*Por João Ker
Michael Bublé é a própria síntese da diversidade. Em seu retorno ao Brasil, nesta noite de quarta (17/9), com o show da turnê “To Be Loved”, o canadense contagiou o público formado por todos os credos, raças, orientações sexuais, cores, etnias e relações de parentesco – sobretudo casais – em casa lotada, o HSBC Arena, no Rio. Mãe com filha, mãe com filho, pai e mãe, casal de velhinhos, casal de novinhos, casal fazendo double date, amigas e amigos se acompanhando e, no meio dessa salada toda, uma ou outra pessoa avulsa aqui e acolá, perdida na multidão. O próprio Michael parece saber dessa peculiaridade em sua fan base, tanto que durante um dos segmentos do show, ele solta uma das várias piadas que compõem o espetáculo e diz: “Esse momento é mais romântico. Para vocês que vieram acompanhados, é a hora de abraçar a pessoa ao lado. Mas eu sei que também há solteiros na plateia e esse momento também é para vocês. Para vocês tentarem uma threesome com o casal ao lado”.
Desde o início do show, quando entrou fazendo cover de “Fever”, do Elvis Presley, o vencedor de quatro prêmios Grammy interage com o público, andando firme sobre a tênue linha que separa a brincadeira do flerte, de vez em quando pendendo mais para um lado do que para o outro, com direito a tirar selfie com fã na plateia. As mulheres (e os gays!), claro, vão ao delírio todas as vezes que o cantor dá uma reboladinha, uma piscada ou um sorriso. Ou até quando ele para e diz que não precisam aplaudir, mas espera os aplausos chegarem e pararem para continuar a falar. Todo esse sex appeal parece vir no pacote desde os primórdios, quando Michael Steven Bublé, nascido em 9 de setembro de 1975, se tornou o Michael Bublé dos palcos.
Antes de tudo isso começar, Camila dos Santos (Cacau para os íntimos), na entrada da Arena, confessa que é fã de Michael há anos e que o músico é “o pacote completo”: “Ele é o Frank Sinatra da nossa geração”, comenta a moça de 30 anos que conhece o cara desde 2003. Ela bem representa o termômetro desse público eclético, pronto a degustar facilmente, de braços abertos, o cardápio que o moço oferece: um bom crooner e band leader, assim como foi Sinatra nos anos 1940. E, à frente de uma poderosíssima big band de jazz, Michael é mesmo o maestro da noite.
Noite esta que, por sinal, estava repleta de grandes clássicos do jazz, soul, R&B e até algumas aparições do pop vez por outra, intercaladas com sucessos do próprio cantor e músicas do seu último álbum, homônimo do espetáculo. Porque, afinal, apesar de seus 11 anos de carreira (com oito discos de estúdio, fora os registros ao vivo e o especial natalino), é se baseando em standards de outras gerações que Bublé consegue prender a atenção da audiência. Ella Fitzgerald, Frank Sinatra, Elvis, Jackson 5, Nina Simone, Beatles e até Backstreet Boys (“Everybody”) e Daft Punk (“Get Lucky”) encontram seu lugar em meio ao eclético repertório do artista.
Infelizmente, é preciso dizer que nem sempre os covers são executados com a mesma eficácia com que são entoados por seus cantores originais. Pegue “Feeling Good”, por exemplo, uma das músicas mais reinterpretadas da história. No refrão, onde se espera que o “feeling goooood” seja sentido até a espinha quando o vocalista segura a nota no alto e solta um daqueles gritos poderosos, Michael se retém. Não que sua versão seja ruim, mas simplesmente, nesse caso, não atende às expectativas. Até em realities de auditório, como The Voice ou X Factor, concorrentes já entregaram versões melhores. E, sem querer jogar lenha na fogueira, mas se uma cantora tipo diva executasse uma versão desta música e não fizesse jus às notas, poderia pegar o seu banquinho e sair de mansinho que o público não iria poupá-la.
Entretanto, é preciso dar crédito ao cantor. Ele esbanja simpatia no palco, tem groove, passa emoção ao interpretar canções alheias (“Try A Little Tenderness” merece destaque), improvisa passos de dança e consegue passar muito bem a sua mensagem. É um show man por excelência, mesmo nos casos em que dá uma resvaladinha ou outra. Perdoável, e o público também nem parece se importar com isso, hipnotizados pelo belo par de olhos azuis do canadense.
A estrutura do palco é surpreendente, com telões interativos que se fundem ao chão e depois reproduzem uns vídeos que, bem, não chegam a ser exatamente um primor, mas dão conta do recado. Imagine se aquela sua tia que vive mandando slideshows com mensagens de autoajuda tivesse dinheiro e disposição para fazer um vídeo profissional. Então, a ideia é mais ou menos essa. Mas há também momentos bons do audiovisual, como quando a banda é apresentada ao público e uma espécie de “perfil do jogador” é reproduzido, com dados e datas acerca do indivíduo, como se o mesmo estivesse participando do “Time Michael” (na verdade, é esse o nome do layout). Isso sem falar que o suporte para o grupo é móvel e, durante o espetáculo, eles vão e voltam compactados para a frente do palco.
No início da apresentação, Michael Bublé já declara: “Eu quero que essa noite seja como um primeiro encontro. Que comece bem devagar e, no final, nós terminemos fazendo um sexo sacana no meu carro”. Uma ótima piada e melhor analogia ainda para aquilo que aconteceu. Se o clima começa meio meloso, um pouco down e com o cantor vestido no seu melhor estilo James Bond, os movimentos de dança e a animação comparecem no último segmento, onde até a vestimenta dá lugar para um blazer de lantejoulas à la Yves Saint Laurent. Ou, quem sabe, Liberace. Tudo bem, ele pode. E, apesar de em muitas ocasiões – várias, por sinal! – o canadense ter perdido o fôlego e disfarçado enquanto apontava o microfone para a plateia, seus próprios sucessos proporcionam alguns dos melhores momentos da noite, com direito a coro em “Haven’t Met You Yet”, na recente “It’s A Beautiful Day” e em “Home”, que invadiu a casa dos brasileiros na época da novela “América” e parece ter permanecido no subconsciente geral.
Como bom fã da old school, o astro resolve deixar o melhor para o final, emendando um bis com “Save The Last Dance For Me”, de 2005, e o clássico setentista “A Song For You”. Para esta última, ele pede silêncio absoluto na arena, larga o microfone de lado e entoa os versos alta e nitidamente, “só no gogó”, o que arrancou soluços de algumas mulheres na plateia. As notas que economizou anteriormente foram exorcizadas ali e, mesmo depois daqueles momentos de stand-up comedy e karaokê, é aquele minuto que entra para a história do músico que, se voltar por aqui em dois anos, certamente lotará mais uma vez qualquer local em que se apresentar. Confira as fotos!
Fotos: Vinícius Pereira
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