*Por Domênica Soares
Com muita atitude e representatividade, Linn da Quebrada vem conquistando seus espaço. Acumulando milhões de plays nas plataformas digitais, seu último lançamento foi “Oração”. Produzido por Mahmundi e com diversas participações especiais, o videoclipe, segundo Linn, é um ritual de preservação e celebração à vida, de cuidado e proteção. “’Oração’ não é sobre mim. É sobre nós”, comenta a artista e ativista trans.
Mas não é somente no mundo da música que a cantora marca presença. Ela também estreou nos cinemas com o filme ‘Bixa Travesty’, dirigido por Kiko Goifman e Claudia Priscilla. O documentário foi apresentado no Festival de Berlim e venceu o prêmio Teddy, exclusivamente dedicado às obras com a temática LGBTQIA+. Foi premiado mais quatro vezes pelo mundo e, neste ano de 2019, entrou em cartaz nos cinemas de todo país. “Quando venho no cinema e vejo o cartaz do meu filme fico extremamente grato. Colocar esse material acessível é muito importante, porque posso cada vez mais disponibilizar minha história com o que invento e o que faço. Fazer com que as pessoas tenham mais acesso é um sinal de que estamos conseguindo atingir mais público e, consequentemente, expandindo nosso campo de diálogo. Isso é uma grande conquista”, declara Linn.
O diretor do documentário, Kiko Goifman cita que o grande desafio de falar sobre um tema tão importante é que ainda existe uma onda conservadora e moralista. “Falar do tema hoje é urgente. Estamos diante da luta por direitos de pessoas que sofrem violências físicas diariamente. O Brasil é o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo. A expectativa de vida dessas pessoas é de 35 anos, menos da metade da média nacional, que é de 75 anos. ‘Bixa Travesty’ é um filme sobre esses corpos políticos que, para muitos, não deveriam ocupar espaços públicos”, afirma Kiko.
Além disso, ele ainda explica que a inspiração para a obra se deu a partir de um encontro com a Linn da Quebrada e que, diante de tal fato, perceberam que estavam diante de uma artista contemporânea que trata de assuntos atuais de uma forma original e que usa seu próprio corpo como arte. Kiko conta que decidiram fazer um filme pautado na ideia de liberdade e comportamento do corpo. “O discurso em forma de corpo foi nos atraindo, fomos entendendo que a Linn e outras ativistas trans colocam em destaque o que até aqui foi encarado como tabu. A partir do momento que nos deparamos com esses corpos, nós podemos ver o mundo além das caixas do binarismo que nos foram impostas. Linn constrói um corpo que extrapola limites do que foi definido como masculino e feminino”, destaca.
Claudia Priscilla, diretora, explica que conhceram o trabalho de Linn no ano de 2015 durante uma pesquisa sobre coletivos de arte que se apropriaram das ruas para discutir gênero através de performances ousadas e provocativas. Nesta época, Linn fazia parte do Coletivo Friccional e, a partir desse momento, começaram a acompanhar sua vida através das redes sociais e por meio de encontros ocasionais.
Para a realização do filme, a dupla propos uma criação coletiva, um trabalho horizontal de trocas de ideias e conceitos. “A ideia de convidarmos a Linn para estar ativa criativamente no filme vem da percepção de sua arte que se nutre da sua história de vida, da sua subjetividade. Escrevemos um roteiro que atravessa as bordas do cinema documental, utilizando elementos ficcionais para o filme. Além dos shows, o filme traz “a intimidade” da personagem.
Linn indicou personagens e também lugares para filmagens, que registram encontros da artista com pessoas que compõem sua rede afetiva, além de sua mãe. Sobre a mensagem que buscam passar com o filme, Cláudia cita que a produção audiovisual fala de corpos que não se enquadram na binaridade e na heteronormatividade. Eles esperam que o filme chegue ao público e a toda a sociedade, porque está na hora desses assuntos serem tratados como verdades existências.
“Quando abordamos questões sobre corpos trans não falando mais só sobre um grupo específico, para um gueto. Esse é um assunto que deve ser debatido por toda a sociedade. São esses corpos trans, não binários, travestis, que, ao ocuparem espaços, colocam em dúvida a “naturalização” dos corpos cisgêneros. ‘Bixa Travesty’ é um grito de liberdade contra tudo que oprime, contra tudo que tenta reduzir os entendimentos dos corpos à ideia hetero cisnormativa, contra tudo que violenta os direitos humanos e contra todos que querem calar as diversidades”, pontua Cláudia.
Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, Linn da Quebrada conta que ocupar os espaço hoje é muito importante para que novos imaginários sociais sejam inventados. “E, principalmente, para se inscrever em um novo campo de disputa. Territorial, de linguagem, de narrativa. Dessa forma, eu mesma sou capaz de contar minha própria história. Quando conto sobre esses momentos, eu também falo sobre a história de outras de nós. Levo motivação e impulsionamento para que outras dividam suas próprias histórias também”. Além disso, Linn conta que estar disposta ao erro, ter direito de dúvida, se libertar das certeza e se permitir mudar de ideia e de forma diferente como pensa, foram os grandes aprendizados que teve até o momento presente na sua carreira.
Forte, lutadora e idealizadora, Linn divide sobre seu maior sonho: “Sonho com um momento onde eu vou poder conversar sobre outros assuntos sem que a prioridade seja falar como é ser uma travesti negra dentro destes espaços. Sonho com novos projetos para que eu possa trazer, encontrar e produzir novas soluções”.
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