Nesta noite de sexta-feira (29), o Raimundos, um dos maiores grupos do rock nacional dos anos 1990, retornou ao palco do Circo Voador para rememorar aqueles sucessos que andaram fazendo a cabeça dos jovens em quase duas décadas. A banda, atualmente formada por Digão (vocal), Caio Cunha (bateria), Canisso (baixo) e Marquim (guitarra), veio ao Rio especialmente para brindar a excelente fase que vive, com seus integrantes devidamente amadurecidos nesta nova formação, afinados pela sequência de lançamentos e a volta aos festivais de música.
Em 2011, o grupo lançou o CD e DVD ‘Roda viva‘, rememorando os hits da carreira. Neste mesmo 2012, os rapazes tiveram o prazer de fazer um split de covers com o Ultraje A Rigor, chamado ‘O embate do século: Ultraje a Rigor vs. Raimundos‘. Agora, no final de 2013, a banda volta ao estúdio, na casa do pai do Digão em Brasília – onde tudo começou – para produzir o novo álbum. Com previsão de lançamento para janeiro próximo, ‘Cantigas de roda‘ (2014) tem produção de Billy Graziadei (frontman do Biohazard) e conta com a super especial participação do rapper americano Sen Dog, que acaba de se apresentar no Brasil com o Cypress Hill. Este novo CD segue o formato independente e não tem qualquer ligação com gravadoras, já que, recentemente, a banda realizou um crowdfunding para arrecadar verba para o novo álbum, e – sucesso! – acabou angariando mais de 200% do valor mínimo necessário para por o projeto de pé.
Para quem achou que a mudança do vocalista pudesse abalar a essência dos Raimundos, a fase atual revela o contrário. Foi possível presenciar, na noite passada, uma banda que, definitivamente, não está à sombra de seu ex-vocalista, Rodolfo Abrantes, como muitos ainda pensam. No fundo, trata-se de um grupo que soube superar crises, conseguiu ir adiante e deu a volta por cima em gol de placa. A prova disto foi o energético e empolgante show apresentado, vigoroso do início ao fim. E, embora tivesse começado somente às 2h da manhã, não deixou a plateia com sono. E não era para menos. No repertório todo decoradinho pelo público, não faltaram sucessos como ‘Mulher de fases‘, ‘Me lambe’, ‘A mais pedida‘, ‘Eu quero ver o oco‘ e até ‘I saw you saying (that you say that you saw)’, que foi cantada em uníssono pelos fãs.
Nos bastidores, batemos um papo exclusivo com o frontman Digão. O músico falou sobre a nova fase independente, a essência permanente da banda e os novos estilos derivados do rock, entre outras coisas. Confira abaixo:
Fotos: Vinícius Pereira
HT: Qual a emoção de voltar a tocar no Circo Voador, uma casa que consagrou o rock nacional?
D: O Circo Voador é um clássico do rock. É um dos melhores lugares que já tocamos no Rio, onde nosso público comparece em peso sempre. É bonito demais ver todo mundo sorrindo e cantando na arena.
HT: No show do Circuito Banco do Brasil, em outubro, você falou sobre músicas inéditas. É isso mesmo que podemos esperar? Quantas são? Tem alguma participação? Podemos esperar o ‘Cantigas de Roda’ pronto mesmo para o início de 2014?
D: Ainda não escolhemos quais inéditas vamos tocar, mas vai rolar nos próximos shows. Estamos no aguardo do Billy (Graziadei) entregar a master, mas vamos disponibilizar o disco para vender no ITunes já neste dezembro, mas sem download gratuito na internet porque esse lance não nos dá retorno.
HT: Qual a chancela que vocês vão imprimir nesse novo álbum? O Canisso contou, em uma entrevista, que seria um som mais “pesadinho”.
D: Bom, ele não pode ser exatamente definido com um estilo de rock pesado. O que é pesado é pesado mesmo, mas também teremos baladas e músicas mais rápidas. O mote desse disco revisita todas as nossas fases, tudo que a banda fez durante 19 anos de carreira está ali. Fizemos um álbum bem balanceado que vai agradar a todos do nosso público, desde os punks até a galera mais eclética.
HT: Depois de consolidar a carreira, a banda optou por seguir linha independente. Qual foi o motivo?
D: Já tem um bom tempo que seguimos de forma independente, desde quando saímos da Warner Music, em 2004. A gravadora não era interessante para a gente. Hoje em dia, elas (as gravadoras) não têm mais interesse em bandas de rock, principalmente os grupos que não topam fazer o jogo deles, aquele som super comercial para os diretores de rádio aprovarem. A gente está pouco se ‘lixando’. Se as rádios não gostarem, tudo bem, os fãs gostam mesmo assim. Atualmente, o Raimundos está muito preocupado em fazer música boa e, para isso, não pode ter um diretor de gravadora dando pitaco. A cabeça deles não tem nada a ver com a nossa, e foi por isso que só fomos estourar no álbum ‘Forevis’, com ‘Mulher de Fases’. Nessa nova fase, aliás, mais do que nunca eu quero verdade! Chega dessas bandas industrializadas, está todo mundo muito fraco por medo.
HT: Você acredita que a banda ainda mantém a essência do início da carreira, mesmo sem sua formação original?
D: Sem dúvida alguma! Mantemos a mesma energia no palco e a mesma essência para fazer música, graças a Deus. Esse CD, inclusive, nos deixou bem apreensivos, pois, depois de tanto tempo sem fazer disco, o clima é de estreia. Mas antes de retomar esse trabalho, esperamos amadurecer a formação. O Caio (baterista que substituiu Fred) entendeu o Raimundos, entrou para o nosso universo e ajudou bastante com as letras. Isso contribuiu para manter nossa essência e estou muito satisfeito com o resultado. Os fãs que já ouviram a faixa que disponibilizamos adoraram a letra, piraram como antigamente. Não estamos aqui para competir com o passado, mas estamos seguindo em frente como deve ser.
HT: Como você vê o rock nacional? O que pensa sobre o estilo “happy rock”, com letras mais românticas e roupas coloridas?
D: O cenário atual é bem complicado. Como eu disse, estão todos preocupados em fazer músicas que vendam mais. Existem bandas de rock maravilhosas no underground, bem alternativas e fora daquele cenário que a maioria das pessoas conhece. Hoje em dia, daquilo que toca no rádio, não gosto de nada. É tudo muito fabricado para tocar na FM. Acho isso um grande erro, atrapalha, tira a coragem da banda. O cara não vai fazer o que ele realmente gosta. O happy rock é mais um exemplo disso. Os meninos do Restart, por exemplo, são gente fina para caramba, os moleques batalham pelo espaço deles, mas caem nesse mesmo erro – ao meu ver – de fazer o que vende e não aquilo que sentem. Porém, eles são muito jovens ainda e têm chance de amadurecer – assim espero! Eu sou mais old school, nada disso me agrada. Até a parte mais indie não faz muito a minha. Mas gosto da garotada em geral, me dou bem com todos eles e tenho o maior respeito pelo que todo mundo está fazendo.
HT: Em 2011, a banda foi escolhida para tocar no festival SWU, através de uma votação aberta ao público e realizada no site do evento. Qual é a magia que o Raimundos usa para cativar um público tão fiel ao longo desses 19 anos?
Acredito que exatamente por mantermos nossa raiz e estilo. Sofremos aquela mudança em 2001 e, em 2011, fomos surpreendidos por esse apoio dos fãs. A galera ainda vai aos shows e curte demais os sucessos.
HT: O Raimundos foi a banda de rock mais influente dos anos 1990 por aqui. Você consegue perceber se o público de vocês se manteve ou renovou, apesar de não terem lançado novos sucessos?
Engraçado, é muito curioso perceber isso depois de quase 20 anos de banda, mas o nosso público se renovou sim – e muito – isso me parece loucura. A molecada redescobriu o Raimundos graças à internet e vejo muito esse retorno no nosso fã clube.
HT: O que você acha dos encontros de gêneros musicais? Como, por exemplo, o Marcelo D2 que mistura rap com samba e hip-hop ou a Gaby Amarantos que incorporou o ritmo tecno ao brega, entre outros artistas. Você vê chances de isso acontecer no rock?
D: O Raimundos já fez isso lá atrás. Misturamos forró com rock no início da carreira. Somos o país das misturas, começando pela nossa raça. A tendência é essa, ter novidades. O público gosta dessas saladas, de inovação e dá muito certo!
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