No cinema ao lado de Cauã Reymond, Ney Matogrosso fala da relação com as telonas, futuro na música e eleições em 2018: “É a panela ou a brasa”


Como ator, ele está no elenco de “Não Devore Meu Coração”, de Felipe Bragança, que estreou na quinta-feira, 23. No filme, ele interpreta Mago, um personagem que lhe tirou a motivação inicial para aceitar o convite. “O Felipe tinha me falado que eu seria o capanga do Cauã. Aí eu fiquei todo animado”

Homenageado pelo Prêmio da Música Brasileira deste ano, ícone da cultura nacional e gênio das artes, Ney Matogrosso é vários. Em camadas, possibilidades e talentos, ele se desdobra e ilustra o significado mais rico de ser artista. Nos palcos, ele é um clássico. Nos cinemas, um aventureiro talentoso, que conquistou mais um feito, desta vez, sob direção de Felipe Bragança. Nessa quinta-feira, estreou “Não Devore Meu Coração”, novo trabalho para as telonas de Ney Matogrosso. No longa, que tem Cauã Reymond como motoqueiro misterioso e perigoso, ele interpreta Mago. “O Felipe tinha me falado que eu seria o capanga do Cauã. Aí eu fiquei todo animado. Quando eu cheguei para gravar, ele tinha invertido e o meu personagem passou a ser um cara que levava ele para uma cilada. Mas aí tudo bem, eu fiz”, contou.

Durante algumas semanas, Ney Matogrosso saiu das grandes cidades e foi para a fronteira do Brasil com o Paraguai gravar “Não Devore Meu Coração”. No enredo, o longa aborda a vida no limite entre os países e a Guerra do Paraguai, que até hoje deixa marcas na região. Lá, ele pôs em prática seu ideário da região que guiou a interpretação de Mago. “Ele é um cara ruim. Bandido mesmo. Mas não foi difícil, nada é. Eu acho que é só seguir o que querem da gente, porque o cinema é do diretor. Eu preciso ficar na minha posição e fazer o que querem de mim”, comentou o artista que, mesmo assim, destacou que é um exercício à mais para sua inquietude de costume. “É um trabalho de contenção para mim. No palco a minha interpretação é toda para fora e no cinema eu precisei reduzir tudo”, disse.

Além dos não-atores, grandes nomes das artes brasileiras integram o elenco do filme, como Cauã Reymond e Ney Matogrosso (Foto: AgNews)

E engana-se quem pensa que esta foi a estreia de Ney no cinema. Antes de “Não Devore Meu Coração”, o cantor com pinta de ator já havia participado de outros longas e curtas. Aliás, não foram mais por falta de vontade. “Eu já havia recebido outros convites e recusei porque não era o que eu queria e nem com o que eu me identificava. Mas o cinema é uma arte que me interessa e eu gosto muito. Ao contrário do teatro, que não dá para mim”, afirmou.

Desta experiência nos cinemas, Ney Matogrosso também ganhou um novo colega dentro da cena artística. Companheiros de cenas, ele e Cauã dividiram alguns momentos em um cenário bem descolado do que estão acostumados. Sem luxo, assédio e nem correria, a fronteira do Brasil com o Paraguai foi o plano de fundo ideal para conversas das duas gerações. “Filmar é um processo que demora. Então a gente ficava dentro de um carro a maior parte do tempo e era ali que a gente conversava. E lá não tinha para onde sairmos, a cidade era muito pequena”, contou Ney que, como programação extra-filme, ia ao rio caminhando com Cauã.

Porém, mesmo com a experiência nas telonas e os bons momentos como parte do elenco do novo filme de Felipe Bragança, Ney Matogrosso segue firma na música – para alegria da arte nacional. Em breve, o cantor se despede de sua atual turnê e passa a se dedicar ao novo projeto. “Não fiz nada até agora. No momento estou decidido a terminar “Atento aos Sinais”. Em fevereiro, eu completo cinco anos de turnê e vou encerrar esse ciclo. Eu nunca trabalhei tanto tempo em um mesmo show. É um recorde para mim”, comentou Ney que sobre o próximo show contou que ainda está aberto. “Eu já tenho um repertório bem adiantado, mas ainda não está fechado”, destacou.

Em fevereiro, Ney Matogrosso encerra a turnê de cinco anos de “Atento aos Sinais” (Foto: AgNews)

O que falta? Nada em específico, segundo ele. “Eu não tenho ele claramente. É só um esboço grande que passa da medida. Quando eu for fazer de fato, aí penso em qual rumo quero dar. Porém, o tempo todo ciente de que não estou preocupado em lançar nada inédito. Mas também não estou fechado a isso. Vou cantar apenas o que eu gostar. Se tiver música inédita será por acaso. Não é o meu foco”, reforçou Ney que, com certeza, só apontou a liberdade de possibilidades. “O que eu estou fazendo é muito descolado de tudo. Em “Atento aos Sinais” eu tinha um foco de querer falar o que estava ocorrendo naquele momento. O próximo não tem nada disso. Eu nem quero, aliás”, disse.

Por falar nisso, querer sempre foi um verbo que ditou a carreira de Ney Matogrosso. Em toda a carreira, suas vontades guiaram suas atitudes. “Eu nunca fui de seguir nada. Por isso passei por seis gravadoras para não ter que obedecer ninguém. Mas não me arrependo, não. Faço só o que eu gosto e pronto. Não vou viver submetido”, afirmou Ney Matogrosso que mantem esta postura no Instagram, onde vem se descobrindo há um tempo. A rede social, como nos contou, é a única que possui no mundo virtual e foi criada como consequência de sua relação intima com as fotos. Mas ele destaca: não passa disso. “Eu não quero conversar. Quando começam a me mandar mensagens, eu sou muito lacônico. O que eu gosto é de fotografar e, como eu recebo muitas fotos de show, achei uma possibilidade”, pontuou.

Por fim, a conversa que não tem espaço na internet ganhou os argumentos de Ney Matogrosso quando o assunto foi mais direto: PEC 181. Nos últimos dias, os discursos contra a emenda que visa transformar em crime o aborto em caso de estupro ganharam as ruas do país. Em relação a isto, Ney não fugiu e se posicionou contra a PEC. “Como é que pode uma mulher ser estuprada e não poder querer fazer o aborto? Que cabeça é essa? É um pensamento absurdo. Não dá para entender quem são as pessoas que pensam esse tipo de coisa. Gente assim não pode estar dentro de um governo conduzindo um país”, analisou o cantor que iluminou outro ponto do argumento. “É uma coisa louca porque ninguém imagina que uma mulher goste de fazer um aborto. Ninguém faz isso por prazer”, completou Ney que, neste clima de insatisfação, também comentou as expectativas para as eleições no ano que vem. “É a panela ou a brasa. Mas vamos ver. Tudo muda muito rapidamente. Pode ser que até lá a gente tenha novidades”, sintetizou sem se alongar.