Marya Bravo, do The Voice, e a gordofobia na moda: “Impressiona a falta de opção de tamanhos de roupas”


Constantemente, a atriz e cantora tem dificuldade para encontrar as peças de que necessita para shows. “Fui à lojas chiquérrimas, entrei em tudo que é lugar para experimentar e não tem. As pessoas fazem roupa até o 42 e aí você que se vire, pegue um lençol e se amarre”, desabafa a filha do saudoso cantor Zé Rodrix, citada em Casa no Campo, clássico composto quando sua mãe, Lizzie Bravo, que morreu a pouco mais de um mês, estava grávida. Para quem não sabe, a mãe de Marya conseguiu a proeza de gravar vocais de apoio com os Beatles, em fevereiro de 1968, na canção Across The Universe. “Tem sido uma loucura, uma montanha russa de emoções. Tive gravação do The Voice uma semana após o falecimento dela. Eu a senti presente no palco. Agora, ela e o meu pai estão torcendo juntos de onde quer que eles estejam”, comenta

* Por Carlos Lima Costa

Aos 50 anos e 46 de carreira, a atriz Marya Bravo, filha do cantor e compositor Zé Rodrix (1947-2009), autor de clássicos como Soy Latino Americano e Casa no Campo, está participando do ‘The Voice Brasil’. Aprovada na etapa inicial, ela integra o time de Carlinhos Brown. Sempre pensando em todos os detalhes, fez uma peregrinação para comprar roupas para apresentações, shows, peças que não fossem básicas do cotidiano. E mais uma vez constatou o quanto o Brasil vive ainda uma ditadura da beleza, de padrões que não condizem com a realidade da população.

“Sempre lutei contra a balança, sempre vivi nessa neura de estar tentando me encaixar em padrões. Mas já tem algum tempo que eu dei uma relaxada em relação a isso. Sou considerada plus size? Acho que sou. Tive tanta dificuldade para achar uma roupa para me apresentar, tirar foto. Fiquei impressionada com a falta de opção de tamanhos de roupas, e eu uso 44 ou 46. Fui à lojas chiquérrimas, andei a Oscar Freire de cima a baixo, entrei em tudo que é lugar para experimentar e não tem. As pessoas fazem roupa até o 42 e aí você que se vire, pegue um lençol e se amarre. Isso tem que mudar. Moramos no Brasil, as pessoas não são tamanho 36. Isso não existe. Estou sempre querendo comprar peças bonitas para shows, fotos, eventos, principalmente. Acho muita roupa básica. mas chique, cara, de luxo, não acho. Isso precisa mudar”, enfatiza.

Em relação a própria silhueta está tranquila. “Tenho me preocupado mais com a minha saúde, me alimento bem. E me aceitando mais como a gente é de verdade. Não dá para padronizar, principalmente corpo. Cada um tem o seu. Hoje, tenho relação muito mais saudável com meu corpo do que quando era mais jovem, principalmente trabalhando nesse meio que a gente trabalha”, reforça.

"Não dá para padronizar, principalmente corpo. Hoje, tenho relação muito mais saudável com meu corpo do que quando era mais jovem", frisa Marya (Foto: GShow/Victor Pollak)

“Não dá para padronizar, principalmente corpo. Hoje, tenho relação muito mais saudável com meu corpo do que quando era mais jovem”, frisa Marya (Foto: GShow/Victor Pollak)

E frisa que essa questão nunca atrapalhou sua extensa carreira no teatro musical. “Em relação a dança, por exemplo, nunca tive esse problema, nem no início da minha carreira. Sou bailarina formada, sempre dancei. As pessoas estão dando muita ênfase a esse assunto, sei que acontece, acho que mais na televisão. Mas, como não faço muito, não posso falar. E, agora, na minha carreira, na minha idade, já estou para papéis específicos, então, a competição para a minha faixa etária é um pouco menor. Quando você é mais jovem, está tentando entrar no coro ou o cover de algum papel principal, acho que a competição fica mais acirrada e esse quesito do corpo pode ter um peso. Mas é algo que não devia acontecer. Pessoas são de todos os tamanhos. Aqui no Brasil tem um foco grande sobre esse tema que eu não sinto em outros lugares do mundo, onde já trabalhei e morei. Aqui existe uma fixação grande com essa questão do corpo perfeito, pelo fato do nosso entretenimento ser muito focado na televisão”, ressalta.

E ela explica o motivo de ter se inscrito no The Voice Brasil, mesmo já tendo, inclusive lançado três álbuns: Água Demais Por Ti (com canções autorais), De Pai Para Filha (com músicas do pai) e Comportamento Geral, com faixas compostas e gravadas durante a ditadura militar. “Passamos por essa pandemia, que foi período difícil para todos, especialmente para os artistas. Fomos os primeiros a parar e os últimos a voltar. Então, minha maior motivação foi a vontade de cantar, a saudade que eu estava de pisar em um palco. Ainda não estávamos vivendo um momento de retorno e uma amiga sugeriu que eu participasse. Outros também acharam que seria legal. Aí resolvi me inscrever”, lembra.

Mesmo com a carreira consolidada, não ficou com receio da possibilidade de não virarem a cadeira para ela na audição as cegas, primeira etapa do programa. “Aos 50 anos e já com uma carreira de 46 anos, eu realmente não tinha nada a perder. Fui de coração aberto, com vontade de cantar. Por mais que possa parecer estranho, não estava com isso na cabeça, será que vão ou não virar, estava tranquila com o que acontecesse. E quando pisei no palco e vi que tinha plateia, fiquei tão feliz de estar cantando, que não me preocupei com isso”, assegura.

Recentemente, Marya experimentou um misto de sensações da alegria à tristeza: a estreia no The Voice e a perda da mãe, Lizzie Bravo (1951-2021), vítima de um infarto, aos 70 anos, no mês passado. “Nossa, foi uma loucura, uma montanha russa de emoções. Tive gravação uma semana depois do falecimento dela. Eu a senti presente nessa gravação e sei que está torcendo por mim. Agora, ela e o meu pai estão torcendo juntos de onde quer que eles estejam”, comenta. Marya explica, então, o que ela traz dos pais, Zé Rodrix e Lizzie Bravo quando está no palco. “O DNA deles está muito presente. Trago isso no sangue. E acho que tenho potência vocal parecida com o meu pai”, diz.

Marya Bravo entre os pais, Lizzie Bravo e Zé Rodrix (Foto: Arquivo Pessoal)

Marya Bravo entre os pais, Lizzie Bravo e Zé Rodrix (Foto: Arquivo Pessoal)

Para quem não sabe, a mãe de Marya conseguiu a proeza de gravar vocais de apoio com os Beatles, em fevereiro de 1968, na canção Across The Universe. “Minha mãe ficou três anos em Londres, a partir dos 15. Ela ficava na porta de entrada do estúdio Abbey Road e os via todo dia, pois estavam gravando o CD Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Todo dia ficavam muitos fãs na porta do estúdio. Um dia, Paul saiu, olhou para elas, e perguntou se alguma conseguia segurar uma nota alta, aguda. Ela respondeu que sabia e ainda levou uma amiga que também cantava bem. São as únicas pessoas que já cantaram em um música dos Beatles. Isso é incrível. Ela é uma celebridade nesse mundo beatlemaníaco”, conta.

Marya começou aos quatro anos, mas antes mesmo de nascer já foi homenageada nos versos “Eu quero a esperança de óculos/E meu filho de cuca legal”, escritos por seu pai na canção Casa no Campo. “Minha mãe é a esperança de óculos e o filho de cuca legal sou eu, porque minha mãe estava grávida quando ele fez a música”, diz. A carreira aconteceu de forma natural. “Eu não lembro da minha vida sem cantar. Comecei com quatro anos. Depois de gravar a música do comercial do cremogema, trabalhei muito na infância. Todo dia eu ia para o estúdio gravar desde jingles a coro de disco infantil. Eu era muito profissional, gostava de ouvir os takes depois. Não lembro de me questionar o que eu queria fazer da vida. Isso sempre foi algo certo pra mim desde pequena”, recorda ela que nunca gravou ou cantou com o pai em algum show.

A vida profissional é marcada por muitos momentos fora do Brasil, entre 1984 e 1995. Ela foi morar nos Estados Unidos, onde se formou em teatro musical, interpretação e dança pela Julia Richmann Talent Unlimited High School for The Performing Arts, em Nova York. Em terras americanas, participou das montagens de The Rock Horror Show e de Hair, com o qual fez turnê na Europa com a companhia de Nova York. Ela acabou morando na Alemanha, onde casou e engravidou. Por conta do frio, veio ter a filha, Morgana, no Rio de Janeiro. Posteriormente, com a herdeira ainda neném, veio de férias ao Brasil, participou de teste para o espetáculo Band-Age, escrito por seu pai e dirigido por Cininha de Paula. “Fui aprovada, fiquei no Brasil e nunca mais parei de trabalhar”, realça ela que no decorrer da carreira protagonizou a peça Vampiras Lésbicas de Sodoma e participou ainda de espetáculos como A Noviça Rebelde e 2 Filhos de Francisco – O Musical.

Marya com o pai, Zé Rodrix, a filha, Morgana, e a mãe, Lizzie Bravo (Foto: Arquivo Pessoal)

Marya com o pai, Zé Rodrix, a filha, Morgana, e a mãe, Lizzie Bravo (Foto: Arquivo Pessoal)

Atualmente, aos 28 anos, a filha, Morgana, está casada com um italiano, mora na Itália e, há oito anos, trabalha na parte técnica do Cirque Du Soleil. “Em dezembro, ela vai para o Canadá remontar o show, pois ano que vem, vão recomeçar a fazer turnês nos Estados Unidos”, relata Marya, que tem vontade de voltar a apresentar o show de Comportamento Geral, seu mais recente CD.

“Esse show foi um convite do Sesc do Rio, quando teve o aniversário de 50 anos do AI5. Aí o Zé Pedro, da gravadora Joia Moderna, falou que eu devia gravar. O disco é incrível, sou louca para fazer mais esse show, porque com as mensagens que estão nas músicas ele fica cada dia mais atual. A fase política está confusa, complicada. Espero que a gente esteja caminhando para momentos melhores, porque não está bom não, está difícil”, aponta.

Marya cantava com Marisa Monte, quando compôs as músicas de seu primeiro álbum, que levou nove anos até ser lançado em 2009, ano da morte de seu pai. “Ele acompanhou todo o processo. Mas não contei que o álbum estava saindo. Eu ia fazer uma surpresa, entregar o disco para ele, que morreu sem saber que o CD estava saindo”, relembra ela.

“Naturalmente, vou gravar um disco novo, independentemente de estar no The Voice Brasil ou não. Meus últimos dois álbuns foram releituras, tenho muita música autoral que eu nunca gravei, que tenho vontade de experimentar. Naturalmente o disco novo vai acontecer. Já estou com essa vontade tem uns dois, três anos”, observa ela, que nunca compôs nada com Zé Rodrix. “Tenho um estilo bem diferente, até porque meu pai era um gênio, um musicista incrível. Eu toco mais ou menos violão e piano”, compara.

Ao contrário da maioria da classe artística, Marya não passou por grandes percalços durante a pandemia. “Eu tive covid esse ano, mas foi bem tranquilo. E como trabalho com legendagem de séries e filmes, que eu já fazia de casa, não parei de trabalhar nesse período. Graças a Deus, tenho esse outro ofício, algo que também me dá muito prazer. Estava sozinha em meu apartamento, sentia falta de ver os amigos, de estar no palco, cantar”, recorda.

E finaliza ensinando: “Temos que cuidar mais de si próprio do que ficar pensando tanto no corpo do outro ou no que o outro vai achar de você. Essa pandemia colocou as pessoas sob uma perspectiva diferente. Sinto que agora eu sou uma pessoa que fica mais em casa mesmo, se quiser sair eu saio. Não me sinto mais obrigada a fazer certas coisas, como ser magra, ter cabelo liso. Quero ser quem eu sou. Isso é o mais importante.”