Quando se fala em música eletrônica, o primeiro pensamento que vem à mente da maioria do público são batidas predominantemente sintetizadas, cheias de viradas clichês e que ecoem um bate-estaca incessante pelas festas e boates do mundo afora. Claro, ainda há aqueles artistas que conseguem nos surpreender e, vez ou outra, sair da caixinha de fórmula pronta, adicionando um instrumento inusitado, a sample de alguma música icônica e esquecida pelo tempo ou uma colaboração poderosa. Mas, no caso de Donatinho, o resultado é completamente atípico.
Vencedor do Prêmio da Música Brasileira de Melhor Álbum de Eletrônica pelo disco “Zambê”, o artista consegue unir na mesma faixa os sintetizadores eletrônicos a ritmos regionais brasileiros. Na época da premiação, o produtor Alexandra Moreira, da Bossacucanova, comentou com o site HT que “o álbum é um marco na música eletrônica, permeando as mais diferentes vertentes regionais sem soar naïf ou folclórico”. Esse trabalho situado entre dois mundos que, a princípio, ficam em opostos da vertente musical, encontra sua síntese em “Zambê”, lançado ainda no ano passado, mas chegando aos palcos pela primeira no próximo dia 7 de julho, no Miranda. O projeto consegue misturar house, trip hop e bass com samba, rap, carimbó e candomblé; batidas envolventes que saem tanto de sons “robóticos” quanto de cuícas, violas, teclados e trompetes. Tudo isso com um apelo jovem e nada caricato, diferente do que você imaginaria da cena eletrônica.
Filho de João Donato e colaborador de gente como Vanessa da Mata, Ana Carolina, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Ivete Sangalo, Donatinho trouxe um time ainda mais eclético para participar de “Zambê”: o samba de Dona Odete, a viola caipira de Plínio Profeta, as guitarras de Kassin, o candomblé de Rita Benneditto e até um dueto com o trompetista Márcio Monterroyos, que faleceu pouco dias após gravar com o artista.
Donatinho – “Ladeira do Samba” (Part. Maria Joana)
Abaixo, Donatinho comenta com HT sobre seu processo criativo, como foi gravar ao longo de nove anos para o seu disco de estreia, a valorização da cultura regional e como fugir do mesmo no cenário eletrônico. Vem com a gente:
HT: Quando decidiu seguir a carreira musical e por que escolheu a eletrônica?
D: Eu tinha 12 anos quando ouvi o disco “Headhunters”, do Herbie Hancock, pela primeira vez. Fiquei apaixonado por esse trabalho futurista retrô.
HT: Como foi encontrar esse ponto em comum entre o eletrônico e a música brasileira de raiz, saindo dos sintetizadores típicos do gênero?
D: A questão do sintetizador está presente também no meu trabalho, porque eu coleciono instrumentos analógicos e vintages.
HT: Sim, mas no seu caso vem misturado a várias outras referências e instrumentos regionais.
D: É porque o grande ponto do trabalho é que tem pesquisa, composição, melodia e letra. Muitas vezes, na música eletrônica, o cara só pega um sample. Não que isso não seja válido, mas eu tive o trabalho de pesquisar e compor minhas faixas. As pessoas falam “Ah, seu trabalho não é bate-estaca”, mas é porque tem melodia, tem letra. Traz muito essa coisa do universo pop, que é de onde eu venho.
HT: O “Zambê” foi desenvolvido ao longo de nove anos. Como foi essa pesquisa de ritmos e parcerias?
D: Foi um processo espontâneo, nada pensado. Eu fui convidado para fazer o disco por uma pessoa que tinha estúdio, aí comecei a produzir as músicas e fui chamando parceiros e amigos meus. Acabou que o encontro teve essa forma regional: chamei a Rita Benneditto, que trouxe o candomblé; aí veio a Dona Odete, com o carimbó. Quando eu vi, tinha nas mãos um trabalho rico de pesquisa. Acabei me interessando por isso, até por ser parte do que é nosso. O Brasil tem uma cultura muito rica e diversa, mas a gente quase não tem produção de música eletrônica que fale sobre isso. Geralmente é tudo meio igual ao que se faz lá fora.
Donatinho – “Janaína” (Part. Rita Benneditto)
HT: Você acha que a cultura brasileira é negligenciada na música – não só na eletrônica?
D: Eu acho que, de uma maneira geral, a gente não tem o hábito de valorizar o que é nosso. O brasileiro se espelha muito no estrangeiro. É ruim para a gente. Temos um país tão rico, diverso de cultura, mas muito pouco aproveitado. Eu escutei muita gente que tem até preconceito com quem é daqui. Acho que vale a pena investir nisso, na nossa identidade.
HT: Sobre o lançamento do disco, no Miranda, o que você preparou de especial para essa experiência nos palcos?
D: Eu desenvolvi uma história em cima do personagem que aparece na capa do disco. Para a arte gráfica, a gente precisava de uma ideia que misturasse o regional com a música eletrônica. Eu não queria nada banal, como uma baiana cheia de cabos em volta. Isso seria muito fácil, acho que sem conteúdo e meio óbvio. Chegamos então à ideia de eu ser o piloto de um carrinho de rolimã no espaço – o rolimã faz parte da cultura regional e o espaço representa a música eletrônica. O Allan Jefferson, um amigo de BH que faz quadrinhos e já trabalhou até na DC Comics, criou essa história que vai passar no telão. O personagem vive no futuro, e lá não existe mais cultura – porque a cultura é libertação, faz as pessoas refletirem. Naõ tem cinema, dança, nada. É algo bem parecido com filmes futurísticos e apocalípticos, tipo “Blade Runner”. E aí existe o esporte, que todo mundo ainda ama, e é um rolimã que voa etc. Eu sou o campeão disso. Daí eu faço o resgate da cultura viajando pelo passado e conhecendo as pessoas que participam comigo do disco.
HT: Como foi a relação do seu pai como processo do disco? Ele chegou a dar algum conselho ou dica?
D: Eu fui criado pela minha mãe, e fui ficar mais próximo do Donato só depois. Ele não chegou a participar do processo do disco não.
HT: Depois de lançar o disco no Miranda, você já tem algum próximo plano para a carreira?
D: A ideia é conseguir viajar com o show, levá-lo para outras cidades fora do Rio. E poder continuar a pesquisa, porque tem alguns ritmos que não consegui colocar nesse disco, até porque são muitos pelo Brasil.
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