*Por Brunna Condini
Bem mais que uma batida envolvente. Há dois anos, um Projeto de Lei reconheceu o funk como manifestação popular cultural digna do cuidado e proteção do Poder Público. Mas o fato é, que para os artistas que produzem o ritmo, isso já não era sem tempo. A luta sempre foi para que o Estado reconhecesse todas as formas de manifestações culturais e as incentivasse, tirando o preconceito da frente, e deixando de criminalizá-lo ou diminuí-lo.
Esse desejo se mantém presente no trabalho de um dos mais “bombados” representantes do ritmo no momento, FP do Trem Bala, dono do hit “Vamos pra Gaiola’, com o cantor Kevin O Chris. E foi durante a pandemia que o funkeiro colocou a mensagem como foco em seu som. Com a quarentena e os bailes suspensos, ele lança até o final deste mês, seu novo EP, “Brotei – Da Favela Pro Mundo”, que também conta com a primeira parte de um documentário homônimo sobre a vida do artista, lançado em agosto.
Em ‘Brotei’, FP transita pelo funk, o rap e o trap nas seis faixas que levam inspiração e esperança para jovens negros da periferia do país. “É um projeto muito especial que nasceu de uns pensamentos que eu tive sobre minha história de vida e artística. Estou botando muita fé e amor nesse trampo, creio que muitos irmãos vão se identificar com as letras, com os clipes que estão demais!”.
Aos 23 anos, o artista que popularizou o funk 150 bpm (com batida acelerada) do baile da favela Nova Holanda, em Manguinhos, bairro da Zona Norte do Rio, segue na onda do funk consciente e mostra que continua antenado às sonoridades da cidade, fazendo referência até ao samba carioca. No trabalho novo, destaque para a letra de “Todo de N1k€”, uma parceria com CH, em que a ostentação é colocada no lugar de crônica sobre sua conquistas pessoais: “tô pisando fofo / quem me olha assim acha que eu não passei sufoco / mas quem vem da rua sabe que o bagulho é doido”. É nessa vibe, que FP do Trem Bala ou Luiz Felipe Pereira, fala com exclusividade ao site sobre a criação do novo projeto e seus significados, e também sobre a estrada até aqui e o futuro.
Como esse novo trabalho te transformou? “Na real, esse trabalho já é a transformação. Eu quis reunir minhas vivências pessoais, minha carreira na música, experiências de ser um jovem preto, pobre e favelado, aprender com tudo e colocar para fora, espalhar pro mundão de alguma forma. Acho que tem muita gente comigo nessa. Meu EP e o documentário são trabalhos que antes mesmo de estarem na pista já eram uma transformação. Um revolução na minha vida por ser a minha história real, saca?”.
O baiano que chegou no Rio aos 14 anos deseja desde sempre, além de refletir a realidade da periferia, apontar para uma saída de paz e união dentro das comunidades. Com a pandemia, que realidade vê na periferia hoje? “De injustiça total, mano. Várias pessoas que já viviam do pouco, tá ligado, agora estão vivendo com quase nada. E ainda vivem no meio de operação, guerra nas favelas, é tudo muito injusto com esse povo que trabalha pra tentar sobreviver”, desabafa ele, que mora em Niterói, mas já viveu na comunidade de Rio das Pedras quando chegou com a família na cidade.
O que o baiano tem?
De cara já dá para identificar que tem borogodó, muita criatividade e determinação. Tanto que quando veio de Ilhéus, na Bahia, com a mãe, FP já tinha como meta proporcionar uma vida melhor para a família. “Minha irmã já morava aqui, eu e minha mãe viemos depois. Minha mãe era professora em Ilhéus. Quando a gente chegou no Rio, ela não conseguiu nada na área dela e foi trabalhar para sustentar a gente com salário de empregada doméstica. Foi osso!”, recorda. “Mas quando cheguei por aqui, eu posso dizer que o mais me surpreendeu foi a vida social das pessoas. Aqui a galera não para. Na favela onde eu fui morar, Rio das Pedras, é agito o dia e a noite toda. É só tu procurar que tu acha!”.
Quando percebeu que a música poderia transformar a sua vida? “Quando meu set bombou no meu primeiro canal do Youtube, que foi quando a galera reconheceu o 150 b.p.m. como uma parada maneira pra embrazar, só que na época, eu não chamava assim, né? Eu chamava de “Ritmo Louco”. Foi aí que comecei a fazer shows e me apresentar para mais pessoas. O dinheirinho começou a cair na conta e a minha realidade mudou. Me orgulho de ter conquistado com o meu trabalho melhoria de vida para a minha família. Deixar minha mãe, minha irmã, filha, geral mesmo fortão, dá o maior orgulho e vontade de continuar”.
O “Trem Bala” do nome artístico tem a ver com a batida acelerada, mas bem que poderia ter a ver com a força que o artista coloca no trabalho para que as coisas aconteçam. No entanto, FP também sabe a hora de desacelerar ou melhor, de olhar por outro ângulo e se reinventar, como agora na pandemia. “Tô repensando tudo, mano. No que a minha carreira se transformou até aqui, nos lançamentos futuros, onde eu quero chegar… E o que vai ser da gente pós essa quarentena”, divide.
Seguido por artistas como Anitta, Djonga, Matue e Ludmilla entre outros, ele que um dia também sonhou em ser jogador de futebol, aproveita para mandar um recado para os que “torcem o nariz” para o funk, até por apontar uma erotização exagerada em muitas de suas letras: “Acho que eles têm que ouvir o novo EP consciente do FP do Trem Bala! (risos). Mas falando sério agora, ia dizer para relaxarem e olharem ao redor para perceberem que a erotização também pode estar na novela, nos filmes, nos grupos de whatsapp… e o funk é cultural e muito rico, tem erotização, mas também tem mensagem, tem ostentação, tem de tudo! Dança e escuta quem se identifica, e pelo sucesso que faz, todo mundo se identifica! É natural do ser humano falar de sexo”.
E finaliza, mandando um papo reto: “Tenho sonhos infinitos. Quero conquistar o mundo!”
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