Imagina estar cantando em um bar e ninguém menos do que Madonna lhe convida para participar de uma apresentação surpresa com ela. Parece impossível, né? Não para João Ventura, que encantou a Rainha do Pop durante uma apresentação no bar Tejo Bar, em Lisboa, em março deste ano. Reconhecido por produzir uma fusão entre a música popular brasileira e a música erudita, como Reginaldo Rossi com o compositor russo Nikolai Rimsky-Korsacov, o pianista de Aracaju (SE) era a escolha perfeita para dividir o palco com a cantora na edição deste ano do Met Gala, que aconteceu nesta segunda-feira, 11, e cujo tema era a dicotomia entre moda e religião. ‘’Ela gostou do tipo de trabalho que eu faço. Acho que ela enxergou essa mistura em mim também e, por isso, me convidou para participar do evento’’, conta
Conhecida pelo perfeccionismo, Madonna não exita em ficar meses e meses ensaiando para uma turnê. No entanto, para essa performance, a situação foi um pouco diferente: só havia uma semana para ir em busca da perfeição. Segundo Ventura, mesmo com um tempo tão curto, a rotina de ensaios foi intensa. ‘’Foi uma, como se chama no Brasil, intervenção de 15 minutos. Então, foi um pouco mais prático do que se fosse o show inteiro. Porém, realmente, é preciso muitos ensaios para que tudo saia do jeito que saiu. É tudo muito bem feito, tudo muito bem organizado’’, diz.
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Assim como para João, a apresentação foi um marco na carreira da intérprete de ”Like a Virgin”. Longe dos palcos por mais de dois anos após o encerramento da turnê do último álbum, intitulado de Rebel Heart, Madonna fez sua volta triunfal durante o evento de moda. Para Ventura, esse foi um dos principais motivos que fez a experiência dele com a cantora ser tão incrível. ‘’Foi uma comoção geral quando ela surgiu vestida de monge e retirou a capa. Foi um momento apoteótico mesmo. Imagina todas aquelas celebridades abrindo a boca daquele jeito bem americanizado do ‘’oh my god’’’’, brinca o jovem.
Apaixonado pela música há mais de 20 anos, o pianista João Ventura cresceu em um ambiente no qual a música era parte da família. O avô, que foi executivo da Philips e da Som Livre, foi responsável pelo lançamento de Jorge Ben Jor e Djavan. Os pais, apesar de nunca terem se tornado profissionais, sempre viram a música como um importante hobby. Esse amor pela música, diz Ventura, foi passado geneticamente, resultando numa relação recíproca entre ele e o piano – seu principal instrumento de trabalho. ‘’Eu tenho a sorte de ter tido um piano em casa desde que nasci. Essa relação com ele sempre foi muito natural. Ninguém nunca me mandou ir tocar. Eu fui até ele e eu continuo com ele ate hoje, né?’’, reflete.
Não basta ser artista. João Ventura também é professor no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) há 10 anos. A união entre a vida acadêmica e artística fez com que o jovem se aprofundasse na história da música erudita e popular. Durante a pesquisa de doutorado em artes musicais, que realiza desde 2015 na Universidade Nova de Lisboa (UNL), Ventura percebeu que não existe delimitação entre os dois estilos e que o seu trabalho como compositor poderia auxiliar na quebra dessa barreira. ‘’Eu sempre ouvi esses puristas da música e da academia dizerem que esses dois tipos de ritmos não se misturam, mas na minha cabeça isso nunca foi algo impossível. Até porque na época que foram compostas, as músicas eruditas eram consideradas populares em certos países, como foi o caso de Chopin na cultura polonesa’’, explica.
E o pianista conseguiu. O resultado da pesquisa foi um trabalho repleto de incríveis e harmônicos pot-pourri entre o clássico e o popular, que recebem o nome de contrapontos, e o nascimento de uma identidade no âmbito musical. ‘’Eu procuro ter uma identidade musical forte, que é baseada na minha verdade e naturalidade muito presente nessa mistura que produzo’’, diz. Um dos principais arranjos originais do jovem, que estão disponíveis em plataformas digitais como youtube e spotify, é a união entre a música ”Insensatez”, de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, e a ”Sonata ao Luar’‘, de Beethoven. A produção fez tanto sucesso que foi responsável por ter chamado a atenção não só de Madonna como também do cantor e violonista brasileiro Toquinho, trazendo assim mais um convite especial para o artista.
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No final do ano de 2017, João foi convidado a dividir o palco com Toquinho em diferentes cidades lusitanas. Um dos shows, inclusive, foi em homenagem ao 50 anos de carreira do intérprete de ‘’Aquarela’’. A parceria deu tão certo que o duo vai trazer o show no dia 15 de setembro para a cidade natal de Ventura, realizando mais um sonho que parecia impossível. ‘’ Poder voltar pra minha terra fazendo um show com Toquinho é uma coisa que eu nunca imaginei nem no meu melhor sonho. É uma prova que o estudo, a determinação e o esforço podem, sem dúvidas, nos levar a algum lugar’’, afirma.
Além desses shows em parceria com Toquinho, João está prestes a lançar dois álbuns: um composto por onze contrapontos e um apenas com músicas autorais. Durante os shows de divulgação desses novos trabalhos, o pianista vai intercalar entre releituras de músicas brasileiras, canções autorais e os famosos contrapontos. O formato do show foi inspirado na percepção que Ventura teve sobre a forma com a qual as pessoas na Europa recebiam o trabalho dele. Logo quando chegou à cidade, o jovem produzia um show com covers de Chico Buarque e Gilberto Gil e recebeu críticas. ’’O show terminava e o português falava ‘a apresentação do João é boa, mas se eu quisesse ouvir o Chico eu colocava o disco em casa. Eu vim aqui ouvir as suas composições’’’, relembrou. Diferentemente do Brasil, o público português tem um interesse genuíno em conhecer o artista e para João essa é a maior vantagem da região lusitana. ‘’É muito bacana para o profissional o fato de ter alguém interessado em conhecer a sua história. É o maior presente que um artista pode receber. Não é preciso fazer um show todo autoral, mas é uma sensação ótima saber que você tem liberdade para contar essa história e que as pessoas vão se interessar por ela’’, afirma
A vantagem do cenário musical europeu em comparação às terras tropicais vai muito além da recepção positiva de produções autorais. Apesar de ser referência artística no mundo da música devido à forte miscigenação presente na história brasileira, Brasil sofre hoje um momento delicado na arte. Para João, a falta de espaço para novos nomes padroniza a produção artística do país, transformando a imagem que o mundo sempre teve dela. ‘’Eu sou contra essa monocultura que se instalou de só se ter uma coisa fazendo sucesso, sabe? Eu não sou absolutamente contra a nada disso que está acontecendo no sertanejo, no funk. Eu sou de curtir tudo e as pessoas também gostam do que chega aqui, mas elas sentem faltam de coisas diferentes. Eles se perguntam muito quem são os novos, quem está seguindo a linha do Chico ou do Gil, por exemplo. Isso não tem aparecido muito, eu acho triste’’, lamenta.
Mesmo com volta marcada para as terras nordestinas para 2020, ano no qual encerra o Doutorado em Portugal, esse contexto atual brasileiro influenciou João Ventura, que já tem Itália, Grécia e Suíça carimbadas no currículo musical, a investir ainda mais na carreira internacional. ‘’Eu, com certeza, quero fazer mais o meu nome, continuar tocando, produzindo e me relacionando com várias pessoas a fim de abranger o meu trabalho cada vez mais. As coisas vão expandir muito’’, disse o pianista com um ar de esperança. E não apenas com relação ao sucesso pessoal.
Agradecido, Ventura espera que o seu trabalho consiga abrir portas para outro talentos conterrâneos. ‘’Fico feliz por estar tendo essa oportunidade, mas vou ficar mais ainda eu puder ser um dos pivôs dessa transformação. Nós temos que olhar mais pro brasileiro. Tem muita gente talentosa. Só entrar no youtube que tem muito desconhecido fazendo coisas incríveis’’, conta. Estamos na torcida! Afinal, talento é o que o pianista João Ventura tem de sobra. Madonna e Toquinho que o digam, né?
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