* Com André Vagon
O Gostinho era de satisfação e até o orgulho do público que compareceu ao espetáculo capitaneado pelo tenor Plácido Domingo, nesta noite de sexta-feira (11/7), pareceu voltar à cena em dias de moral lá em baixo, após o Brasil tomar goleada de sete contra um e o sonho de ganhar a Copa em casa escorrer pelo ralo. O cantor espanhol, que não se apresentava por aqui há 19 anos, comandou um show que até começou frio no primeiro ato, mais curtinho e com uma boa parte de retardatários da plateia chegando aos poucos em função da chuva forte e de um engarrafamento semi-apocalíptico que fez com que todos levassem o tempo de um voo Rio-Buenos Aires (ou mais) para chegar ao HSBC Arena, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Mas, nem as mazelas do trânsito ruim foram capazes de driblar o bom humor dos cariocas – e dos turistas que estão na Cidade-Maravilha, sim, havia muitos estrangeiros que aproveitaram a oportunidade para comparecer – e, entre uma música e outra, era possível conferir uma enorme quantidade de pessoas ainda chegando e procurando seus lugares, até que a imensa casa de shows ficar quase completamente lotada, inclusive no nível três 3, que equivale à galeria do Theatro Municipal RJ.
Tudo bem o que o HSBC, apesar de imponente, não tem a sofisticação do Royal Albert Hall em Londres, e nem os convidados esperavam encontrar a atmosfera do Teatro alla Scala de Milão, mas Plácido é esperto e seus 73 anos bem vividos lhe permitem conhecer toda a malandragem na hora de lidar com público. Além de conservar o vozeirão, carisma e dramaticidade que compensam a ausência de um clima mais intimista (em um lugar acostumado ao basfond de grandes apresentações pop), ele montou um repertório que vai da ópera ao popular, perfeito para fazer a plateia arrepiar. Teve de tudo: árias de ópera como “A Viúva Alegre”, de Franz Lehár, trechos de musical da Broadway, trilha de cinemão e até aqueles hits brazucas que fazem a brasileirada estufar o peito, se encher de orgulho e esquecer a vergonha de ter apanhado de forma tão humilhante nesta última terça feira no jogo contra a Alemanha.
Bom, o pessoal da cenografia também podia ter caprichado um pouco mais no visual do palco. Salvo o belo painel no fundo com exuberante vegetação tropical pintada e a boa iluminação, a organização pecou pelo acabamento visual, com o mesmo grupo que provavelmente cuida de formaturas e colações de grau tratando de por umas arvorezinhas aqui e acolá no cenário e uma saia qualquer para disfarçar a frente do palco, completada por umas jardineiras com plantinhas. Cá entre nós, pobre, ainda mais considerando que era um espetáculo de um dos lendários três tenores. Mas tudo bem, Plácido conduziu tudo de maneira tão gostosa, sua voz é tão intensa e a noite foi tão agradável que a falta de acabamento cênico não incomodou, assim como a ausência de um diretor de cena que costurasse melhor os números apresentados entre si.
Foi assim que funcionou: no pout pourri de músicas apresentadas em sequência, e havia um entra-e-sai de Plácido e seus convidados, como a soprano lírica Ana María Martínez, de Porto Rico (soberba!) – que debutou no Metropolitan Opera House no papel de Micaela em “Carmen” chamando a atenção da crítica, já ganhou o Grammy e volta e meia faz turnês ao lado do próprio tenor e também junto com Andrea Bocelli – e o aclamado pianista chinês Lang Lang – uma peça rara proporcional ao seu talento, performático como ele só, com caras e bocas dignas de algum expressivo patinador no gelo, pleno de trejeitos e detentor de um port de bras que o tornava mais curioso ainda. Além da inegável capacidade, ele contagiou todos com seu bom humor, cabelos arrepiadinhos (em mix de Dragon Ball’Z com Liza Minelli) e terninho com gola Mao que lembra os modelitos de vilão de filme de espionagem (tipo Blofeld em “007” ou Dr. Evil em “Austin Power”). Sim, o cara é uma figuraça! E impressionou, tocando em seu Steinway & Sons desde polonesa de Chopin até a marcha de “Superman – O filme” (de Richard Donner, Warner Bros, 1978), aquela mesma que todo mundo conhece e que, junto com as trilhas de “Indiana Jones” e “Star Wars”, compõe a trilogia dos maiores sucessos do compositor John Williams.
Fotos: Vinícius Pereira
Além deles, Plácido foi acompanhado pela Orquestra Sinfônica Brasileira e o Coro Ópera Brasil, conduzidos pelo maestro Eugene Kohn. Daí, naturalmente, um momento mágico, logo na abertura que funcionou como esquenta, com o próprio Plácido fazendo as vezes de maestro e encabeçando “O Guarani”, de Carlos Gomes e a entrada, em seguida, de Ana María Martínez cantando as “Bachianas Brasileiras Nº5”, de Heitor Villa-Lobos. A esses números seguiram árias de ópera – lindas! – que não contagiaram tanto o público quanto a partir do segundo ato, quando o espanhol tascou um “Impossible Dream”, do musical “O Homem de La Mancha”, seguido por Ana María, em novo figurino, cantando “I Could Have Danced All Night”, de “My Fair Lady”, e mais os dois em dueto seduzindo o público com “Tonight”, de “West Side Story”. Nesse momento, os presentes tiveram a certeza de que a variedade do repertório – sem compromisso nenhum com ambientes eruditos – estaria em fina sintonia com a geleia geral que caracteriza o Rio.
Afinal, teve mesmo um pouco de tudo, dentro dessa proposta de pegar todos pelo pé, desde Plácido metendo bala em “Besame Mucho”, da mexicanérima Consuelo Velazquez, e incorporando aquela levada de band leader que faz toda a galera das antigas pensar em Ray Conniff. E nessa levada meio kitsch, óbvio que o pianista Lang Lang acaba até cumprindo a função de outro ídolo de outrora nesses concertos para a terceira idade, tão popular para as gerações 1970/1980 quanto o maestro Conniff: o francês Richard Clayderman. E Ana María Martínez, na hora de soltar o gogó com canções populares em língua espanhola, como no duo de “Solea Y Rafael”, de “El Gato Montés”, lembra com seu jeito dramático aqueles medalhões que popularizaram a música espanhola, como Sarita Montiel e Rocío Jurado. Ela pertence a esta mesma fornada de morenas com tempero na veia e emoção brotando pela pele, só que indo pelo lírico.
Mas o ápice foi quando todos embarcaram na brasilidade e emocionaram com “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso. O HSBC Arena veio abaixo, óbvio. Momento tão contundente quanto na hora em que Lang Lang viajou na mandioca, tocando “Tico-Tico no Fubá”, um dos grandes sucessos de Carmen Miranda. Portanto, é hora da surpresa (nem tão surpresa assim, muita gente já sabia) de Plácido chamar ao palco a bonitinha Paula Fernandes (em modelito de sereia teen, meio Sandy, longo com cinturinha de vespa), para os dois arriscarem um “Garota de Ipanema”. Muitas subidas de descidas em cena, vários bis, aplausos, o tenor e convidados ganhando buquês e mais buquês de flores que serviriam para abrir uma floricultura, caso as carreiras de todos degringolassem. Está pronta a deixa para o grand finalle, com todos nos palco para “Cidade Maravilhosa”. Tudo a ver e está dada a deixa, hora de ir embora. Afinal, os bailes de carnaval não terminam sempre com a orquestra tocando essa música?
E, entre o público, uma penca de famosos, convidados por Liège Monteiro e Luiz Fernando Coutinho. Confira abaixo!
Fotos: Reginaldo Teixeira/Divulgação
* André Vagon é coreógrafo pós-graduado em psico-motricidade, diretor de cena em eventos corporativos e desfiles, estudioso e professor de dança, tendo atuado por mais 20 anos como bailarino profissional. Crítico de dança e espetáculos do site, para ele a vida é puro movimento
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