Destaque da cena independente carioca, Mihay abriu o seu baú de memórias afetivas para compor aquele que seria o segundo álbum de sua carreira. Batizado carinhosamente de “Gravador e Amor”, mais do que um produto fonográfico, o disco é fruto de uma mistura de sensações e histórias que permearam a vida do cantor durante toda uma vida e o fizeram chegar até aqui, na cena alternativa do cancioneiro nacional, com um trabalho totalmente experimental que ainda conta com participações de peso como João Donato, Tulipa Ruiz, Luísa Malta, Alexandre Kassin, Romulo Fróes e Mariana Aydar. O CD soa como uma espécie de confraternização entre amigos que, no final das contas, busca uma reflexão positiva da vida em meio a caixas e recortes de uma rotina que constrói a estrutura de um ser humano. Pois bem, antes do show de estreia de sua turnê no Rio, no Oi Futuro Ipanema, pelo projeto A.Nota, o cantor revelou ao HT como surgiu o tema do disco, além de soltar o verbo sobre os novos caminhos da indústria musical, política e adiantar novidades sobre outros projetos. Vem!
“Essas memórias da infância, de abandono, da relação com pai e mãe… A gente grava esse sentimento como um gravador mesmo, numa espécie de defesa do corpo. Mas, com o tempo, elas vão ressurgindo, e puxamos essas lembranças lá do fundo. Em um disco com músicas tristes e alegres, eu tento falar exatamente sobre isso”, disse. “A gente ainda faz um jogo de palavras com o ‘gravador’ – ‘grava’ e ‘dor’. Eu queria falar dessas coisas que ficam guardadas no nosso subconsciente e que de repente acabam voltando na nossa lembranças e nos fazendo refletir sobre quem realmente somos”, comentou ele. Para contar essas histórias, Mihay teve o suporte do músico Gabriel Muzak, que não só produziu “Gravador e Amor”, como também tocou boa parte dos instrumentos do disco – além de se apropriar de sons, digamos, um tanto quanto exóticos para uma gravação de CD.
“Eu não gosto de rotular o meu som, até porque ele não segue apenas um estilo. Mas a gente vem nessa cena contemporânea. É um meio caminho entre o underground e uma coisa mais pop. Mas não o considero um trabalho pop. As letras são bem variadas e que retratam um cotidiano comum. Muita gente pode se identificar”, adiantou ele. “Eu adoro as estranhezas dele. Além dos instrumentos ditos convencionais, como guitarra, bateria e baixo, o Gabriel acabou experimentando vários barulhinhos do iPhone 4, por exemplo, como o som do flash da câmera fotográfica e coisas do tipo. Eu diria até que o show é mais underground do que o próprio disco em si”, avaliou o artista.
Agora, depois do single “Nem Tudo”, o artista, que também tem uma paixão nada secreta pelo mundo dos videoclipes, já emplacou a segunda música de trabalho do disco, “Memória de Elefante”, que conta com a participação da cantora e amiga Mariana Aydar. Estrelado por ninguém menos que sua filha Valentina, de apenas cinco anos, a produção pode ser vista pelo YouTube. “No ano passado, passei umas semanas maravilhosas com ela lá no Ceará, em uma praia bem pertinho de Jericoacoara. Eu a gravei só com uma 7D e uma GoPro e nem sabia que ia virar um clipe. Foi uma coisa bem pai e filha mesmo, tranquila, sem pressa. Foi em um lugar chamado Lua, um espaço que tem umas dunas e essas cores brancas e vermelhas da terra, que sempre me encantaram muito”, revelou o artista, que, como é de conhecimento geral, começou a carreira como videomaker.
“Eu não encarava a música como trabalho. Alguns artistas começaram a ver alguns clipes do meu primeiro disco (‘Respiramundo’), que eu fiz cinco vídeos para ele, e começaram a curtir e me convidar para essas parcerias. O primeiro foi o Gabriel Muzak, que também é produtor do meu disco, a Mariana Aydar (‘Samba Triste’ e ‘Saiba Ficar Quieto’), e, a partir daí, surgiu o Chico César e, em fevereiro deste ano, eu acompanhei a Elba Ramalho, quando a gente fez a gravação de uma turnê para ela. Mas o legal é que eu não me considero um diretor de filme. Eu sou um videmaker, porque eu filmo, crio roteiro e acabo editando”, disse ele, que também é formado em teatro pela UniRio e cursou a faculdade de cinema.
E todo esse interesse pelas artes visuais fizeram com que o trabalho do artista também ganhasse um toque diferenciado na cenografia de palco e da capa do disco. “A cenografia foi uma onda que eu quis reproduzir a capa do disco. E é engraçado, porque as fotos da capa aconteceram durante uma mudança que eu fiz. Eu saí de Niterói e vim para o Rio de Janeiro. E empilhei todas as caixas e deixei tudo espalhado pelo chão. Tem todo o meu material pessoal. E aqui a gente reproduz essa capa do disco cheio de capas de papelão, fotos e câmeras”, entregou. Muita gente não sabe, mas a música é um mundo do qual Mihay sempre fez parte, mas circulando por outros meios. Com João Donato, excursionou pela Europa, e além de registrar a turnê, dividiram o palco na Rússia, Portugal, Suíça e França, além de participar como cantor de dois discos do pianista: “O Bicho Tá Pegando!”, e o ainda não lançado “Ao Vivo no Beco das Garrafas”.
Além disso, imerso no universo alternativo, o artista lançou seu produto de forma totalmente independente e confessou que, apesar de já ter sido procurado por algumas gravadoras, acredita que a indústria fonográfica não atende mais as necessidades dos artistas. “Teve uma gravadora que me chamou, mas eles não me ofereceram absolutamente nada. Só a distribuição. O que para gente não era interessante. Hoje, as gravadoras não dão o suporte necessário para o artista. Não faria sentido eu me ligar a isso agora. A crise até já passou para seguir nessa linha. Talvez a distribuição deles sejam até mais interessante do que a minha, mas não é esse o caminho que eu gostaria de seguir. Eu fui caminhando por aqueles corredores cheios de disco de ouro de artistas que não tinham nada a ver comigo… foi bem engraçado. Então, eu não quis relacionar meu nome a eles já que não haveria nem um pagamento sobre o que eu gastei do disco”, explicou.
Engajado politicamente, Mihay participou de diversas ocupações e acredita piamente que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff não passou de um golpe de estado. “Primeiramente, segundamente e terceiramente fora Temer. Eu estou bem ativo nessa militância. Eu já toquei na ocupação do Canecão e no Capanema. Eu estava tentando também ajudar o movimento Ocupa Escola. A galera conseguiu até derrubar o secretário do Rio. Eu fiz alguns eventos para ajudar a arrecadar alimentos, porque a gente também precisa de mais do que cultura. Fiz um elenco com 20 artistas no Audio Rebel e no Semente. Acho super importante todas essas ocupações. É preciso ocupar as ruas, as escolas e onde for preciso. O mundo inteiro já sabe que foi golpe e quem diz o contrário tem algum interesse nisso ou é muito alienado”, completou o artista.
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