*Por João Ker
Há mais de sete anos afastada da indústria fonográfica, Marjorie Estiano parece ter escolhido o momento certo para lançar “seu primeiro trabalho autoral”. A artista, que começou como a menina Natasha, líder da Vagabanda em “Malhação” lá por 2004, agora tem 32 anos e em nada lembra a vocalista de cabelos curtos, vermelhos e arrepiados que era um sucesso teen com músicas como “Você Sempre Será” e “Por Mais Que Eu Tente”. Não, a Marjorie que apresentou músicas do disco “Oito” durante a noite desta sexta (24/10) na Miranda, cresceu.
E não foi só por conta do salto alto que a cantora e atriz estava usando. Com os cabelos escuros e volumosos, uma legging de cintura alta e um top com estampa étnica que deixa as tatuagens dos braços à mostra, ela começou o show com o primeiro single do disco, “Por Inteiro”. A plateia, majoritariamente formada por uma mistura de adolescentes que conheceram Marjorie através de “Malhação”, entoa todas as sílabas da música com a curitibana, que, ao longo da noite, vai recebendo gritos de “linda! gostosa! rainha!” e outras histerias que a divertem.
Por mais que conserve um pouco da atitude da personagem que a lançou, a Marjorie Estiano de 2014 consegue misturar momentos de extrema vulnerabilidade e doçura com rompantes de ira e sensualidade que deixam o público confuso, no melhor sentido possível. Sua personalidade performática faz com que ela mergulhe nas músicas, dando significado especial a cada verso e a cada cover que escolheu a dedo. Quando emenda “Donde Estás”, uma das suas faixas autorais, com “Quizás Quizás Quizás”, composição do cubano Osvaldo Farrés que já foi interpretada nas vozes de Maysa e Nat King Cole, Marjorie eleva a nota no refrão e parece que expressa alguma dor interna enquanto exclama: “Estás pierdendo el tiempo, pensando, pensando” com arranjos um pouco mais desacelerados que a versão original.
O mesmo tipo de identificação musical acontece quando a cantora é aplaudida ao executar “Você Não Serve Pra Mim”, de Roberto Carlos, tendo uns rompantes vocais que soam impressionantes quando se vê a figura magrinha e pequena da moça no palco. Com olhar penetrante, pose e atitude de bad girl, ela dispara versos como “Quero que você seja feliz com outro alguém, porque eeeeu – não quero mais o seu amor!”, enquanto ergue os braços acima da cabeça e leva o público à loucura, principalmente o pessoal que, à beira do palco, acompanha cada passo e requebrada da cantora com os olhos e smartphones em punho.
Fotos: Thaís Vieira
A energia de Marjorie sai da dor de cotovelo e da raiva para se alojar em uma porção mais sensual à medida que o show vai esquentando e ela se acostumando ao palco. Inebriada na melodia das guitarras em “Chocolate Jesus”, cover de Tom Waits que, nas palavras dela é um cara “visceral e performático”, a cantora faz uma dança lânguida enquanto canta em inglês. Ou então, quando apresenta uma releitura da marchinha de Carmen Miranda, “Ta-hí”, interpretando os versos melancólicos de maneira envolvente e confortável no palco, enquanto mantém os vocais afinados. Roberto Carlos volta a aparecer, mas dessa vez através da composição de Caetano Veloso em “Como Dois e Dois” e, em um dos momentos mais frágeis e emocionantes da noite. A cantora senta, pega seu violão e começa a cantar “She was a boy”, da israelense Yaël Naim. E, mesmo que escorregue um pouco entre as notas nesse caso específico, as falhas só atentam mais ainda para a emoção da performance, que se amplia quando ela canta os últimos versos à capella. O show termina com um bis de “Por Inteiro” e Marjorie volta faceira para envolver o público mais uma vez em um cover de “Sonífera Ilha” (Titãs).
Com o timbre meigo, mas capaz de se alternar entre as exigências das músicas que está cantando, a performance de Marjorie Estiano até lembra um pouco Amy Winehouse, com o jeito quietinho no palco, dando vislumbres de uma potência maior aqui e ali, para depois se retrair novamente. Seja em declarações de amor como na ótima e pop “Ele”, na vibe positiva do reggae em “Luz do Sol” (que no álbum tem a participação de Gilberto Gil) ou na fúria rebelde de “A Não Ser o Perdão” (gravada com Mart’nália), ela cresceu. Quem for ao show esperando algum traço de Natasha ou Vagabanda, ou qualquer música antes do “Oito”, irá se decepcionar momentaneamente. Mas basta a primeira música para ver que essas mudanças foram para melhor. O público, se quiser, que a acompanhe nessa nova jornada. E provavelmente ele acompanhará.
Fotos: Thaís Vieira
Artigos relacionados