“Tudo o que me propunham eram fórmulas que davam certo, e eu não gosto de fazer nada à toa. Sempre aposto em algo inusitado”. É assim que Fafá de Belém conta ao Site HT que resolveu mudar os rumos da carreira e investir em uma sonoridade jovem e que honra suas raízes culturais no novo disco “Do tamanho certo para o meu sorriso”, seu primeiro de inéditas em sete anos, lançado pelo selo Joia Moderna. Com composições que vão de Johnny Hooker a Zeca Baleiro, o álbum chega às plataformas digitais no próximo dia 20 e não deixa dúvidas: hoje, Fafá está tão disposta a continuar quebrando barreiras quanto estava aos 17 anos, quando desembarcou no Rio pronta para abraçar seu destino como uma das maiores vozes desse país.
A trajetória de Fafá de Belém no cenário nacional é peculiar: a carreira de cantora a encontrou ao acaso – algo que seria, mais cedo ou mais tarde, inevitável – e, em questão de anos, ela já era considerada uma das grandes vozes da MPB, algo que ficou claro desde que estourou com “Menino da Bahia”, na trilha sonora de “Gabriela”, em 1975. De lá para cá, ela se tornou a musa do movimento político das “Diretas Já”, misturou o erudito com o popular, chocou a crítica ao gravar com Chitãozinho e Xororó, depois voltou com um repertório todo de músicas assinadas por Chico Buarque, se apresentou para três Papas diferentes, vendeu milhões de discos, percorreu o mundo, ganhou inúmeros prêmios, participou de novelas e filmes, manteve um público cativo na Europa e nunca sequer cogitou parar de cantar, com uma agenda lotada até os dias de hoje. Um meteoro fenomenal que teve um impacto de dimensões imensuráveis.
Mas essa é Fafá de Belém que, mesmo depois de ter conquistado tudo isso, continua humilde, fiel às suas raízes e dona de uma das gargalhadas mais contagiantes do mundo. É esse lado, o da Fafá humana, dançante, sensual e brasileiríssima que ela mostra em “Do tamanho certo para o meu sorriso”. “Claro que existe uma expectativa das pessoas em torno dessa comemoração dos meus 40 anos de carreira, mas esse álbum tem uma verdade tão grande, é tão parecido comigo. Acredito que eu vá mais do que frustrar expectativas levar um novo olhar sobre mim e sobre a minha carreira. Eu já estava na zona de conforto, trabalhando muito. Mas, eu nunca aproveitei tendências ou oportunidades, sempre fiz o que me deu felicidade”, conta.
Parece inacreditável, mas com a ajuda de Zé Pedro (DJ e produtor musical, dono do selo Joia Moderna), Manoel e Felipe Cordeiro (pai e filho que assinam as guitarras e instrumentais do projeto), Fafá gravou esse disco em menos de uma semana, cantando para um laptop na sala de sua casa, enquanto parava ocasionalmente para comer macarrão com os colaboradores. “Ela já tinha tudo pronto na cabeça e eu sabia o que ela queria. Só faltava entender como um artista se lança nos dias de hoje. A partir do momento que ela descobriu que era possível gravar em casa, sem um grande orçamento, as coisas mudaram. E acho que agora ela não para mais”, conta Zé Pedro ao HT, frisando que o trabalho une tradição e modernidade.
Fafá explica que há cerca de dois anos começou a pensar no formato para um álbum que lhe interessasse. “Ouvi ‘Meu coração é brega’ e ela me tocou de uma forma leve, apaixonada e falou com a minha herança e a minha natureza amazônica. Então comecei a procurar por autores de Belém. Nunca havia pensado no Zé, porque sempre o vejo com projetos próprios, então sugeri fazermos um disco de remix e ele quase morreu quando eu disse”, conta a cantora, rindo. “As minhas referências estão todas ali, de uma forma moderna e contemporânea”, comenta sobre o resultado final do álbum.
Fafá de Belém – “Volta” (do disco “Do tamanho certo para o meu sorriso”)
Não é apenas o disco que marca essa comemoração de quatro décadas: um espetáculo também está sendo montado, com direção criativa de Paulo Borges, idealizador da São Paulo Fashion Week e o mesmo por trás do show “Rainha dos Raios”, de Alice Caymmi. “Pensamos em montar uma turnê e eu disse ‘Ok, eu faço, mas contanto que não seja como todas as outras que vejo por aí. A única coisa que me chamou a atenção atualmente foi o show da Alice Caymmi, aí o Zé [Pedro] sugeriu o Paulo [Borges]. ‘Aquele da Fashion Week, meu Deus? Deve ser um cara chato…’, eu pensei. E então conheci alguém sensacional, que me ajudou a montar um show incrível, entendendo o que se passa na minha cabeça nesse momento”, explica Fafá.
Sem poder revelar muitos detalhes, Fafá comenta que o espetáculo passeará pela sua história, suas referências e, claro o Pará. “Eu não falei nada. Ele perguntou o seguinte: ‘Você quer fazer mais um show, ou você está disposta a se jogar?’. Disse: ‘Estou disposta a me jogar sem rede de segurança’. Se eu não tiver o frio na barriga, fico em casa enlouquecendo os outros”, contou gargalhando, provando mais uma vez sua coragem de inovar. E que inovação! A cantora também passou por uma repaginada total no look, do cabelo à maquiagem e ao figurino by Apartamento 03, em nova versão totalmente fashion.
Ao longo desses 40 anos, muita coisa mudou em Fafá de Belém, mas o essencial permaneceu. Quando perguntada sobre como a menina de 17 anos recém-chegada ao Rio reagiria ao se deparar com a cantora de sucesso que fala com HT ao telefone, ela para, pensa e comenta, se emocionando:”‘Eu não acredito!’. Eu olho para trás, meu Deus, e não acredito. Tenho muito orgulho do que construí na minha carreira. Nunca fiz nada simplesmente para vender. Hoje, vejo que tudo valeu a pena, inclusive as portas que se fecharam. Inclusive, os momentos em que eu dava gargalhadas em uma sala, tentando entender o que era aquilo que estava acontecendo ao meu redor, extremamente nervosa. Aquilo também valeu a pena”, desabafa.
Recentemente, pediram para Fafá contar o que vê quando olha a capa do disco “Água”, o segundo de sua carreira, lançado em 1977. Com a voz embargada, ela se emociona novamente ao lembrar o episódio: “Essa menina sentada à beira d’água é a que eu não perco de vista. É ela que faz os caminhos do meu coração e fico muito feliz e orgulhosa de ver essa menina em tudo. Uma menina alegre, sapeca, à flor da pele. Ela continua comigo, com seu batom vermelho e sua saia estampada”.
Quem entrevista ou simplesmente conversa com Fafá de Belém encontra uma artista assim: sem filtros e sem amarras, que não tem medo de se abrir com as pessoas e mostrar o que pensa. “Nunca fui comportada! Sofri bullying desde a nascença, porque sou politicamente incorreta. E a vida foi seguindo assim, com meu jeito muito franco e minha espontaneidade, que abriu e fechou portas na mesma proporção”, conta. “Mesmo assim, construí uma história verdadeira, que inspira confiança. Para mim, esse é o meu grande diferencial, o que me deixa emocionada. E que me dá a certeza de não fazer nada se eu não quiser. Só de chegar aos 59 anos com essa mesma atitude espontânea, eu fico feliz”.
É impossível conversar com Fafá de Belém e não ouvir uma opinião bem formulada e sensata sobre os rumos do governo nacional e a política. Afinal, a musa das “Diretas já” sempre estará ligada ao assunto, pessoal e publicamente. Em setembro do ano passado, em meio ao fervo dos debates para as eleições presidenciais, a artista frisou com HT a importância do voto consciente e da análise da trajetória dos candidatos. Hoje, em meio à onda de protestos, ela analisa mais uma vez o panorama atual: “Vejo uma crise política de desentendimento do Planalto com as ruas, uma relação onde sempre houve distância, mas nunca foi tão grande essa falta de diálogo e essa tentativa de tradução equivocada. Somos apenas um país que reinvidica os nossos direitos”, opina.
Fafá de Belém canta “Menestrel das Alagoas” durante manifestações pelas “Diretas Já”, em 1984
E, para ela, a raiz do problema não está na figura da Presidente. “A Dilma é apenas metade do caminho. Não tenho nada contra ela. Existe essa crise em cima dela que está tomando proporções desmedidas. Não foi ela quem conduziu os rumos do país por 14 anos, e não foi ela quem escreveu que tínhamos de criar uma crise entre empresários e pessoas simples. Precisamos rever todas as medidas que foram colocadas, que não são apenas do PT, são uma conjuntura política que foi feita. O momento é de repensar todos os setores, de focar no Brasil e não no bolso. Querendo ou não, quem está no Congresso foi eleito pelo povo. O país é maior do que qualquer crise”.
O show de “Do tamanho certo para o meu sorriso” estreia no próximo dia 25, no Teatro Itália, em São Paulo. “Claro que vou entrar em pânico, como já entrei há duas semanas”, conta a artista, que antes disso estava com a agenda lotada de shows em Portugal. E assim ela continua na carreira: com a mesma empolgação e o mesmo frescor de quando começou, há 40 anos.
Fafá de Belém canta “Meu coração é brega”
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