*Por Fernanda Quevedo
“Esse é o retorno do cretino, dos clássicos, hits, hinos e o bolso cheio de pino”. É com esta rima que Gustavo Ribeiro, conhecido e aclamado por público de gerações diversas, Black Alien, deu o start do show no palco da realeza do rap, Circo Voador. A música “Área 51”, que deu início à performance, também é a de abertura do seu mais novo trabalho, “Abaixo de Zero, Hello Hell” (2019, Extrapunk Extrafunk), lançado depois de um hiato de três anos. Os desafios da sobriedade, a espiritualidade, os desabafos sociais e políticos e, é claro, as love songs dão o tom deste, que já pode ser considerado um verdadeiro clássico não só da carreira do artista, mas também do rap, que a cada geração se reinventa e abraça a diversidade em seus mais variados formatos.
A sobriedade conquistada desde 2014, é só um dos pontos fortes das novas rimas, tanto que ela é exaltada em diversas faixas do disco. Durante o show, a sensação era que de que o público que lotou o Circo, vibrava com vitória do artista em relação às drogas, e se solidariza também, já que Gustavo não faz questão de esconder nas letras que a superação do vício é extremamente complexa. “Nada do que lançaram este ano é tão incrível e espetacular como esse disco”, declarou um fã nas redes sociais. Não é para menos, já que os ingressos se esgotaram quase um mês antes do show.
“Mostre-me um homem são e eu o curarei
You’re runnin and you’re runnin’ and you’re runnin’ away
Não posso correr de mim mesmo eu sei, nunca mais é tempo demais
baby, o tempo é rei
Em febre constante e o dom da cura nem mais um instante sem o som e a fúria
Não posso correr de mim mesmo eu sei nunca mais é tempo demais
baby, o tempo é rei”
Revigorado depois de uma tour na Europa (ele retornou dois dias antes do show) e visivelmente entusiasmado com a eletricidade dos fãs, que praticamente em todas as músicas entoavam coros, Black Alien não trocou muitas ideias no palco. “Só posso mesmo é agradecer a tudo isso”, disparou em alguns momentos durante o espetáculo. No seu perfil oficial no Instagram, ele ressaltou: “Sem palavras por essa noite inesquecível, família!” O seu eu lírico – romântico e libertino ao mesmo tempo – também foi ponto marcante da apresentação. As músicas “Vai Baby” e “Au Revoir” falam de relacionamentos e incertezas, em meio ao que Gustavo considera um caos: o estado de sobriedade. Em outros momentos, ele já chegou a declarar que não se sente um santo por ter parado de usar drogas, mas que o rompimento foi uma questão sobrevivência. “É que meu fígado não concordou com meu estilo de vida”, afirma Black Alien na música “Take Ten”.
Se em outros momentos do rapper a apologia às drogas fez parte das suas expressões artísticas, como nos tempos em que foi integrante do Planet Hemp, hoje ele prefere destacar o prazer pela vida, como neste trecho em “Carta para Amy”. Na música ele também faz referência à genialidade de Kurt Cobain e Nina Simone.
“Quando legalizarem a planta, qual vai ser o seu assunto? Cara chato
Habito as fronteiras da travessia do espelho, point of no return
No confinamento as paredes são minhas páginas de cimento, babylon burn
Jurei por Deus que ia acertar as contas,
e aí lembrei que é Deus quem acerta as contas
Ele acerta no início, no meio, e no fim das contas
Quem somos nós nesse mundo complicado?
Danger zone, sou só mais um
Sente o som e o peso da pata do pirata sem garrafa de rum”
Um dos pontos mais lindos do show foi o coro com o nome de Gustavo, quando ele cantou “Aniversário de Sobriedade”. Esta é sem dúvida uma das músicas que simbolizam este momento da carreira do compositor, já que ele fala de clínica de dependência em que ficou internado durante um período. Na sequência do coro, ele mandou nada menos do que o clássico “Babylon By Gus”, do CD Babylon by Gus – Vol. I – O Ano do Macaco, lançado em 2004, levando todos, literalmente, ao delírio. Outras das antigas que emocionaram foram “Contexto” do Planet Hemp, “Umaextrapunkprumextrafunk” e romântica “Como eu te quero”. O show ficou completo com todas as 12 faixas do disco. Neon, inclusive na roupa do rapper e toda a produção artística deixaram o Circo Voador ainda mais majestoso.
“Nas dependências da clínica de dependência química
Me deixa quieto aqui na minha, cara
Nas dependências da clínica de dependência química
Dependência é muita treta, reclamar com quem
Vira o centro do rolé, diversão que encarece o kit
Whisky, pó, cigarro, ‘mulé’ e um carro pra Nikity
Tão elevado, complexo de Nietzsche
Tá ligado, eu tô ligado sem nexo no beat
É um crime jogar meu tempo fora aqui suando creme
Jogo tudo fora ou me jogo da Pedra do Leme”
(Trecho de “Aniversário de Sobriedade”)
Toda essa genialidade musical em composição ganhou uma parceria de peso na produção. Quem assina “Abaixo de Zero: Hello Hell” com Black Alien é o produtor musical Tiago da Cal Alves, conhecido como Papatinho. Ele é um dos mais cobiçados do mercado, não só pela parceria recente com Gustavo, mas também por assinar hits como “Onda Diferente” de Anitta. Antes disso, ele estourou no universo musical com o ConeCrew Diretoria, grupo de rap criado em 2006, que bombou nas rádios de todos os cantos do país com “Chama os Mulekes” e “Rainha da Pista”, graças a sua versatilidade entre o funk e o pop, e no caso de Gustavo, com o rap. No Rio de Janeiro, o público pode esperar ainda mais shows do Black Alien no próximo mês.
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