Maior bloco da Zona Norte do Rio, o Timoneiros da Viola, que sacode Oswaldo Cruz e Madureira desde 2012, ano em fora fundado, voltará às ruas em 2019. Após a ausência neste 2018 por falta de apoio financeiro, o idealizador do projeto, Vagner Fernandes, promete retomar a festa no próximo carnaval, independentemente de patrocínio oficial. Em conversa com o site HT, Fernandes falou sobre a expectativa para 2019, a mercantilização da folia e o seu amor pelo carnaval e o samba.
A proposta de fundação do Timoneiros da Viola surgiu em 2011, quando um grupo formado por profissionais liberais decidiu criar uma agremiação destinada ao resgate e à preservação da memória do samba e do choro. O insight se deu durante a passagem de um bloco na Zona Oeste do Rio, mais precisamente em Bangu, onde foliões concentrados no Largo da Igreja Santa Cecília cantavam em coro “Foi um rio que passou em minha vida”, uma das mais emblemáticas criações de Paulinho da Viola. A catarse coletiva promovida pela execução do samba acabaria se convertendo em ponto de partida para que, ao final daquele ano, a turma desenhasse um projeto, com atuação no subúrbio, para celebrar ícones do maior e mais popular gênero musical do Brasil, tendo a obra de Paulinho da Viola como fio condutor.
“Fui pessoalmente contar ao Paulinho sobre a ideia. Inicialmente, pretendíamos criar um bloco no qual se executasse somente músicas dele. Mas, grandioso como sempre, Paulinho sugeriu que deveríamos resgatar e reverenciar também grandes compositores, como Cartola, Candeia, Nelson Cavaquinho, Dona Ivone Lara, Bide, Marçal, Donga, João da Baiana, entre outros. O Timoneiros, portanto, surgiu intencionando constituir-se em um elo de ligação entre gerações”, destaca Fernandes.
Após seis anos de atuação e grande sucesso, o Timoneiros da Viola, contemplado com o Prêmio Serpentina de Ouro de Melhor Bloco de Rua logo no ano de estreia, viu-se obrigado a mergulhar em um afastamento involuntário por falta de recursos. O que, à primeira vista, pode causar estranheza em decorrência do tamanho e da repercussão do bloco, é facilmente compreendido com as explicações detalhadas de Fernandes: “O Timoneiros tem por princípio não ser partícipe, em hipótese alguma, de qualquer processo de mercantilização do carnaval. A gente não faz show e não grava CD. Não queremos nada disso. É opção. Somos um projeto experiencial, não desejamos nos transformar num bloco-espetáculo. Nosso objetivo é dialogar com territórios da periferia, ocupar as ruas do subúrbio. O dinheiro não pode ser mais relevante do que o propósito. Todos os que nos apoiam o fazem cientes do que pretendemos representar”, destaca.
Fernandes pontua que, neste sentido, os empecilhos na captação de recursos estão diretamente associados ao fato de o bloco estar localizado em uma região fora do eixo Centro-Zona Sul. “As empresas priorizam estabelecer parcerias e patrocinar blocos concentrados na região central e nas orlas da cidade por mero interesse midiático. Há uma tendência dos veículos de comunicação em fazer a cobertura do que acontece nessas regiões. E isso tem relação com os desfiles no Sambódromo e com os investimentos da indústria hoteleira”, avalia. “É doloroso ver um projeto como o Timoneiros sem apoio oficial. Eu brinco dizendo que o forçado ano sabático que vivemos foi fundamental para que compreendêssemos a importância de sermos resilientes. O Timoneiros tornou-se fundamental pela proposta que apresenta. É um bloco de resistência. O carnaval do subúrbio está morrendo. E não podemos permitir que o sepultem ainda vivo”.
Para Fernandes, a hostilização à festa como manifestação cultural vincula-se ao comprometimento dos organizadores com a lógica do mercado. “O carnaval hoje não se dá numa perspectiva de aproximação das massas populares. Tornou-se um produto voltado para a transmissão televisiva e o impulsionamento de vendas da indústria cervejeira. Obviamente não é nocivo ter um evento que injete centenas de milhões na economia da cidade e do Estado. Nocivo é quando fazem disso o ponto de partida para a conversão da mais importante manifestação cultural do país em simples e mero entretenimento. O carnaval é muito mais do que isso”, garante ele, defendendo cada vez mais a retomada da participação popular nos desfiles da Sapucaí e dos blocos de rua no processo de afirmação identitária da cidade.
O retorno do Timoneiros, prometido para o carnaval de 2019, insere-se neste contexto. É um ato de resistência, de amor e de devoção à festa. Apesar de ainda não ter conseguido apoio privado, o idealizador afirma que o bloco sairá de qualquer forma. “Com ou sem apoio, nós vamos para a rua. A nossa resistência é o que nos move, é o que nos deixa de pé”, desabafou ele, que recorrerá ao financiamento coletivo a partir da primeira semana de dezembro. Em 2019, o Timoneiros terá como grande homenageado o trio fundador da Portela, formado por Paulo da Portela, Antônio Caetano e Antônio Rufino, demonstrando mais uma vez o compromisso do projeto com a preservação da memória.
Eterno apaixonado pelo samba, pelo carnaval e por personagens a esses associados, Vagner Fernandes não esconde a influência que tanto um quanto o outro exerce em sua vida. “Todos sabem que nutro um amor intenso pelo maior gênero musical do país e pela folia. Assim como tenho uma idolatria (sã) por Paulinho da Viola, Clara Nunes e Cartola. Eles fazem parte do que costumo chamar de “Minha Santíssima Trindade”. São sopros de esperança neste Brasil devastado pela brutalidade, indiferença e ignorância. Parafraseando Paulinho em “Sinal fechado”, nós não nos permitiremos sumir na poeira das ruas”, conclui.
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