Imagine Helga Stadler, diretora do Salzburg Festival, arriscando uns passinhos – bem brasileiros, diga-se de passagem -, ao lado de Sabine Lovatelli, Reinold Geiger, Carlos Eduardo Régis Bittencourt e Fraçois Valentiny – quarteto por trás do festival Música em Trancoso. E tudo isso, bom citar, ao som de rock sinfônico – bem mainstream. Ok, difícil, a gente bem sabe. Mas foi exatamente essa a última cena da quinta edição do festival que HT acompanhou in loco no balneário mais hype da Bahia. Desde o dia 5 de março lotando o Teatro L’Occitane, o Música em Trancoso reservou para sua última noite uma dobradinha que tinha tudo para deixar questionamentos, mas que acabou prezando pela harmonia e ocasionando um clima de descontração que um bom adeus baiano pede. A Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (comandada pelo jovem maestro alemão Wolfgang Roese) se juntou ao grupo Rock Symphony e entoou uma série de clássicos do rock (aqui, uma nota importante: esqueça o lado visceral do gênero. Falamos de algo bem mais clean, peace and love).
No setlist? “The final countdown”, “Let me entertain you”, “Angels”, “Love supreme”, “Another brick in the wall”, “Help” e por aí vai. Os solos de guitarra (sangue arterial nobre para o coração de um bom roqueiro) poderiam ter ganhado protagonismo mesmo com uma orquestra de grande porte à frente? Poderiam. Da mesma forma que as escolhas de repertório a serem entoadas pela Rock Symphony poderia ter tomado caminho por estrada mais rock and roll. Mas, contudo, todavia, a noite, com apresentações à la “The Voice” (cantaram Alex Melcher, Mennana Ennaoui, Angelika Kirchschlager e Rafael Fingerlos) cumpriu seu papel de realizar um intercâmbio entre gêneros: o rock ao erudito. Em toda a temporada, não se ouviu tantos “bravo!” em curto espaço de tempo. Um prato cheio para o saudosismo (já que ouvimos Pink Floyd, Tina Turner, Barbra Streisand, John Lennon e companhia ilimitada) e uma linha tênue curvilínea para os amantes do rock. Mas quem se importa? A música venceu o jogo. E no fair play.
Maestro do samba-bom e de Villa-Lobos
HT, esperto que só, puxou o maestro Wolfgang Roese em um canto pós-espetáculo Rock Symphony. Até porque, convenhamos, não é todo dia que ele deixa Berlim, na Alemanha, e vem passar calor na Vila de Trancoso. Roese nos contou que o critério usado para formar setlist roqueiro foi baseado em uma lembrança familiar. O que seus pais costumavam ouvir ganharam vez no palco do Teatro L’Occitane. Citando o tamanho reduzido da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais – mas não menos afinada e competente – o maestro ainda destacou uma espécie de “rejuvenescimento” do público, que pôde prestigiar música erudita com um perfume de mainstream. No mais, ele dividiu o comando da batuta com performances no piano -, se mostrou um amante do samba e conhecedor da vida e obra do nosso maestro Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Um menino que sabe das coisas.
A noite da ópera, bebê!
Um dia antes, no mesmo teatro, as grandes partituras da música erudita ganharam execução, no mais clássico dos oito dias de festival Música em Trancoso. A Orquestra Sinfônica de Minas Gerais ficou sob a batuta do maestro francês Benoît Fromanger – que vem a ser diretor artístico e regente titular da Orquestra Sinfônica de Bucareste, maior cidade da Romênia. A apresentação foi divida em uma espécie de atos, no qual cada expert em um instrumento diferente ganhou destaque na ribalta. Por lá, estiveram: Rüdiger Liebermann (violino), Lorenz Nasturica Herschcowici (violino), Michael Hell (violoncelo), Walter Seyfarth (clarinete), Sebastian Stevensson (fagote), Jörg Bruckner (trompa), Angelika Kirchschlager (mezzo-soprano) e Rafael Fingerlos (barítono). Os dois últimos, aliás, foram professora e pupilos, respectivamente, há tempos.
“Queremos entusiasmar um público novo, jovem, que não está acostumado a ouvir música clássica”
Em conversa com HT, Sabine Lovatelli, presidente do festival Música em Trancoso, explicou que a principal meta do evento é ter espetáculos de primeira linha e manter um nível artístico. “Queremos entusiasmar um público novo, jovem, que não está acostumado a ouvir música clássica. E ele só se entusiasma com primeira categoria. É claro que também queremos diversificar, porque existem gostos diferentes. Eu acho que todo dia de música é bom, se bem tocado. Tudo vale a pena”, explicou. Logo, o recado é: quem gosta de bossa nova, de música clássica ou de jazz, tem seu lugar ao sol em algum dia da programação. “Não queremos ser uma coisa muita seletiva. Queremos todas as idades. Não tem discriminação. Queremos qem gosta de música e a leve para frente. Tudo é um estudo minucioso”, garantiu ela, que nos adiantou: quer fazer um centro de juventude para se aprender música ali, no mesmo perímetro. Enquanto os planos vão saindo do papel, masterclasses foram realizadas com jovens estudantes que tiveram contato com experientes músicos internacionais para aperfeiçoarem a prática dos instrumentos e, of course, identificarem talentos.
Em tempo: a sexta edição do Música em Trancoso acontecerá entre os dias 18 e 25 de março de 2017. Vamos?
* O jornalista viajou a convite do festival Música em Trancoso
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