‘Música atua sobre o batimento cardíaco e hormônios’, diz Julie Wein, doutora em Neurociências, que lançou álbum


Formada pela UFRJ, com especialização na área de neuroimagem, com ênfase em neurociência computacional das emoções e da música, desde 2015 concilia suas pesquisas com a carreira de cantora e disponibilizou, pela Biscoito Fino, o álbum ‘Infinitos Encontros’, em todas as plataformas digitais. Ela explica ao site Heloisa Tolipan os benefícios dessa arte, universal em tempo de distanciamento social: “Um dos poderes terapêuticos da música é nos transportar para outros ambientes, uma sensação comprovada cientificamente, pois é capaz de alterar a percepção do nosso cérebro sobre as emoções e a realidade”

A neurocientista e cantora Julie Wein acaba de lançar seu álbum de estreia ‘Infinitos Encontros’ (Foto: Helena Cooper)

*Por Rafael Moura

“A música atua positivamente nesses momentos de isolamento que estamos vivendo e uma coisa é certa: enquanto ouvirmos música, nunca estaremos completamente sozinhos”, comenta a cantora Julie Wein, logo no início desse papo com o site Heloisa Tolipan sobre o lançamento do seu primeiro álbum ‘Infinitos Encontros’, pela Biscoito Fino, em todas as plataformas digitais. A Doutora em Neurociências, pela UFRJ, tem experiência na área de neuroimagem, com ênfase em neurociência computacional das emoções e da música e, desde 2015, concilia suas pesquisas com a carreira de cantora. O projeto autoral fala sobre encontros e também é feito de encontros, afinal conta com a participação especial de Ed Motta e dos músicos Marcelo Caldi, Marco Lobo, Pedro Franco e Jorge Helder, com produção musical do violonista Victor Ribeiro.

Em tempos de quarentena e isolamento social, Julie ressalta que um dos poderes terapêuticos da música é nos transportar para outros ambientes, uma sensação comprovada cientificamente, pois é capaz de alterar a percepção do nosso cérebro sobre as emoções e a realidade. “A dica é ouvir uma playlist, de preferência criada pela própria pessoa, com suas músicas favoritas, aquelas que normalmente evocam boas memórias ou simplesmente que proporcionem um efeito relaxante”, aconselha. E completa: “Impactos observados em diversos estudos mostram que, além de propiciar hormônios do prazer, a música pode atuar de forma benéfica sobre a pressão sanguínea, batimento cardíaco e outros hormônios”.

O repertório do disco foi composto, por Wein, entre março e setembro de 2018. “Cada qual traz uma história específica e uma inspiração diferente, que adoro contar nos shows. Considero todas filhas de um mesmo momento da minha vida, por isso resolvi juntá-las no álbum”, frisa. A curitibana nasceu em ambiente artístico, com um pai violoncelista de orquestra, Romildo Weingartner, e a mãe coreógrafa, Rocio Infante, o que fez de Julie uma cantora desde a infância. “Fiz musicalização na primeira infância, integrei diversos corais e tive aulas de piano até a adolescência. O primeiro desejo que me lembro era de ser guitarrista de rock. Todos os domingos assistia meu pai tocando no concerto da Sinfônica do Paraná, então a música clássica também teve um papel importante na minha educação. A grande maioria das pessoas que me rodeavam na infância/adolescência também era de artistas, entre parentes, agregados da família e amigos dos meus pais. O mundo artístico era basicamente o que eu conhecia como referência”, pontua. Sua carreira teve início, em 2015, como cantora solo, ao estrear nos palcos cariocas com com um show no TribOz – Centro Cultural Brasil-Austrália, na Lapa, acompanhada do violonista Pedro Franco.

Nesse disco de estreia, a curitibana conta que os músicos e convidados foram escolhidos por ela e pelo produtor Victor Ribeiro. “Foi um diálogo entre nós dois para escolher essa cartela dos músicos e eu fiquei muito feliz com o resultado. Tive a grande alegria de receber a participação do mestre Ed Motta, amigo e músico incrível, com um trabalho tão importante para nossa música”. Um projeto que surge cheio de experiências pessoais, amores perdidos e achados, tristezas e alegrias, momentos dolorosos e engraçados. “Eu vejo a música como um caminho para curar feridas e trazer paz aos nossos corações. Para confortar as pessoas e tornar o mundo um lugar melhor. Também me inspiro na minha conexão com a natureza, nos mistérios do universo e nas melodias e harmonias que ouvi desde a infância”.

A capa do disco, autoral, da cantora Julie Wein, ‘Infinitos Encontros’ que acaba de ser lançado pela Biscoito Fino

Confira abaixo o nosso papo com a cantora. Chega mais!

Heloisa Tolipan – Como que a música e a neurociência se cruzam?

Julie Wein – A música exerce um poder impressionante sobre o cérebro. Estudos comprovam que os benefícios da educação musical para o cérebro são enormes. Estudar neurociência da música me trouxe uma nova visão sobre a música e sobre o que ela é capaz de fazer. E, principalmente, sobre sua indispensável importância para a sociedade hoje.

HT – Como a neurociência explica a emoção que sentimos quando ouvimos uma música?

JW – Acho fascinante o fato de o ser humano ter desenvolvido a capacidade de criar obras musicais tão impactantes, capazes de provocar emoções tão profundas que tem o poder de nos transportar para diferentes universos.

HT – Como surge “Infinitos Encontros”?

JW – Começar a compor foi algo que me surpreendeu profundamente, pois era algo que não imaginava fazer. A primeira vez que compus uma canção foi quando recebi um poema da minha mãe para musicar, que como letrista assina como M. Vieira. E ela falou: ‘tenta fazer uma música com isso’. Esse poema me inspirou de tal maneira que não tive outra opção senão fazer uma música. Fiquei muito surpresa porque gostei do resultado, pois me abriu um caminho de compor e hoje em dia é uma das coisas que mais gosto de fazer na vida. Senti minha carreira de cantora ganhar um rumo bastante intenso com isso e que as minhas composições me aproximaram muito do meu público e da minha missão como artista. Foi então que nasceu essa urgência em gravar esse disco todo autoral.

Um dos aspectos que motivou o nome “Infinitos Encontros” foi o encontro que eu tive com as pessoas com quem componho, até porque uma das coisas mais especiais que a composição me trouxe foram as parcerias, que mudam completamente minha relação com essas pessoas. Tem uma música que fiz para uma letra da minha querida amiga e jornalista Mariana Ferrão, por exemplo. E a partir do momento que a gente tem uma parceria musical com alguém, parece que a relação se estreita. Os infinitos encontros também representam um encontro comigo mesma, com meu público, com todas as pessoas que acreditam e apoiam meu trabalho, com as pessoas que viraram inspirações para essas músicas e com os próprios músicos que gravaram no disco. São os infinitos encontros que a música traz.

HT – O álbum traz participação de Ed Motta e dos músicos Marcelo Caldi, Marco Lobo, Pedro Franco e Jorge Helder, com produção musical do violonista Victor Ribeiro. Como foi reunir esse time?

JW – Nossa, foi maravilhoso! Foi um diálogo entre Victor e eu para escolhermos essa cartela de músicos e fiquei muito feliz com o resultado. Só tenho a agradecer a todos que participaram. Foi uma honra receber o Ed Motta, uma participação tão especial. Ele é um músico incrível com um trabalho tão importante e de referência na música, que admiro muito. E agora também é um amigo querido que acredita no meu trabalho e me dá um apoio especial. Sobre o Caldi, certo dia, no sarau de um amigo em comum, ele tocou ‘Valsa em Sim’ com uma partitura que eu havia levado. Ele adorou a música. Foi bem especial aquele momento, ficou guardado na minha memória. Um tempo depois me veio a ideia de convidá-lo para gravar nessa faixa do disco e ele aceitou! Pedro Franco, é um parceiro com quem estreei minha carreira de cantora e não poderia faltar no meu primeiro disco. Jorge Helder eu ainda não conhecia pessoalmente, só o seu importante trabalho na música popular brasileira. Ele fez um lindas gravações do meu disco e eu não poderia estar mais feliz com o resultado. Marco Lobo eu havia conhecido na infância, quando ele tocava com o Bituca, mas eu era muito pequena! Quando o Victor sugeriu ele para gravar as percussões, senti que não poderia ter havido sugestão mais certeira. Foi uma alegria imensa reencontrá-lo mais de 20 anos depois. Ele fez um belíssimo e emocionante trabalho na gravação das percussões do álbum. Foram momentos memoráveis ver os arranjos ganhando ritmo com tanta sensibilidade. Também tive a emoção de receber meu pai, Romildo Weingartner, gravando violoncelo e minha madrasta, Juliane Weingartner, gravando violino nos arranjos de cordas. O Victor, conheci ele no meio musical do Rio de janeiro, quando o procurei em um primeiro momento, foi com o objetivo de gravar um single com a participação da banda dele (Relógio de Dali), mas o projeto do single acabou virando um EP e o EP acabou virando um disco. Admiro muito o trabalho dele, é um grande violonista e fez uma produção musical linda, fiquei muito feliz com o resultado da produção musical do álbum.

HT – As músicas foram compostas em 2018, como elas se interligam com a Julie de 2020?

JW – Trânsito de Marte, por exemplo, que é a música que abre o álbum, foi composta após uma desilusão amorosa na época em que dois fenômenos naturais muito marcantes ocorriam: a máxima aproximação do planeta Marte da Terra e o Eclipse Lunar de 2018. Essa inspiração em fenômenos naturais tem a ver com o fato de eu ter me mudado para o Rio de Janeiro em 2009 para fazer faculdade de Astronomia na UFRJ, cursei 2 anos. Meu objetivo inicial era me especializar em Astrofísica e Cosmologia, mas acabei mudando para o curso de Biofísica aonde acabei me formando, longa história (risos). As plataformas digitas, nesse momento de isolamento social, é uma forma de manter as pessoas próximas.

“A música exerce um poder impressionante sobre o cérebro”, diz a cantora Julie Wein (Foto: Helena Cooper)

HT – Como Julie se relaciona com essas mídias?

JW – Minha relação com as mídias sociais é bastante intensa, ainda mais agora em momentos de isolamento social, pois sinto que essas ferramentas estão proporcionando uma função fundamental. Às vezes fico imaginando como seria um momento de isolamento social sem tecnologia alguma. Certamente seria muito mais difícil passar por este momento, ainda mais para quem é artista e precisa se comunicar com seu público. Hoje em dia vejo as mídias digitais como ferramentas importantes para proporcionar uma comunicação direta e instantânea do artista com seu público e tento utilizá-las da melhor forma possível, sempre visando me aproximar das pessoas e conhecer mais de perto quem acompanha meu trabalho. É muito bom poder sentir esse carinho e apoio das pessoas. É lindo perceber a força da multiplicação das mídias digitais quando os fãs começam a compartilhar e falar sobre sua música. Isso é muito gratificante e só tenho a agradecer pelo carinho que tenho recebido, principalmente nesse momento tão difícil para todos nós.

HT – Em tempos de quarentena e isolamento social, a música traz poderes terapêuticos, visto a quantidade de lives musicais. Como você vê essa relação?

JW – A música é um fator central e indispensável para todas as culturas no mundo. Eu mesma fiz duas lives, uma pelo Festival SiAcalme e outra pelo Festival Ziriguidum e foram duas experiências muito reconfortantes, pois para o artista essa comunicação ao vivo com seu público é essencial e, sem a possibilidade de fazer shows presenciais, as lives são uma forma de nos aproximar desse lugar. Ao mesmo tempo, acredito que esse movimento está trazendo um momento fundamental de conscientização e reflexão do público, das mídias digitais e de associações para sublinhar a importância e
desenhar novas soluções para remunerar os artistas pelo seu trabalho, afinal, para diversos músicos, os shows presenciais eram a principal (senão a única) fonte de renda. Acredito que este momento está sendo importante para promover maior a visibilidade, reconhecimento e valorização de toda a classe artística, de uma forma geral. Eu diria que um dos grandes benefícios que a música pode nos proporcionar agora, é capacidade de transportar nosso cérebro para outros lugares e se desconectar um
pouco de informações estressantes.