palcos cantando na igreja evangélica, protestante, com 10 anos. Cantei em casamento e aniversário. Depois comecei a fazer teatro. Mas a história com a música sempre ficou ali latente, com vontade de ser vivida”, recorda. E revela que o trabalho musical foi muito influenciado pelo seu personagem em ‘Verdades Secretas’: “O Visky me provocou muito neste lugar de qual é o papel do masculino e do feminino. Essa masculinidade é tóxica ou saudável? Precisa ser binária? As músicas nasceram das nossas inquietações. Não temos uma só masculinidade, existem masculinidades e não precisam ser tóxicas. Somos um dos países em que homens mais cometem suicídio e feminicídio. Temos que pensar sobre isso”.

“"O Visky me provocou muito neste lugar de qual é o papel do masculino, do feminino. Essa masculinidade é toxica ou saudável? Precisa ser binária? As músicas nasceram das nossas inquietações" (Foto: Beto Roma)

“”O Visky me provocou muito neste lugar de qual é o papel do masculino, do feminino. Essa masculinidade é toxica ou saudável? Precisa ser binária? As músicas nasceram das nossas inquietações” (Foto: Beto Roma)

Rainer conversou com o site a caminho das gravações de ‘Verdades Secretas 2‘ e celebrou: “Esse encontro com o Renato Luciano foi através de amiga e no primeiro encontro já saiu música. Ele é compositor da canção ‘De toda cor’, que, quando ouvi, pensei eu podia ter escrito, me identifico. Quando a gente viu já tínhamos um álbum inteiro, ‘Leves e reflexivas’, que fala deste momento que vivemos, de amor, relacionamentos. As ‘leves’ canto sozinho. As ‘reflexivas’ canto com ele. Nossa música vem mesmo para questionar um modelo padronizado de masculinidade, que se mostrou adoecedora não só para homens, mas também para quem está ao redor. Estou bem feliz que vamos lançar o álbum todo em novembro”.

Com Renato Luciano: "Nossa música vem mesmo para questionar um modelo padronizado de masculinidade, que se mostrou adoecedora não só para homens, mas também para quem está ao redor. Vamos lançar o álbum todo em novembro" (Divulgação)

Com Renato Luciano: “Nossa música vem mesmo para questionar um modelo padronizado de masculinidade, que se mostrou adoecedora não só para homens, mas também para quem está ao redor. Vamos lançar o álbum todo em novembro” (Divulgação)

A dupla questiona essa ‘cultura do macho’, que estimula a violência e o preconceito na convivência. “A reflexão é sobre o jeito que aprendi a ser macho na sociedade, do tipo que deve usar azul, não poder ser sensível nesse mundo masculino que nunca me senti representado”, diz Rainer. “Eu tinha ursinho, gostava de brincar com as bonecas. Isso já me colocava num lugar diferente. Sofri bullying nesta época. Pensei que não quero esse mundo para o meu filho, onde a relação social entre os homens é sempre mais seca e difícil. É preciso ressignificar tudo isso. Então, só para poder dizer isso para o meu filho já vale o projeto musical. Mas o melhor é que as pessoas estão gostando. Tem bastante reflexão, mas de maneira leve e saudável. Que construa e não destrua”, completa o ator e músico, que é pai de Pietro, fruta da relação com Aline Alves, ex-dançarina do Faustão.

Rainer e Pietro: "Eu tinha ursinho, gostava de brincar com as bonecas. Isso já me colocava num lugar diferente. Sofri bullying nesta época. Pensei que não quero esse mundo para o meu filho" (Foto: Beto Roma)

Rainer e Pietro: “Eu tinha ursinho, gostava de brincar com as bonecas. Isso já me colocava num lugar diferente. Sofri bullying nesta época. Pensei que não quero esse mundo para o meu filho” (Foto: Beto Roma)

A delícia de ser o que é

A paternidade de Pietro, de 14 anos, é umas das alegrias da vida de Rainer. E com o filho, o papo é aberto, acolhedor e amoroso. “Falamos sobre tudo, quero um mundo mais bacana para ele. Hoje mesmo comprei esmalte preto para passar nas unhas do Pietro, porque está roendo muito. Ele curtiu”, conta. “Não sei se quando meu filho estiver com a minha idade, tenho 34 anos, o mundo vai estar melhor. Não sei se vai ser evolutivo. Gostaria. Sei que agora estamos vivendo uma momento caótico, de retrocesso. Como disse a Rita Lee sobre o Brasil: “Era para a gente estar nos Jetsons e estamos voltando para os Flintstones”. É isso, é assustador o retrocesso”.

O ator que também está no ar na reprise da primeira temporada de ‘Verdades Secretas‘, dando vida ao booker Visky da agência de modelos de Fanny (Marieta Severo), e diz que a curiosidade a respeito de sua própria sexualidade é super valorizada. “As pessoas esquecem um pouco as siglas quando falam LGBTQIA+. Me encaixo no +. A sexualidade, assim como a vida e a nossa passagem por aqui, é muito mais líquida que sólida, concreta. Se tiver que colocar dentro de uma ‘caixinha’ minha sexualidade ou a minha arte, vai escorrer, é fluida. Nada é, está sendo”, analisa. “Posso amar quem eu quiser. A sexualidade é individual. A gente pode se surpreender. Posso amar homens, mulheres, quem eu quiser”.

"A sexualidade, assim como a vida e a nossa passagem por aqui, é muito mais líquida que sólida, concreta. Se tiver que colocar dentro de uma 'caixinha' minha sexualidade ou a minha arte, vai escorrer, é fluida. Nada é, está sendo” (Foto: Beto Roma)

“A sexualidade, assim como a vida e a nossa passagem por aqui, é muito mais líquida que sólida, concreta. Se tiver que colocar dentro de uma ‘caixinha’ minha sexualidade ou a minha arte, vai escorrer, é fluida. Nada é, está sendo” (Foto: Beto Roma)

E segue refletindo: “Sempre enxerguei a sexualidade desta maneira. Como meu trabalho. Muita gente não acredita que sou o mesmo ator que fez o fotógrafo Téo, em ‘A Dona do Pedaço‘ (2019) com a Agatha Moreira, que está comigo novamente em ‘Verdades‘. É natural que com o Visky as pessoas fiquem mais curiosas. Ele também tem uma sexualidade fluida. É difícil as pessoas aceitarem a liberdade do outro, porque acho que quando você coloca as pessoas em uma ‘caixinha’, fica mais fácil controlar, ‘engavetar’, mas não dá. Comigo não conseguem fazer isso. Só estou vivendo, sendo feliz. Desconstruindo essas armadilhas que foram construídas para nós. Conseguimos olhar para essas estruturas que já estavam aqui e conseguimos dizer que não nos servem”.

"É difícil as pessoas aceitarem a liberdade do outro, porque acho que quando você coloca as pessoas em uma 'caixinha', fica mais fácil controlar, 'engavetar', mas não dá. Comigo não conseguem fazer isso. Só estou vivendo, sendo feliz" (Foto: Beto Roma)

“É difícil as pessoas aceitarem a liberdade do outro, porque acho que quando você coloca as pessoas em uma ‘caixinha’, fica mais fácil controlar, ‘engavetar’, mas não dá. Comigo não conseguem fazer isso. Só estou vivendo, sendo feliz” (Foto: Beto Roma)

Rainer fala muito sobre a liberdade de amar, mas revela que no momento não está amando ninguém: “O coração está tranquilo, minha vida está boa. Fiz horta na pandemia, sabia? E aprendi muito. Primeiro você prepara a terra, semeia, espera, protege das pragas, semeia, espera para colher. Agora estou na época de colheita e isso tem me abastecido. Estou trabalhando bastante, 11 horas por dia. São duas horas de locomoção. Ainda tenho que dar atenção para o meu filho, malhar, porque o personagem está mais ‘transante’ que eu (risos). Então, está tudo certo como está”.

Conquistando espaços e sonhos

Depois de seis anos sem interpretar Visky, em ‘Verdades Secretas 2′, continuação da novela de 2015 que está programada para estrear em outubro no Globoplay, o ator vibra com o amadurecimento do personagem, que o fez realizar mudanças físicas como pintar os cabelos de azul e emagrecer 15 kg em três meses. “Estar perto do Visky é muito bom, me deixa mais alegre, divertido. Mas tive que me preparar novamente porque ele tem outra temperatura. Vim de uma pandemia, então engordei como muitas pessoas. Mas com nutricionista, nutrólogo, personal e uma alimentação equilibrada, emagreci. E tenho malhado porque ele pede”, conta.  “Amo essa quase ingenuidade do Visky, um olhar de criança que ainda se surpreende com as coisas, que acredita no amor. Ele tem senso de humor, é entusiasmado, uma alegria que atravessa a história. Nesta temporada ele vem mais potente e com mais espaço na trama, com coprotagonismo mesmo e direito a um amor”, antecipa sobre a trama que encerra suas gravações em um mês.

Com Camila Queiroz nos bastidores de 'Verdades Secretas 2': ""Amo essa quase ingenuidade do Visky, um olhar de criança que ainda se surpreende com as coisas, que acredita no amor" (Reprodução)

Com Camila Queiroz nos bastidores de ‘Verdades Secretas 2’: “”Amo essa quase ingenuidade do Visky, um olhar de criança que ainda se surpreende com as coisas, que acredita no amor” (Reprodução)

Com quase 20 anos de carreira, o ator contabiliza ainda muitos sonhos. “Com a música, gostaria muito de um convite para  o Palco Sunset, no Rock in Rio. Aliás, quando estiver seguro desejo estar em muitos palcos”, joga no universo. “Sou muito sonhador. Nasci em uma família bem humilde. Minha mãe fez milagre na vida. Sou de uma família que migrou de Minas Gerais para Brasília. Meu pai  teve depressão a vida toda. Era difícil. Ele morreu há três anos. Me lembro de criança sonhar com tudo que está acontecendo hoje na minha vida. Sai de Brasília com 18 anos e foi muito perrengue. Muito. Conquistei muito do que desejei, mas tenho muitos sonhos dentro de mim e vou lutar pra realizá-los também”.