*Por Érica Magni
Bilheteria cheia, ingressos disputados e esgotados, mas ainda sem agenda fechada para novas apresentações: este é o cenário que o grupo Pra Gira Girar vem enfrentando bravamente para manter viva a história d’Os Tincoãs. No último espetáculo, a convite do Museu de Arte do Rio (MAR), estiveram ali presentes mais de 2 mil pessoas, que entoaram juntas cantos de religiões afro, assim como os sambas de roda, elevando a proposta musical do grupo para uma liturgia contemporânea, repleta de novos signos e urgências espirituais.
Também foi impossível não se emocionar com a bênção de Mateus Aleluia, integrante original d’Os Tincõas, que fez uma participação elegante e necessária, empunhando seu violão ancestral. Ele deixou claro que os “jovens estão fazendo a coisa certa”, e assim, como um padrinho que abre caminho para o novo, fez capela em coro com o público no clássico ‘Cordeiro de Nanã’, regravado também por João Gilberto e Caetano Veloso na década de 80.
Uma das vozes que compõem o trio é a de Michele Leal, que também faz a direção vocal do show. Ela desabafou com o site HT sobre a incerteza destas apresentações, já que a formação é relativamente recente, desde setembro de 2018, quando fizeram o primeiro show no Sesc Copacabana, com ingresso esgotado, antes da apresentação. Depois foram mais dois shows com sucesso total de público.
Agora, o grupo segue negociando novas apresentações já que o cenário no Rio não é o mais favorável, e viajar com o projeto é uma ideia quase utópica, pois são 15 integrantes essenciais para que aconteça uma única apresentação. “Só podemos manter a técnica que exige este show se mantivermos o ritmo de ensaios. Assim, religiosamente, nos encontramos para aperfeiçoar e não deixar nada passar. Queremos que seja uma experiência transcendental que une voz e instrumentos”, ressalta Michele, dando ênfase à importância de conseguirem um patrocínio o quanto antes. “Na verdade é um grito de socorro, pois para manter essa parte viva da história, vamos precisar mais do que simplesmente querer que ela não desapareça, vamos ter que encontrar maneiras de introduzi-la em nosso dia a dia. Pedimos a todos ajudem esta pesquisa se manter de pé”, diz ela.
O time de músicos envolvidos neste projeto é um encontro que merece ser ovacionado. Reunir tanta diversidade e talento não foi fácil, mas foi um processo fluído, a começar por Zero Telles, um verdadeiro totem da cultura popular, muito respeitado e celebrado pelos mais jovens do grupo. “Ele faltou os dois primeiros ensaios, o que adiou meu sofrimento. Eu não tinha certeza se ia dar conta de tocar com ele, quase desisti, mas quando o conheci e senti a doçura dos movimentos, e como ele ia passando o conhecimento, fiquei mais confiante, conta Ana Magalhães que divide a percussão com o mestre.
Adentrando à estrutura do grupo temos o trio oficial de vozes, que remonta a formação original d’Os Tincoãs. Além da voz de Michele Leal, que é mineira, há o carioca Alvaro Lancellotti e também o niteroiense Alan de Deus. Os três possuem carreira solo na MPB, mas juntos, neste projeto, encaram desde o canto gregoriano aos sambas de roda oriundos do recôncavo baiano. O pernambucano Zé Manoel traz o piano e a voz para complementar essa equação tão delicada, somando sua musicalidade ao trompete poderoso de Diego Gomes. Já o violão e a guitarra ficam por conta de Pedro Costa, que também é responsável pela direção musical. O projeto tem concepção de Julianna Sá, que contou com exclusividade para o site HT como conseguiu dar corpo a uma ideia que parecia tão distante da realidade, até agora:
“O projeto começou, no papel, ainda em 2017. Montei uma mini turnê em trio para o Alvaro Lancellotti, que tinha lançado o Canto de Marajó. Nesse show, ele cantava uma música d’Os Tincoãs e começamos a falar sobre a ideia de estruturar um show em homenagem a eles, mas nem tínhamos a dimensão do que ele viraria. Mais adiante, a Michele Leal participou de uma dessas apresentações – na Etnohaus – e o assunto ficou quente novamente, ficamos novamente seduzidos por essa ideia. Isso aconteceu no fim do ano, já em dezembro. Lembro que em janeiro o Alvaro me ligou – eu estava em Brasilia, trabalhando – dizendo que a Michele tinha animado puxar a história, e que eles começariam a se encontrar”, afirmou.
Julianna conta que “meses depois, fui a um ensaio e a coisa tinha tomado alguma forma significativa. Ele, ela e o Alan de Deus já estavam com as vozes divididas, arranjadas, e o Pedro Costa já tinha tirado algumas canções ao violão. Fiquei muito mexida, e começamos a nos mover pra estruturar melhor. Alvaro sugeriu chamar o Zero Telles, eu convidei a Ana Magalhães, eles trouxeram o Diogo Gomes, e eu chamei o Zé Manoel. Com a banda formada, e eles trabalhando duro nos arranjos e nas vozes, fui desenhando melhor o conceito, o que seria essa celebração, e montando outra parte da equipe pra desenhar isso. Trouxe a Carla Ferraz pra pensar o figurino, o Francisco Costa pra fazer as fotos dentro do conceito que tinha pensado, a Rafaela Amodeo para pensar o movimento, a Dani Pascoaleto pra dar uma cara, uma identidade ao projeto, a Dara Bandeira pra cuidar disso tudo junto de mim, o Alessandro Boschini pra desenhar a luz, o Guilherme Marques e o Bruno Flores pra ficarem a frente do som. A Palmeira Filmes também se juntou, se dispondo a gravar. A história se consolidou, eu escrevi a respeito e fomos pra rua com o projeto, que o Sesc Copacabana acabou comprando. Estreamos com ingressos esgotados em dois dias, fizemos o Festival A. Nota que também esgotou, mas é sempre difícil vender esse show. Os contratantes ou não conhecem Os Tincoãs, ou não conhecem a força de mobilização desse repertório. Não chega a ser um show caro, mas é um show com uma equipe muito grande, o que gera uma logística pesada. Agora, no MAR, uma coisa ficou clara: esse é um projeto movedor, que atrai as pessoas, move elas. Não por acaso tivemos duas mil pessoas assistindo Pra Gira Girar, este sem dúvida é só um começo de uma história que é nossa”.
Artigos relacionados