*Por Rafael Moura
Como ‘Corsários’ João Bosco e Aldir Blanc (1946 – 2020) fizeram muitas gerações encherem o peito e cantar, seja de alegria ou dor. Afinal ‘O Mestre Sala dos Mares’, ‘O Bêbado e o Equilibrista’ e ‘Falso brilhante’ são sucesso da dupla que entrelaçam palavras, poesia, ironia, humor e acordes em perfeita harmonia. Blanc faleceu no início deste mês (4), por conta da Covid-19, encerrando uma das parcerias mais ricas da música brasileira, a primeira pérola deles foi ‘Agnus Sei’, 1981.
“Faces sob o sol, os olhos na cruz
Os heróis do bem prosseguem na brisa na manhã
Vão levar ao reino dos minaretes
A paz na ponta dos arietes
A conversão para os infiéis”
“Quero cantar nossas canções até onde eu tiver forças. Aldir foi um gênio e um homem bom. Não existe João sem Aldir”, conta Bosco logo no início dessa conversa com o site HT. O mestre que transforma poesia em música, confessa estar extremamente abalado, mas a vida segue em frente. Amanhã, sexta-feira (15), chega as plataformas digitais o álbum ‘Abricó-de-Macaco’, pela Som Livre / MP,B Discos. O novo trabalho do cantor, compositor e violonista vem também em DVD, produzido em parceria com o Canal Brasil e dirigido por Fernando Young. Das 16 canções, duas são inéditas, ambas compostas em parceria com o filho, Francisco Bosco. No repertório, canções que, embora regravadas, apresentam-se absolutamente novas, atravessando culturalmente o Brasil de ponta a ponta. Mas há espaço, também, para faixas que unem o blues e o jazz americanos à música brasileira.
“Abricó-de -Macaco é vida, tudo o que existe desde o firmamento ao chão e que eu consigo perceber a cada período dessa minha existência como músico. Se canto para os meus males espantar, também vejo a música como forma de alento, de elevação e também de reação. Afinal, ainda estamos vivos, não é?”, explica o cantor. Há músicas em que João vai só de voz e violão, mas o intérprete-compositor também aparece cercado de músicos com os quais toca há algum tempo: Ricardo Silveira (guitarra), Kiko Freitas (bateria) e Guto Wirtti (contrabaixo). A eles, juntam-se as participações das vozes de Alfredo del Penho, João Cavalcanti, Moyseis Marques e Pedro Miranda, além de Marcelo Caldi (acordeon), Marcello Gonçalves (violão de 7 cordas) e da israelense Anat Cohen (clarinete).
A beleza árvore originária da Amazônia e as composições de Bosco se cruzam trazendo frescor nesse momento em que o mundo vive um grande filme de terror por conta da pandemia por conta do novo coronavírus. “Eu penso que esse momento que estamos vivendo é uma resposta da natureza e do seu ambiente natural. O vírus seria uma arma direcionada ao maior predador dessa natureza, que é o homem. Cientistas do mundo inteiro vêm nos alertando para isso. De tempos em tempos, a natureza envia o seu recado. Agora estamos recebendo um que, espero, nos faça pensar sobre isso. “Abricó-de Macaco” é um fruto tropical fechado, de casca dura, em forma de esfera; ameaçado de extinção, ele sonha a esperança de uma estação vindoura, para enfim abrir-se em flor. O que mais poderíamos desejar?”, reflete.
João nos conta que quando entra no estúdio para registrar um novo trabalho, nunca tem o nome. “As canções, com suas aventuras, narrativas, síncopes, melodias e personagens, vão ditando o sentido e a direção. Aí você poderá vislumbrar algo como uma placa com dizeres apontando para um espaço onde existe um lugar em que essas canções poderão conviver em harmonia. Geralmente, nesses dizeres, consiste o nome do álbum”, frisa.
Nesses tempos que estamos atravessando a música desse menestrel é altamente significativa. O novo trabalho que tem tudo para integrar o hall das grandes obras, afinal essa alegoria, proposta em parceria por João e seu filho Francisco, é uma poesia complexa e repleta de beleza em um Brasil mergulhado em obscurantismos, com sua potência incubada num banzo, de que falam os autores.
As plataformas digitais se tornaram o grande canal de comunicação e entretenimento atualmente e já vem mostrando sinais de grandes transformações. “Tudo que é digital, pra mim, se resume aos dedos das minhas mãos dedilhando o meu violão à procura de novos acordes e melodias – afinal, moro dentro da casca do meu violão. O tempo das plataformas digitais já estava aí antes da pandemia, mas agora ele veio para refestelar-se, acomodar-se confortavelmente ciente da sua necessidade vital nesses momentos difíceis que vivemos. As plataformas digitais se transformaram praticamente no único sistema de comunicação entre as novas gerações”, enfatiza. E completa.”Todos nós necessitamos estar conectados para sabermos uns dos outros. Para isso, a Julia Bosco, que é quem cuida do meu ofício e de tudo que dele decorrer, cuida também dessa parte digital, colocando-me sempre perto de todos”.
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