Paulinho da Viola: o suave canto de amor em tão aguardada live


Primeira apresentação do Príncipe do Samba, transmitida da Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, foi tão elegante quanto ele. Nada de patrocinadores invadindo a tela ou interrompendo o show. A única exaltação foi aos bambas, para deleite da audiência

*Por Simone Gondim

A delicadeza das cordas do cavaquinho e a voz suave de Paulinho da Viola em “Nas ondas da noite” abriram a tão aguardada live do Príncipe do Samba, transmitida pelo GloboPlay em um cenário montado na Cidade das Artes, no bairro carioca da Barra da Tijuca. Aos poucos, o time de músicos que o acompanhava – do qual faziam parte nomes presentes há anos em trabalhos do artista, como Celsinho Silva, Hércules Nunes, Dininho Silva, Mário Sève e Marcos Esguleba – foi somando seus instrumentos, dando uma ideia do clima de encantamento que marcaria o show.

Com a elegância que lhe é peculiar, Paulinho começou a apresentação pontualmente às 22h, horário marcado para o início da live. Antes da segunda canção, cumprimentou o público timidamente. “É um prazer muito grande poder, depois de tanto tempo, me apresentar para aquelas pessoas que conhecem o meu trabalho, acompanham o meu trabalho há tanto tempo, e até aquelas que não conhecem. Espero que gostem desta live”, disse ele.

(Foto: Reprodução internet)

Em seguida, Paulinho falou de sua relação forte com o samba e lembrou que cada letra tem uma história, que não se limita a uma exaltação do ritmo, mas trata de outras coisas – se a referência a críticas sociais, por exemplo, não havia ficado clara por conta da sutileza do artista, a música da sequência, “Filosofia do samba”, com seus versos “Cada qual ama a si próprio / Liberdade e igualdade, onde estão / Não sei” tirou a dúvida de quem, como cantava sabiamente Candeia, é cego porque só vê onde a vista alcança.

Ao longo de uma hora e meia de show, Paulinho da Viola ainda prestou homenagens a vários parceiros, como Elton Medeiros, Noca da Portela, Sérgio Natureza, Hermínio Bello de Carvalho e José Carlos Capinan. Ele também desfiou um repertório de sucessos próprios, como “Argumento”“Eu canto samba”, “Foi um rio que passou em minha vida” e “Pecado capital”, conhecidos até por quem não é assíduo frequentador de rodas de bambas.

Paulinho da Viola à frente dos músicos João Rabello, Adriano Souza, Mário Sève, Marcos Esguleba, Ricardo Costa, Dininho e Celsinho Silva (Foto: Reprodução internet)

A história de “Talismã”, inusitada parceria com Marisa Monte e Arnaldo Antunes, lançada em 2007, foi contada em outra breve pausa. Paulinho encontrou a melodia esquecida em uma fita k7 antiga e mandou como uma provocação a Marisa e Arnaldo. Para a sua surpresa, dias depois chegou a letra completa, com versos como “Eu não preciso de um talismã / Nem penso em meu amanhã / Vou remando com a maré / Eu não preciso de patuá / Nem peço ao meu orixá / Não vou na igreja, não sei rezar / Mas tenho fé / Pois agora quem eu quis / Também me quer”.

Quem não era fã do artista ficou sabendo um pouco mais de seus gostos. Antes de tocar “Onde a dor não tem razão”, por exemplo, ele explicou que se tratava de uma das suas canções preferidas, feita com Elton Medeiros, um de seus primeiros parceiros no mundo do samba. A noite era de samba, mas houve espaço para o choro, com a bela “Coração imprudente”, composta com o baiano José Carlos Capinan, considerado um dos grandes letristas do Brasil e parceiro de outros medalhões da música nacional, como Gilberto Gil, Edu Lobo, João Bosco, Caetano Veloso e Moraes Moreira.

(Foto: Reprodução internet)

Apesar do clima agradável, nem tudo foi perfeito na live do Príncipe do Samba. A iluminação poderia ter sido melhor trabalhada, já que em diversos momentos dava para perceber que, provavelmente, determinado efeito funcionava muito bem ao vivo, mas deixava a desejar diante das câmeras de uma transmissão via streaming. Da parte do artista, pequenos erros, como em “Peregrino”, foram contornados com delicadeza. “Acho que Noca vai me desculpar”, brincou Paulinho ao fim da música, referindo-se a Noca da Portela, um dos compositores.

As raras imperfeições na execução das músicas não comprometeram o show, muito pelo contrário. Várias vezes, Paulinho explicou a necessidade de afinar novamente o violão antes de começar a tocar e pediu paciência ao público. Educadíssimo e sem assumir um tom professoral, ele deixou claro que, além da troca de instrumentos – alternava entre violão e cavaquinho -, a mudança de temperatura causada pelo ar-condicionado afetava as cordas. Na hora de apresentar os instrumentistas, todos posicionados respeitando o distanciamento imposto pela pandemia causada pelo novo coronavírus, chamou a atenção para a presença do filho, o violonista João Rabello, enfatizando a timidez do músico.

O violonista João Rabello, um dos filhos de Paulinho da Viola (Foto: Reprodução internet)

Além do repertório impecável e do talento de Paulinho da Viola e dos músicos que o acompanhavam, outro ponto a favor da live foi a ausência de patrocinadores invadindo a tela ou interrompendo o show. Houve um breve intervalo na transmissão, que pareceu durar menos do que os dois minutinhos anunciados pelo artista. Ao fim da noite, ele depositou o violão ao lado da cadeira após tocar “Sinal fechado”, agradeceu – deu para ouvir (e invejar) as poucas pessoas presentes aplaudindo -, cumprimentou os músicos e deixou o público de casa já querendo mais. Até breve, Paulinho.

Confira a lista completa de músicas da live de Paulinho da Viola:

1. Nas ondas da noite

2. Filosofia do samba

3. Onde a dor não tem razão

4. Peregrino

5. Ruas que sonhei

6. Vela no breu

7. Coração imprudente

8. Amor à natureza

9. Ela sabe quem eu sou

10. Retiro

11. Para um amor no Recife

12. Dança da solidão

13. Roendo as unhas

14. Coisas do mundo, minha nega

15. Ainda mais

16. Pecado capital

17. Eu canto samba

18. Argumento

19. Talismã

20. Coração leviano

21. Foi um rio que passou em minha vida

22. Timoneiro

23. Sinal fechado