Na abertura do Bourbon Street Fest no Rio de Janeiro, Mia Borders une o clássico ao contemporâneo


Natural de Nova Orleans, cantora é a nova aposta do jazz e a primeira a se apresentar em festival que termina com show de Allen Toussaint no Oi Casa Grande

*Por João Ker

Agosto pode até ser o mês do desgosto para certas pessoas, mas, se depender do Rio de Janeiro, certamente este é também o mês do jazz. Mal terminou, neste final de semana, a 12ª edição do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival, chega à cidade do Rio a 6ª edição do Bourbon Street Fest, que também passa pela sua 12ª edição na capital paulista. Pelas terras fluminenses, a abertura desse evento, que pretende trazer “um gostinho de Nova Orleans” para o Brasil se deu na noite deste último domingo (17/8), com um show da nova sensação rítmica Mia Borders no alto do Vidigal, zona sul carioca.

Na apresenta, Mia canta um repertório baseado no seu último disco, “Quarter-Life Crisis”, lançado em 2013. Com um black power imponente e óculos escuros, ela subiu ao palco do Hotel Mirante do Arvrão , no topo dessa comunidade-boutique, e trouxe uma dose daquela efervescência de ritmos e estilos que borbulham pelas ruas de Nova Orleans, sua cidade natal e berço do seu talento. Seu sotaque é carregadamente sulista e, quando está cantando, ela consegue misturar em sonoridade e alcance vocal o contemporâneo com o clássico, soando tanto Etta James e Nina Simone quanto uma Joss Stone ou Mary J. Blige. Seu jazz mistura de funk a rock, e ela não larga a guitarra, a qual começou a tocar com 11 anos de idade.

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Fotos: Zeca Santos

Mas é uma garota bem longe dessa atitude performática que senta para uma entrevista exclusiva com HT. Os óculos escuros dão lugar a óculos de grau e o corpo, sempre em movimento no palco, está bem escondidinho por baixo de um moletom. Antes do show, ela havia perambulado um pouquinho pelas ruelas do Morro do Vidigal e chegou até a parar em uma barraquinha de tapioca, sem nenhuma frescura típica das estrelas internacionais. Apesar de sua carreira ter começado em 2005, Mia só tem começou a viajar pelo mundo agora. Ela acaba de tocar na Suíça e essa é a sua primeira vez na Cidade Maravilhosa. “Eu cheguei hoje cedo e vim direto do aeroporto. Estava tão cansada que tirei um cochilo e ainda nem consegui aproveitar nada da cidade. Mas amanhã nós [a banda veio com ela] pretendemos ir à praia. Eu adoro praia!”, comentou, provavelmente animada com a vista que tem da varanda do seu quarto de hotel.

Além da paixão por praias, Mia Borders também é fissurada, claro, por música. “Nova Orleans é o berço do jazz, mas também tem todos os tipos de gêneros. Eu comecei a escrever já aos 12, 13 anos de idade, mas sempre fui diferente. Sempre gostei de cantar, mesmo que fossem músicas bobas que eu mesma tivesse escrito”. Que tipo de músicas bobas? “Eu me lembro de uma sobre sanduíches de frango”, ri a moça. Brincadeiras à parte, Mia sabe que vem ajudando a formar a nova cara do jazz, com algo que ainda homenageia os grandes clássicos, mas ainda assim soa maravilhosamente atual. “Todo o tipo de música evolui. Um novo artista pode chegar e trazer seu próprio estilo para aquilo. Eu normalmente não foco em ritmos. Escrevo o que sinto, sempre fui assim”, explica a cantora.

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Nesta edição, a versão carioca do Bourbon Street Fest saiu dos grandes espaços abertos como o Arpoador e precisou subir o morro graças ao patrocínio – ou, no caso, à falta dele. Mia, apesar de gringa, entende muito o bem o que significa um festival de jazz acontecer em um local onde, há apenas alguns anos, o tráfico reinava. “O lugar é incrivelmente construído, né? Mas eu entendo que algumas pessoas de um certo status podem não vir aqui. Se meu show aqui contribuir de alguma maneira para que uma parcela maior da população possa conhecer essa parte da cidade, então fico feliz”.

Quem faz eco às opiniões de Mia é o DJ Saddam, habituée de lugares como as boates CAVE, em Copacabana, e a 00, na Gávea. “O Rio tem capacidade para ser a capital cultural do país, aqui tem espaço para tudo. Eu só acho que seria bem legal se esse evento oferecesse um preço especial para quem é da comunidade, assim o acesso à cultura seria mais amplo”. Mart’nália, que subiu o Vidigal pela primeira vez para conferir o badalo, concorda e diz que “é muito bom que isso estar acontecendo no morro”. O diretor do Bourbon Street, Edgard Radesca, comenta sobre o porquê da mudança e a escolha de local: “Bem, você tem três opções: patrocínio, patrocínio e patrocínio”, brinca, meio que falando sério.

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Fotos: Zeca Santos

Edgard é o responsável pelas 3 edições do Festival em Brasília, as 12 de São Paulo, as 6 do Rio de Janeiro e a mais recente estreia, o Bourbon Festival Paraty. “Nós tentamos até o último minuto o patrocínio necessário para fazer a edição carioca em lugar aberto. Até a Prefeitura Municipal deu o devido apoio, mas chegou uma hora em que a iniciativa privada não foi suficiente. É preciso muito dinheiro para bancar artistas, bombeiros, seguranças, UTIs, ambulâncias etc.”, explica o simpático senhorzinho de cabeça branca e olhar astuto. “Nós então começamos a procurar um lugar. Vim aqui há cerca de três semanas e fiquei encantado. É bom, porque conseguimos fazer com que o festival e os artistas escolhidos conversassem com um público diferente, assim como a música de Nova Orleans dialoga com públicos totalmente diferentes entre si: jovens, velhos, famílias etc. O legal é conseguir integrar esses grupos diferentes e mostrar todo esse ecleticismo”, comenta.

Há anos trabalhando entre o eixo Rio-SP, Edgard ainda faz questão de enfatizar que não vê diferença entre os dois públicos, amenizando a rixa cultural que existe entre as cidades. “O que me deixa surpreso é que em São Paulo nós temos uma casa, então fica fácil de manter contato com o nosso público. Aqui, apesar de não termos um espaço nosso, a receptividade é ótima, mesmo sem a exposição contínua”. O comentário só prova que, no Rio de Janeiro, a sede por amplitude cultural é grande e basta oferecer uma fonte que os cariocas beberão com prazer.

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Fotos: Zeca Santos