Mais do que uma foto estampada em uma grande avenida! O trio Não Recomendados, manifesto composto pelos cantores Caio Prado, Daniel Chaudon e Diego Moraes, está dando o que falar no underground da nossa música popular brasileira. Os meninos, que recentemente dividiram o palco com ninguém menos do que o cantor Ney Matogrosso, são artistas que, de certo modo, não se intimidam ao expor suas convicções pelos palcos onde pisam. No show homônimo, o coletivo tenta quebrar preconceitos de gênero e dar voz a uma fatia marginalizada da sociedade ao se apresentar travestido de mulher, no melhor estilo crossdresser. É babado, confusão e gritaria. Em entrevista exclusiva ao HT, o trio explica o motivo que o levou a dar a cara à tapa em busca dessa liberdade total de expressão.
“Sou negro, gay e pobre e é importante fazer da música uma potência ativa buscando reflexões e superação de paradigmas da nossa sociedade machista, racista e homofóbica. Diego e Daniel compartilham desse conceito pelo não preconceito. Suas experiências de vida real fortalecem esse grito contra as forças maniqueístas que nos permeiam. Nossas referências passam por Secos e Molhados, Tropicália, Dzi Croquetes, tudo que há de transgressor, amor e sem tabu na nossa cultura brasileira”, afirmou Caio Prado. “Essa força poderosa da mensagem da canção e do manifesto nos fez. As nossas mulheres vieram em seguida, nos carnavais. Daí decidimos fazer um show desse encontro, montar um repertório que tivesse a ver conosco, com nossos jeitos, no qual passeamos por canções autorais, Chico Buarque, Gilberto Gil, axé music e pagode dos anos 90… É sempre uma festa imprevisível. E, acima de tudo, uma ode ao amor e à liberdade”, completou Daniel Chaudon. “É muito louco, porque precisa de muita coragem pra cantar isso, assim. E fizemos isso juntos, abrindo as vozes formando uma só por todos os cantos. Esse hino (‘Não Recomendado’, música composta por Caio, que deu nome ao grupo) nos justificou e nos explica e por isso creio que estamos juntos”, revelou Diego Moraes.
Novidade ou não no mercado cultural, os Não Recomendados usam a sua arte para provocar a plateia a fazer refletir sobre questões de gênero e a integração dos oprimidos. De acordo com uma pesquisa encomendada pelo Grupo Gay da Bahia, mais antiga associação de defesa dos direitos humanos dos homossexuais, uma pessoa foi morta em 2015 a cada 26 horas, vítima de crime de homofobia no Brasil. “Os casos de ódio a homossexuais são cada vez mais frequentes. E os discursos naturalizados. Nossa missão enquanto artistas é promover a discussão e transmitir esclarecimento para as cabeças ignorantes e arrogantes que vemos por aí”, avaliou Caio. “Acho que me considero crossdresser, não sei ainda… aos três ou quatro anos de idade já dava show na garagem dos meus pais usando um amassador de alho como microfone e as sainhas das minhas irmãs, rebolando pra lá e pra cá com meus amiguinhos da rua, que ficavam assistindo com as carinhas fincadas no portão”, recordou Diego. “Pretendemos espalhar mais amor, confiança em si mesmo e respeito. E com humor e tolerância. Abrir pautas para conversas, diálogos, fazer as pessoas se questionarem sobre os seus próprios preconceitos”, ressaltou Daniel.
Olhando bem para o rosto desses três rapazes pode ser que você tenha se questionado sobre o fato de já tê-los visto em algum lugar. Pois bem, isso porque os meninos já participaram de famosos reality shows musicais da televisão. Daniel Chaudon foi participante do Fama, em 2004, na Rede Globo, enquanto Caio Prado e Diego Moraes foram concorrentes no Ídolos, do SBT, em 2009. “Foi uma experiência maravilhosa e pude conhecer o grande público e entendê-lo mais profundamente. Acho até que involuntariamente, sem querer, o nome Não Recomendados pode ser até uma menção ao fato de nenhum de nós termos sido aprovados no reality, destacou Diego. No entanto, Caio já acredita que o formato não se encaixa muito com a cultura brasileira. “Essas fórmulas de reality show musical são importações mal feitas dos programas de fora. Acho que não combina nada com a estética e preciosismo da música brasileira. Acho um grande desserviço”, afirmou.
O grito de alerta da música “Não Recomendado” começa a ganhar forma e se torna um hino contra o preconceito. A canção, lançada no início do ano passado, soma a marca de 10 mil visualizações no YouTube e já foi entoada nas vozes de cantores como Maria Gadú e Lineker, artista que segue a mesma linha andrógena do trio. “Qualquer artista que comunique a liberdade, inclusive sexual, está prestando um enorme serviço para a sociedade, alertando as pessoas que a evolução está aí, acontecendo agora e sempre. Precisamos todos evoluir, jamais retroceder”, ponderou Daniel. “Vestir-se de mulher é um ato de libertação. Na sociedade machista e homofóbicas que vivemos, é fundamental quebrar esteriótipos e impactar o público também visualmente. Incorporamos um cabaré do terceiro milênio no nosso show”, completou Caio. “Como a onda conservadora brasileira anda criando até leis que interferem nos Direitos Humanos como ‘Ser o que se é’, as pessoas acabam vendo o show como político. Mas não considero assim. Eu queria dar um VIP para o (Jair) Bolsonaro e o (Marco) Feliciano pra o show. Quando posto os flyers, perco muitos seguidores nas redes sociais, mas eu acho isso bom e democrático”, ponderou Diego.
Música “Não Recomendado” gravada e composta por Caio Prado
O barulho do grupo já ecoou por tantos lugares que chegou aos ouvidos de Ney Matogrosso. A convite do trio, o cantor não se fez de rogado e aceitou a participação pra lá de especial no show super recomendado. “Eu não conhecia o Ney e eu quase morri quando ouvi a voz dele plena e ao vivo. Ceio que ele tenha aceitado cantar conosco principalmente pelo propósito”, disse Diego Moraes. “Ney Matogrosso é um baluarte, tem uma generosidade sem fim. Fizemos o convite e ele aceitou. Foi um encontro lindo e engrandecedor. Ele é uma das nossas maiores referências”, completou Caio. “Ney foi uma bênção que eu ainda estou digerindo. Simples e poderoso”, sintetizou Daniel.
Muito bem alinhados nas vozes e em suas ideologias, o trio também é unânime quando o assunto é política. Para eles, definitivamente, o impeachment é um golpe. “Dilma (Rousseff) foi eleita com a maioria dos votos, não cometeu crime de responsabilidade, a mídia confunde e instala o ódio nas pessoas, que não tem tempo de averiguar os acontecimentos e não enxerga os dois pesos e as duas medidas. Não acho o governo eficiente, longe disso. Dilma vacilou muito, mas está claro que é golpe. É uma guerra, uma disputa de poderes e o povo é o que menos importa, pois conseguiram separar as pessoas”, avaliou Daniel. “O impeachment é um golpe de estado contra a jovem democracia brasileira. O que querem é tirar uma presidenta eleita com mais de 54 milhões de votos, sem nenhuma justificativa jurídica que impeça ela de terminar o mandato. Nosso judiciário é incompetente. São tempos difíceis, mas haverá muita resistência”, disse Caio Prado. “Está tudo tão maluco… as pessoas estão cada vez mais cientistas políticos e com raiva no Facebook“, comentou Diego.
Paralelamente ao grupo, os cantores seguem suas carreiras solos, que vão despontando a cada nova música que lançam. Projetos não faltam. Caio Prado segue com a gravação de seu segundo disco, intitulado “O Mesmo e o Outro”, sucessor do “Variável Eloquente”, que tem produção de Alê Siqueira. Segundo ele trata-se “de um disco mais pop e com muito mais experimentações”, que deve ser lançado no início de 2017. Já Diego Moraes também se prepara para lançar o segundo trabalho físico intitulado “#ÉqueeuanndodeÔnibus”, com lançamento previsto para o segundo semestre. Em fase de composição, Daniel Chaudon também segue na produção do segundo álbum.
O trio ainda se apresentou com a cantora Maria Gadú, em São Paulo
Para quem já acompanha ou ficou curioso para conhecer os meninos, o trio Não Recomendados segue com a agenda cheia com shows marcados para o dia 2 de junho, no Teatro Net Sp (com
participação de Filipe Catto e Mariana Aydar); dia 18 de junho, no encerramento do Festival Gamboavista, no Rio; e dia 13 de Julho, no Teatro Net Rio. Já em outubro, as apresentações serão no Teatro Oi Futuro Ipanema e no Teatro Ipanema, ambos no Rio.
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