*Por Rafael Moura
No primeiro encontro do site Heloisa Tolipan com esse prodígio da música nacional, Hiran, no Circo Voador, em 2019, o baiano nos contou que sempre cantou rap, desde pequeno, mas não tinha coragem de externar isso. “Meu primeiro disco nasce de um grito, de várias coisas que estavam presas, entaladas na garganta”. O artista nos explicou que sua carreira no mundo da música começou em uma banda de rock, como backing vocal. Depois, decidiu enveredar pelo rap, como cantor. O artista acaba de lançar seu novo trabalho’ ‘Galinheiro’, seu segundo disco que conta com feats especiais, como Tom Veloso e Majur, que já sai com dois clipes – ‘Galinheiro’ e ‘Gosto de quero mais’.
O álbum nasce a partir de experiências pessoais do artista, que define 2019 como um ano emocionalmente desgovernado, mas que o inspirou muito artisticamente. “Eu estava vivendo em um ambiente de caos emocional e lutava por migalhas dentro de um contexto que eu mesmo não acreditava. Então quis dar uma resposta a essa realidade através do meu trabalho, produzindo, criando e ganhando com isso. É uma resposta à loucura que 2019 foi pra mim, em que realizei sonhos e ao mesmo tempo estive tão mal por dentro no que se diz respeito ao amor, e também à realidade que me vejo inserido, sendo um corpo preto e LGBTQIA+, numa conjuntura política deprimente. Mas ainda assim, posso afirmar que ‘Galinheiro’ é um disco de amor no meio desse caos”, explica Hiran.
O disco, com produção musical de Tiago Simões, da Cremenow Studio e Mateus Gonçalves ( Alohamath) conta com nove faixas, traz alguns feats especiais, como a parceria com Tom Veloso na música ‘Gosto de Quero Mais’, além de Majur, Illy, Dicerqueira, Nininha Problemática, Ed Oladelê e Astralplane. O rapper tem trazido à agenda da música independente brasileira uma nova integração de realidades e influências, buscando um novo ar pro hip hop da Bahia e pro rap queer. Seu último sucesso, ‘Lágrima’, lançado em agosto de 2019, contou com a participação de Gloria Groove, Baco Exu do Blues e Àttooxxá.
Para o cantor de 25 anos, da periferia de Salvador, Alagoinhas, abertamente gay, ele vem desconstruindo e reconstruindo novas narrativas para a cena, afinal no país em que um LGBTQIA+ é agredido a cada 23 horas e em que os casos de racismo estão se tornando cada vez mais frequentes, assumir posturar e levantar bandeiras é um ato político. “O meu corpo, mesmo que eu não falasse nada já denotaria um tom político só de se fazer presente. Saber quem se é e fazer o caminho de volta independente do lugar ocupado é uma das atitudes mais essenciais pra que a cabeça caiba tranquila nesse contexto doido que a gente vive. Falar sobre essas mudanças é o que realmente importa é essencial”, frisa.
Desde seu primeiro álbum, ‘Tem Mana No Rap’, 2018, o artista, nas oito faixas autorais canta a sua visão sobre os problemas que envolvem o contexto político do país, usando sua arte como uma forma de manifesto/ protesto, ainda mais em um país que está desvalorizando toda a sua cultura. “Dói e dá forças ao mesmo tempo. Incentiva a querer quebrar essas barreiras que hoje em dia já soam como toscas e mais que ultrapassadas. Às vezes desanima, não vou mentir. Mas pra alguém que tá acostumado a lutar por espaço desde que nasceu – e pra alguém que ainda tem esperança de mudanças positivas entre as migalhas do mundo contemporâneo – eu me sinto encorajado a sempre buscar invadir mais e ocupar mais”, ressalta.
Doce Batidão
Considerado uma das maiores identidades do rap nacional, Hiran, uniu suas fortes narrativas com a doce melodia de Tom Veloso, na faixa ‘Gosto De Quero Mais’, que é um batidão, com uma letra super expressiva, mas com uma melodia suave, como um doce com pitadas ácidas. “Minha admiração pelo Tom sempre foi grande. O Mateus Gonçalves (produtor do disco) já era amigo dele e acabou virando meu amigo também, são tipo meus irmãos, e trouxe essa proposta de fazermos umas músicas sem maiores pretensões. Tom é um conhecedor exímio da sua arte, entende muito de técnica e teoria, além de ter o feeling. Eu sou um artista que vem de um lugar totalmente diferente, que não passeia pelo mundo da técnica, mas que é altamente instintivo, sentimental e visceral”, explica.
Para o artista era inevitável que essa parceria acontecesse em algum momento. “A gente respira música e uma coisa em comum é que as experiencias divididas com amigos são as melhores. Eu amo o que saiu disso. É um meio termo entre eu e ele, algo novo pra mim e a adrenalina de explorar esse ambiente foi empolgante. A letra eu fiz baseada em uma experiência pessoal, além disso eu estava em um momento de forte afinidade com o funk. Um dia no estúdio, estávamos eu, Tom e Mateus e a coisa foi acontecendo. Escrevi a letra sobre o que eu vinha sentindo, Tom fez arranjos no violão, a canção foi tomando forma, de maneira muito natural que fez a música acontecer. Mas preciso destacar que para Gosto De Quero Mais existir, o nosso processo de amizade foi fundamental, pois foi onde o caminho até a música começou a ser trilhado’, enfatiza.
Em poucos dias após o lançamento, a parceria já rendeu mais de 120 mil visualizações, no YouTube. Hiran, integrante da Geração Z, nascida digital e que tem uma necessidade natural, de quebrar os rótulos. A diferença é que como a maioria dos jovens das periferias brasileiras, seu processo de inclusão digital foi mais lento. “Eu não sou a pessoa mais engajada nas redes sociais, confesso que até hoje acho que não sei usar direito. Meu negócio mesmo é a música, fazer música. Mas eu preciso me antenar mais, prometo que vou melhorar nisso! (risos). Ver a música chegar onde chegou, rompendo as fronteiras do Brasil, e viver a vida que eu vivo agora é surreal, não sei nem explicar. Só sei sentir! (Haha)”, agradece.
Montanha Russa
No fim dessa deliciosa conversa o rapper nos conta que essa quarentena está sendo uma verdadeira montanha de emoções e sensações, como um looping. “Já estive bem, já estive mal. Agora eu tô me sentindo tranquilo, feliz com a resposta ao disco, apesar de lidar com todos os descontentamentos de olhar ao redor e ver uma realidade em ruínas. Acho que aprendi a lidar e tenho certeza que vou sair da quarentena uma pessoa diferente da que entrou nela, seja la o que isso vai significar neste ponto”, reflete.
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