Em clima de star system, a 2ª edição do Prêmio Cesgranrio de Teatro movimentou o Rio de Janeiro nesta noite de terça-feira (27/1) no Copacabana Palace, tendo Lilia Cabral e Paulo Betti como apresentadores. A classe artística compareceu em peso à cerimônia e ao coquetel subsequente promovido pela Fundação Cesgranrio, que realiza a premiação idealizada pelo Professor Carlos Alberto Serpa com júri formado por Carolina Virguêz, Daniel Schenker, Jacqueline Laurence, Lionel Fischer, Macksen Luiz, Mirna Rubim e Tânia Brandão.
Se as altas temperaturas africanas do verão carioca não colaboram para a beca no red carpet, em contrapartida a noite foi de calor humano e muita emoção, a começar pelo grande homenageado, Ney Latorraca, agraciado por sua contribuição ao teatro brasileiro, além de uma saudosa menção à atriz Maria Della Costa, que morreu neste último sábado (24/1), aos 89 anos. E, se celebração das artes cênicas no Brasil não tem a mesma pompa dos Oscars, Emmys e Tonys, porque elevados graus centígrados acentuam o suadouro e não permitem o uso de smokings (o ar condicionado não deu vazão e muita gente não teve outra saída a não ser tirar o paletó), por outro lado as demonstrações de afeto são muito mais calientes, deixando George Clooney e sua moçada no chinelo. Sim, a noite foi de brilho, e HT revela aqui tudo em pormenores.
Fotos; Reginaldo Teixeira (Divulgação)
Visivelmente emocionado, Ney Latorraca deu tempero à noite em um misto de ternura com natural bom humor, e é importante levar em conta que a vitória é dupla, já que, além do prêmio, o ator se recuperou de complicações de saúde há relativamente pouco tempo, além de ter brilhado no teatro recentemente em “Entredentes”, última produção de Gerald Thomas. Agora, no palco do Golden Room, ele recebeu o carinho da classe artística, em especial de Marília Pera, Marco Nanini e de seu companheiro de cena na peça, Edi Botelho, dando depoimentos sinceros, mas repletos da mais fina ironia em vídeo gravado e ao vivo. Um vez, no palco, ameaçou: “Vou repetir aqui, agora, tudo aquilo que vocês viram no telão”, provocando risos. E, como ele mesmo declarou (“Não me sinto com 70 anos, me considero uma criança. Uma criança responsável”), após receber o abraço de Carlos Alberto Serpa ainda tentou dentar a Medalha do Mérito Cesgranrio, enfatizando sua porção enfant terrible.
O artista brincou com a plateia em vários momentos: “Ano passado, eu praticamente induzi que fosse homenageado aqui. Já recebi todos os prêmios no cinema e na televisão, faltava esse de teatro”. E provocou gargalhadas generalizadas na hora em que revelou: “Em 1964, eu tinha 20 anos e saí do interior de São Paulo, peguei um ônibus e fui para a companhia de Maria Della Costa me oferecer para substituir Paulo Autran em “Depois da Queda”, peça da qual soube que ele se desligaria. E disse: ‘Quero ficar no lugar do Paulo’. Obviamente, ficou aquele clima de mal estar, com ela e Flavio Rangel constrangidíssimos. Mas, antes de ir embora, escrevi com batom no espelho do camarim do teatro: ‘Maria Della Costa, ainda vou ser seu galã’, o que acabou acontecendo nove anos depois”.
Fotos; Reginaldo Teixeira (Divulgação)
Para Miguel Falabella, “em uma era em que os prêmios acabam, é bom ter o Cesgranrio vindo para ficar”. Ele encabeçou a homenagem a Latorraca (“Ney é o puro teatro: instiga, diverte, entretém, subverte”) e foi apresenteado entre suas multifunções como um homem dos musicais. E, claro, esse aspecto tinha tudo a ver numa noite que premia esta categoria com destaque. Gabriel Stauffer ganhou ‘Melhor Ator em Teatro Musical’ (“O Grande Circo Místico”), Solange Badim levou ‘Melhor Atriz em Teatro Musical’ (“As bodas de Fígaro”), Leandro Castilho foi contemplado por ‘Melhor Direção Musical’ (“As bodas de Fígaro”) e o coreógrafo Renato Vieira arrebatou a “Categoria Especial’ pela direção de movimento em “Samba Futebol Clube”.
Fotos; Reginaldo Teixeira (Divulgação)
E, já que o assunto é musical, a plateia ficou ouriçada quando Carlos Alberto Serpa anunciou que, entre outros projetos em curso, um teatro de 700 lugares, abrangendo todos os recursos possíveis para a realização do melhor do gênero, será edificado no Rio pela Fundação Cesgranrio.
Entre os premiados, o cenógrafo Nello Marrese (“O Grande Circo Místico”), o iluminador Renato Machado (“Fala comigo com a chuva e me deixa ouvir”) e o figurinista Marcelo Marques (“Edypop”), que disse ter ficado feliz porque lidou como a força dos mitos e da religião nesse trabalho: “Esse assunto é seríssimo!”. Depois, no coquetel, contou ao HT: “Eu pude ir a fundo nesse tema e isso me deliciou. Trabalhar com o tribal, com elementos que vêm lá de trás, que são imemoriais, me dá um tesão danado. Caí de cabeça”.
Linda em um tubinho cheio de brilho, Luana Piovani entregou a estatueta ao costume designer e se disse emocionada quando foi apresentada por Paulo Betti como alguém estimula o teatro infantil: “È mais que formação de plateia, fazer espetáculo para essa turma é fomentar cidadãos mais conscientes e amorosos amanhã”. E, nessa vibe maternal, ela revelou ao HT: “Que loucura essa coisa de ser mãe, como a vida muda para melhor. E olha que o bebê já não é mais bebê, rs”. E, sobre sua recente participação em “Dupla Identidade”, ela afirma: “As cenas eram muito fortes, isso me consumiu demais, ficava tensa quando chegava em casa, adrenalina pulsando. E o Bruno (Gagliasso), a gente até já tinha visto ele numa variedade ampla de papeis, mas o Novaes (Marcelo), que coisa boa! Incrível atuar com ele, nós dois nessa fase da vida”.
Gustavo Gasparini levou para casa a o prêmio de ‘Melhor Direção’ por “Samba Futebal Clube” e também concorria como ‘Melhor Ator’ por sua brilhante interpretação em “Ricardo III”, perdendo para Candido Damm por “Vianninha conta o último combate do homem comum”. Este recebeu aplausos quando agradeceu a parceria de 33 anos e 12 espetáculos com Aderbal Freire Filho e citou personalidades que fizeram história no meio como Nelson Dantas, Rubens Correa, Sílvia Sangirardi e Duse Nacaratti. Vale lembrar que, em um país onde a memória artística sofre de Alzheimer cultural, a lembrança vem bem a calhar.
No palco, Paulo de Moraes agradeceu ter ganho ‘Melhor Texto Nacional Inédito’ por “O dia em que Sam morreu”, junto com Mauricio Arruda Mendonça. Quem o recebeu no palco foi o bissexto Walcyr Carrasco, conhecido pelas suas novelas, mas também autor de teatro, sobretudo em São Paulo. ‘Melhor Espetáculo’ foi para “Fala comigo como a chuva e me deixa ouvir”, o texto de Tenessee Williams encenado pelo projeto 18 anos dezequilibrados e o 40º. Com toda a companhia no palco, naquele padrão Globo de Ouro, a companhia estava feliz e o diretor Ivan Sugahara animou o público dizendo: “Fico feliz com o reconhecimento do teatro de grupo. Somos perdedores profissionais de premiações e esse é nosso primeiro trofeu”.
Mas, entre todos os agraciados, merece destaque Suzana Faini, ‘Melhor Atriz’ por “Silêncio”, aplaudida de pé. Dama dos palcos de grandeza maior prestes a completar 82 anos, nem sempre a artista foi devidamente reconhecida como deveria. Monstro sagrado do primeiríssimo time, se disse emocionada, mas manteve a verve que lhe é característica, acompanhada depois pela filha única e fiel escudeira Milenka: “Já fui mãe da Lilia (Cabral) e mulher do Paulo (Betti). Esse prêmio é uma dádiva para quem teve pais cantores de ópera”. Ao descer do palco, recebeu o abraço impetuoso de Tatiana Leskova, 92 anos de (ainda) pura travessura. Russa naturalizada brasileira e mestra de muitas gerações de profissionais das sapatilhas, não se conteve de emoção e contou depois ao HT: “Devia ter um prêmio como esse para a dança”.
Fotos; Reginaldo Teixeira (Divulgação)
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