‘O homem ficou na posição de rei durante séculos e, por medo, não aceita dividir o posto com uma rainha’, diz Manaia

A faixa ‘Medo no Escuro’, de Manaia com MC Rebecca, é um grito de alerta pela vida e direitos iguais

*Por Rafael Moura

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública afirma que sete a cada dez vítimas de feminicídio são mortas dentro de casa. Levando em consideração esse período de isolamento social, por conta do novo Coronavírus, o próprio lar não representa total segurança às mulheres. Afinal, as ligações para a Central de Atendimento à Mulher (180) subiram 9% no mês de março. Tendo esses dados em mente e depois de vivenciar experiências machistas, a cantora Manaia se uniu à MC Rebecca para lançar a faixa-denúncia ‘Medo do Escuro’, uma canção para incentivar o grito de muitas mulheres silenciadas durante esse período de quarentena.

Em 2019 foram 3.739 homicídios dolosos de mulheres, uma queda de 14,1% em relação a 2018. Apesar dessa redução, houve um aumento de 7,3% nos casos de feminicídios – crimes de ódio motivados pela condição de gênero. “O homem ficou na posição ‘suprema’ de rei durante séculos e, agora, por ignorância, por preguiça e por medo não aceita dividir o posto com uma rainha”, dispara Manaia.

“O homem ficou no posto de rei por muito tempo e por medo não aceita dividir o posto com uma rainha”

A letra escrita por Manaia, Arthur Marques e King traz uma poética, até muito delicada, que contribui na propagação da mensagem de um assunto importantíssimo. “A leveza foi algo que queríamos desde o princípio. Uma das pautas que conversamos foi de fazer desde uma criança cantar essa música, passando pelos jovens e até os adultos. O jeito que você vê o simbolismo de uma letra varia para cada pessoa. Essa música foi pensada para uma série, mas não queríamos limitar ela para um único assunto. Cada um tem o seu medo e seu jeito de enfrentar, então essa leveza só ajuda ainda mais a trazer o conforto e a esperança que tudo pode melhorar”, explica.

‘Medo do Escuro’ fala da violência doméstica que cresceu 9% em março (Fonte: Central de Atendimento à Mulher)

A faixa traz à tona esse terrível ‘monstro que assombra muitos armários’: a violência doméstica. Em que na maioria dos casos é silenciado por medo e vergonha para preservar casamento e família, por crer na punição do agressor, pela dependência economicamente, etc. “Fazer uma composição pop com uma parceria era uma grande vontade. Eu já estava me encontrando com outros compositores para fazer singles relacionados às minhas histórias e ao empoderamento. Foi quando me apresentaram essa proposta de escrever uma ‘música tema’ para a série ‘Onde está Mariana’, um projeto da Cleo Pires, estrelado pela atriz goiana Caroline Fernandez, para o Instagram, dentro Cleo on demand, que tem como objetivo abordar o feminicídio. Junto com outros compositores como Arthur Marques, King e o produtor DJ Thai, fizemos uma música que pudesse trazer esse tipo de assunto, mas com leveza”, pontua. A canção ganha mais força com o clipe, ambientado em uma casa totalmente destruída. A intenção é ser um grande sopro de esperança em meio a esse caos”, diz Manaia.

Sem entrar em muitos detalhes, a artista nos revela que já teve relacionamentos emocionalmente abusivos, químicos e tóxicos, mas que nunca chegaram à agressão física. “Eu sempre vivi o machismo de perto, já vi casos de pessoas perto de mim que tinham marcas no corpo por causa de supostos ‘tombos'”. Passamos por um momento em as mulheres ganham enorme protagonismo em todos os setores da vida, mas essa luta pela liberdade de expressão e igualdade ainda é longa. “Existe uma grande diferença entre feminismo e femismo. O machismo acredita que nós buscamos o femismo, sendo que queremos direitos iguais”, afirma, acrescentando: “Eu fiz faculdade de desenho industrial e era uma das poucas mulheres no curso. Já escutei muita besteira, passei por muita coisa de homem que dificultou meu trabalho ao ponto de dizer: ‘volta pra casa do papai e brinca de boneca’. Cheguei a fazer projetos sobre a Barbie só para mostrar como eu fiquei ofendida. Com o tempo obtive o respeito e fiz parte da turma dos melhores alunos. No final mostrei que mulher e homem têm de ter direito às mesmas oportunidades”.

A música é um grande alto falante para as mulheres que ainda são silenciadas pelo machismo

Para essa pós-quarentena, a cantora revela que tem muitos planos. Um deles é mostrar seu trabalho cada vez mais e tirar o nó da garganta de muitas mulheres que ainda se sentem oprimidas. “Eu lancei o álbum ‘Na Borda‘ (2019) que tem uma pegada mais alternativa, mas esse ano estou vindo quente de pop, mas óbvio sem tirar algumas manias de rock. Mostrei uma Manaia antes ‘perdida e se encontrando’, e, agora, uma que ‘está voando e se encontrou’. Os singles ‘Joga Mais‘, ‘Corações Partidos‘, ‘Mandando Ver‘, poderão mostrar essa minha nova versão. As faixas já estão em diferentes estágios de produção, visto que a quarentena deu uma pausa na sociedade. Alguns faltam gravar voz, outros finalizar a masterizar, mexer um pouco mais. Estou ansiosa para lançar em breve”, avisa.

Por conta da quarentena a cantora Manaia teve que adiar a produção e lançamento de vários singles