Preta Gil é de fato uma mulher de personalidade forte. Mas também pudera. Criada ao redor dos grandes ícones da nossa música popular brasileira, certamente não lhe faltaram bons exemplos para que se tornasse uma pessoa segura, livre das amarras da sociedade e uma artista que sabe conduzir sua carreira. No auge dos bem vividos 42 anos de vida, a cantora se tornou protagonista de uma trajetória profissional que chega a 2017 comemorando 15 anos de sucesso, polêmicas e muita troca de carinho com o seu público religiosamente fiel. No entanto, entre todos os erros e acertos propícios a um ser humano comum, ela prefere mesmo deixar os haters de lado e focar no amor que recebe dos fãs através das redes sociais. Ferramenta que, por sinal, ela domina como ninguém. Debutando em grande estilo, Preta está prestes a lançar outro disco de inéditas, onde mergulha ainda mais fundo por entre os gêneros da nossa riquíssima MPB, sem perder a essência pop, irreverência e espontaneidade que lhe são bastante peculiares, claro! Dona de uma gargalhada extravagante e um carisma genuíno, a estrela também reforça seu talento colecionando admiradores através do badaladíssimo Bloco da Preta, que há sete anos arrasta multidões pelas ruas no Rio, durante o carnaval carioca – que desfila recheado de novidades incríveis no cortejo deste ano. Ficou curioso? Vem, que a gente revela tudinho o que ocorreu nesse bate-papo, que rolou em cima da cama da suíte presidencial do Hotel Royal Tulip Rio São Conrado. É babado, confusão e gritaria na certa!
Durante o editorial exclusivo para o site HT, com fotos do sempre impecável Alex Santana, styling de Luana Miranda e as pinceladas de Soraya Rocha na maquiagem e cabelo, a cantora se despiu de todo o pudor e soltou o verbo sobre assuntos que lhe são bastante pertinentes como carreira, família, ditadura da beleza, redes sociais, e, lógico, muita música. Sobre o novo trabalho, que já conta com o single “Eu Quero Você Quer”, Preta garantiu que toda a liberdade que prega estará mais do que nunca presente em cada faixa do novo registro – que ainda segue sem título. “É um disco onde assumidamente eu resolvi me libertar de todas as amarras, se é que existia alguma. Vai ter tudo o que eu acredito que seja música popular brasileira e que já canto há anos nos meus shows. Recebi canções muito lindas da Ana Carolina e da Marília Mendonça, por exemplo, e quis gravá-las independentemente do segmento que elas representam. Eu sempre falei em quebra de preconceito, tabu e rótulos. Mas eu mesma era um pouco aprisionada, musicalmente falando. Chegou a hora de eu me libertar e assumir essa brasilidade e diversidade toda que está em mim. Faz parte do meu DNA e da minha criação. É libertador”, adiantou ela.
Diferentemente do que vinha fazendo em seus três primeiros álbuns de estúdio, “Prét-A-Porter” (2003), “Preta” (2005) e “Sou Como Sou” (2012), Preta Gil decidiu deixar a linha MPB mais adormecida e transitar por estilos que estão fazendo a cabeça dos brasileiros. De acordo com ela, a nova receita terá pitadas de sertanejo, samba, rock, funk e todos os temperos melódicos que construíram sua identidade musical. “Nos shows sempre aconteceu bem essa mistura, mas nos discos eu sempre busquei uma essência minha, que vinha da MPB e sempre fez parte de mim. Agora, eu assumo muito mais o meu lado pop. É bem o que o público espera de mim”, avaliou ela, que apesar de contar com compositores de sucesso, o trabalho não terá nenhuma participação especial. “Se deixar o disco seria do início ao fim com duetos (risos), mas optei por não ter. Como esse trabalho vai obviamente acabar se tornando um futuro DVD, preferi guardar essas participações para depois”, disse. Ah, e ela ainda se arrisca na assinatura de duas composições. “Terei duas músicas minhas. Uma parceria com Marquinho OSócio e outra com Raniere Oliveira, que são dois grandes amigos. Fiz questão de quebrar minha cabeça. Gosto de compor quietinha, e como eu estou sempre em movimento, fica super complicado”, adiantou ela, que segue animada com o lançamento do novo registro que leva a parceria com grandes amigas mulheres – a quem gosta de chamar de irmãs.
Agora, apesar de estar cercada de um time feminino de peso no novo CD, Preta acredita que a mulher sempre contou com muita representatividade em todos os gêneros musicais e descartou uma certa tendência. Até mesmo em ritmos que até pouco tempo eram genuinamente dominados por homens. “Falar do destaque da mulher em determinados segmentos é uma bobagem. Eu nunca vi a nossa ausência em lugar nenhum. Sempre houve expressão”, ponderou ela, que, tendo como espelho a madrinha Gal Costa e a tia Maria Bethânia, se sente empoderada por natureza. “Sou feminista por essência, mas não consigo ficar separando muito as coisas. É natural que surjam artistas que levantem suas bandeiras, a gente vive um momento de gêneros. Mas acredito que o mais importante seja a qualidade do ser humano e do artista”, ressaltou ela, comentando sobre o modismo das cantoras no universo sertanejo. “Sempre existiu. Eu sempre fui fã da Roberta Miranda, por exemplo. Mas é óbvio que existe essa onda, que é ótima e natural. Há uma geração de compositoras que estão colocando a boca no trombone no mundo no momento certo em que as pessoas estão prontas para ouvir esse discurso da mulher”, avaliou.
E, acredite, falar sobre feminismo com a nossa entrevistada deu muito pano para mangas. Afinal, Preta cresceu na efervescência da Tropicália e em uma família que sempre teve a liberdade como filosofia de vida. “Eu sou afilhada de Gal e sobrinha de Bethânia. Ai você imagina: quando eu era criança, as maiores referências que eu tinha eram dessas mulheres maravilhosas. Meu pai (Gilberto Gil) e meu tio (Caetano Veloso) eram minoria. Eu sempre tive as mulheres como minhas musas. Era minha madrinha, minha tia, Rita Lee, As Frenéticas, As Chacretes… eu queria ser a Gretchen e a Rita Cadillac, a Elba Ramalho… enfim, todas elas. Acho ótimo que existam Maiara e Maraisa, Marilia Mendonça, Simone e Simaria e que venham outras como Anitta, Ludmilla, Preta e Ivete. No entanto, não consigo vislumbrar isso como um empoderamento. Acho que o modismo é algo nojento. Eu estou há anos na minha luta falando de autoestima, beleza e aceitação. Antigamente não existia um nome para isso. E hoje tem”, destacou.
Afinal, como todos sabem, Preta já chegou ao mainstream causando o maior bafafá entre os mais conservadores. Logo em seu disco de estreia, a cantora ousou ao quebrar os padrões e posar completamente nua para a capa do disco “Prét-A-Porter”. A resposta negativa da crítica foi imediata. “Aquilo me machucou. Logicamente a gente fica bem assustada. Eu vivia no mundo de Alice onde pensava que a gente era livre. Na minha família era bem desse jeito. Percebi que existem, sim, pessoas preconceituosas, racistas, ruins e do mal. Mas você só enxerga quando dá a cara à tapa. Quando a gente instiga as pessoas, como com a imagem do meu primeiro disco, por exemplo, causa polêmica. Se falou tanto que eu era gorda na época que eu fiquei mais”, recordou ela, que, no entanto, encarou a nudez com muita naturalidade, apesar da repercussão. “Fazer as fotos em si foi muito fácil. Difícil mesmo foi perceber como o mundo era podre. O maior desafio da sociedade é aprender a conviver harmoniosamente com quem é diferente da gente. Eu costumo respeitar muito isso. Quando cheguei, eu era algo diferente. Não acho que eu tenha nada mais e nada menos do que qualquer outra mulher. Mas eu me amo, me aceito e me defendo”, destacou.
Com a força que lhe é de costume, a filha do cantor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil deu a volta por cima da crítica e provou com muito talento, carisma e autoconfiança que os valores estéticos não seriam uma barreira para brilhar ainda mais pelos palcos. Inclusive com a roupa que lhe desse na telha. “O mundo vai sempre estranhar as pessoas que se amam. O problema não sou eu, em aspecto nenhum. O problema são as pessoas. Quando elas me veem no palco, feliz, cantando para milhares e vestida com um body e a perna cheia de celulite, elas se chocam. São pessoas incapazes de ter essa liberdade. Eu prefiro me apegar às mulheres que enxergam beleza em mim. Se elas veem isso em mim, também enxergam nelas mesmo”, entregou a artista. Muita gente pode até não se lembrar, mas durante muito tempo Preta se manteve bem mais magra na época em que apresentava o programa “Caixa Preta”, na Band. “Eu fiquei pesando uns 56 quilos durante cinco anos. Vestia 36. E as pessoas falam muito pouco sobre isso. Porque o legal de ser Preta Gil é ser gorda e rainha de bateria da Mangueira ao mesmo tempo. E assumir o que se é não é para qualquer um, não. É preciso ser forte”, frisou.
Entretanto, atravessando o samba e mudando completamente de assunto, não podemos deixar de falar sobre a festa amor, brilho, confete e serpentina que acontece em todo fevereiro por aqui. Afinal, há sete anos à frente de um dos blocos mais queridos do carnaval carioca, Preta vem arrastando milhões e milhões de foliões apaixonados para as avenidas do Rio de Janeiro. O sucesso é tamanho, que o Bloco da Preta vem se reinventando ao ponto de este ano transformar a tradicional folia no saudoso “Cassino do Chacrinha”. “O carnaval é uma emoção única. É um sentimento de plenitude como poucas coisas me trazem na vida. Só posso agradecer a Deus. São nesses momentos que eu percebo que tudo aquilo o que sou e o que fiz valeu a pena. Ninguém leva um milhão de pessoas para rua à toa. Se elas estão ali, por você, é por que elas gostam e se identificam com a sua mensagem”, comentou ela, revelando mais detalhes da folia em 2017. “Vai ser uma grande homenagem ao centenário do Chacrinha, onde vou realizar aquele antigo sonho de ser chacrete. É uma demostração singela, mas é de coração. Estou ansiosa para cantar ‘Aquele Abraço’, música composta pelo meu pai. Certamente vai ser uma emoção incrível. O Velho Guerreiro com certeza vai estar lá em espírito com a gente balançando a pança”, comemorou ela.
Já que Preta falou sobre a família Gil, aproveitamos para perguntar sobre o estado de saúde do compositor que esteve internado algumas vezes no ano passado para tratar de um problema nos rins. De acordo com a estrela, ele segue muito bem, obrigado! “Meu pai ainda está em tratamento. Esporadicamente ele pode voltar a ser internado, mas não se assustem. As internações fazem parte do processo. Essa situação, por um lado, trouxe uma vontade ainda maior dele viver. Ele está mais animado e com mais energia do que nunca. Foi tenso, no primeiro momento, mas agora está tudo bem”, alertou ela, que, em contrapartida, é puro amor pela neta, Sol de Maria. “Ser avó é a melhor coisa do mundo. Deus é muito bom para mim. Eu me sinto uma mulher muito abençoada. Porque a Sol, juntamente do meu filho, se tornou a razão da minha vida. Tudo o que eu faço é em função dela e para ela. O Francisco (filho de Preta) é um garoto muito especial e quero que ela seja feliz como ele”, destacou Preta, que, como teve o filho com apenas 20 anos, se sente mais preparada para cuidar da família que construiu. “Eu e Francisco crescemos juntos. Foi muito paralelo. Já com a Sol é mais tranquilo. Eu consigo observar esse crescimento muito mais. É uma sensação única de perpetuar a espécie e a essência na Terra”, emocionou-se.
Agora, saindo um pouco do mundo real e entrando nas ondas da internet, Preta interage bem com redes sociais. Não é muito difícil abrir o Instagram e não se deparar com uma ou duas fotos da artista, seja no palco ou momentos íntimos de sua vida. Em todo o caso, ela também vê o espaço como uma ligação direta com os fãs, além de um novo caminho para divulgar ainda mais seu trabalho. “Essa é a ferramenta mais democrática que se criou. A internet veio para aproximar as pessoas, encurtar distância e criar elos de amor. O que acontece de ruim é muito pequeno perto de tudo o que ela me trouxe de bom. Eu não sou uma artista que toca em rádios e que está no topo das paradas, mas para os meus fãs eu estou no topo de tudo. A minha vida não é livro aberto, então eu divido só aquilo o que acredito que vá somar para mim e para quem me acompanha”, relatou.
Como nem tudo são flores, assim como a jornalista Maju, a atriz Taís Araújo e a filha de Bruno Gagliasso, há alguns meses a cantora também sofreu ataques racistas através da web. Indignada com a situação, Preta levou o caso à Justiça. E não se arrepende. “Eu tive que abrir uma denúncia, porque ocorreu um crime. A polícia foi atrás e concluiu que existe uma gangue que se reúne para atacar usuários. É importante que as pessoas entendam que a internet não é uma terra sem lei. Foi-se o tempo. Acho importante ter dado queixa, para que casos como o meu gerem visibilidade. Acontecem tantos xingamentos gratuitos que a minha equipe hoje em dia faz um dossiê. De três em três meses, eu vou à delegacia e entrego um relatório. Me chamar de gorda, está ok. Porque eu sou mesmo. Sou gorda, feliz, honesta e bem comida. Aloka! (risos). Mas essa não é essa a questão. O problema é que racismo é crime e deve ser combatido”, destacou.
Agora, voltando a falar sobre o trabalho da artista, Preta é tão avessa aos rótulos que descartou qualquer possibilidade de carregar o título de Rainha dos Gays. Para ela, o seu público é tão diversificado que serve de ponte para fazer conexão entre diferentes tribos. “O meu público é bem misturado. Claro, que a classe LGBT é muito querida e gosta muito de mim. Eu sou sempre muito bem recebida nas casas que passo. Só que acho meio que um preconceito ao contrário querer limitar. Tem muitos gays que não gostam de mim e não se sentem representados por mim. Então não sou uma rainha dos gays. Eu posso ser musa de pessoas. Sejam elas homossexuais ou não. Pobres ou ricas, pretas ou brancas. Eu tenho pânico de rótulo. Mas quero ser musa da diversidade. Eu acredito na inclusão. Não acredito em gueto, patota e rodinha. Nem na escola eu gostava dos grupinhos. Eu sempre fui uma ponte para mundos diferentes se falarem. Se eu tiver que ter algum posto, que seja da diversidade e da inclusão. E não somente dos gays”, destacou ela, ponderando os dois lados da moeda. “Óbvio que eu tenho uma questão pessoal com as minorias. Os gays, as lésbicas e os transexuais precisam de uma fortaleza e eu vou sempre falar pela minoria, seja ela qual for. Eu quero que elas estejam no mundo, porque como diz meu tio: gente é para brilhar”, ressaltou a artista.
Totalmente engajada, Preta se disse incrédula sobre o cenário dos poderosos que governam o nosso país. Filha do ex-ministro da Cultura, ela acredita em uma reforma política, mas ainda aposta em alguns nomes que possam, talvez, salvar o Brasil. “É assustador perceber como a gente acreditou que o Brasil já era um país em desenvolvimento, mas parece que voltamos ao descobrimento. O país está na mão de uma minoria, de políticos poderosos que são donos do país. Seja de esquerda ou de direita. A podridão está em todos os lados. É importante que a gente aproveite essa limpeza e consiga enxergar novos expoentes. Atualmente, eu não acredito em nada e nem em ninguém que está no poder”, disse ela, completando. “Eu nunca votei no PT, porque não me identificava com eles. Nos últimos anos, eu votei na Marina Silva e continuo acreditando na idoneidade e na honestidade dela”, apontou.
Ligada também às questões debatidas no Congresso, Preta se disse pessoalmente contra o aborto, mas a favor da escolha pessoal de cada mulher. Mãe aos 20 anos, ela assumiu que jamais seria capaz de interromper uma vida em formação. “Eu sou contra o aborto. É uma questão pessoal. Nunca fiz e nem nunca faria. Eu acredito que, a partir do momento que existe o embrião, existe uma vida. Mas isso é uma questão minha. Porque também sou absolutamente a favor da escolha pessoal de cada mulher. Todas temos o direitos sobre nossos corpos. Eu, Preta, nunca fiz e nunca faria. Esse debate deveria sair da esfera da religião e partir para o direito do cidadão”, contou ela. Casada há quase dois anos com o personal trainer Rodrigo Godoy, ela ainda não pensa em aumentar a família. No entanto, apesar do casamento feliz, algumas notícias sobre uma possível crise teriam tirado boas gargalhadas do casal. “Na verdade, a gente ri muito dessas fofocas e fica meio curioso em ver como o ser humano é criativo. São histórias tiradas do nada. As pessoas se incomodam muito com a felicidade alheia”, comentou ela, indiferente ao ocorrido.
E como toda boa leonina, Preta é muito vaidosa e comprometida com seu trabalho. Juntando o útil ao agradável, a estrela lançou sua linha de cosméticos homônima, que já é um verdadeiro sucesso. “Adoro brincar com meu visual, cabelo e maquiagem. Os esmaltes ‘Preta Gil’ vão completar três anos, com uma qualidade realmente muito boa. Caiu no gosto das mulheres. Tenho tido cada vez mais interesse de entrar no ramo da beleza, porque eu acredito muito que as coisas que são boas para mim também podem ser maravilhosas para os outros”, contou ela, que também vem com boas novidades nesse ramo. “O cabelo é um fetiche muito grande, e há dois anos a gente está montando uma linha bem democrática. A marca está cada vez mais forte e crescendo de acordo com a qualidade do produto. Eu não quero lançar nada e ter meu nome vinculado a nada que não seja bom para mim”, completou. Alguém duvida do sucesso dessa mulher em qualquer área que seja? Vida longa à Preta Gil!
Créditos
Fotos: Alex Santana
Maquiagem: Soraya Rocha
Styling: Luana Miranda
Agradecimentos
Hotel Royal Tulip Rio São Conrado
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