*Por Rafah Moura
Em meio aos ensaios para o show do Festival Auê, a cantora Marina Lima recebeu o site Heloisa Tolipan, no Estúdio Be Happy, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, para uma entrevista exclusiva. A emoção desse encontro foi imensa, por dois motivos: primeiro por estar na presença de uma gigante da música brasileira, com 45 anos de carreira; e depois por termos o melhor do jornalismo, o olho no olho. Chegamos e logo encontramos Letícia Novaes, a Letrux, que estava concentrada ao celular, e com um tímido ‘oi’, nos cumprimentou. Minutos depois, fomos para a sala de ensaio.
Marina começa o papo contando que tocar em um festival é uma grande incógnita e um desafio. “É uma experiência bem diferente do meu show, mas é atraente, eu gosto, principalmente por reunir diferentes gerações e que a maioria conhece as minhas músicas, afinal o setlist vem cheio de grandes sucessos. E as músicas menos conhecidas, que eu quero tocar são atemporais, e acredito que vai seduzir o público também. E estou com a Letrux, que tem um trabalho atual, autoral e incrível”. Letícia completa: “Dividir o palco com a Marina é sempre emocionante, estaremos juntas pela quarta vez no palco. É sempre um prazer, sempre aprendo, sempre fico maravilhada”.
Letícia é carioca, tijucana e levanta um ponto muito bacana sobre a transformação e a democratização dos carnavais pelo Brasil. “Já tem um tempo que o carnaval tem muitas festas que trazem ritmos além dos clássico da festa. O Rio tem as escolas de samba e as marchinhas nos bloco de rua. Nesse show, vamos até trazer umas marchinhas, do nosso jeito, mas, principalmente, as nossas essências. Vai ser um show bem democrático, com sucessos, para cantar, dançar e sentir”.
Marina confessa que já foi mais carnavalesca e hoje adora observar a movimentação e a energia. “Carnaval é para se divertir, pra cantar, rir, é alegria, democracia, sexualidade, sensualidade, esses elementos fazem dessa festa única. Uma curiosidade muito bacana é que eu morava no Jardim de Alah, e duas vezes a concentração da Banda de Ipanema foi na minha casa. Nos reuníamos sempre com os fundadores e a turma saía de lá. Eu já assisti muitos desfiles na Sapucaí, fui a camarotes, já até desfilei com a Beth Carvalho, na Mangueira”, conta.
Essa parceria e admiração entre as cantoras já vem desde 2017, quando gravaram a faixa ‘Puro Disfarce’ para o disco ‘Letrux em Noite de Climão’, que rendeu também um clipe. “Cada vez que nos encontramos, eu fico com um desejo, uma ansiedade. Eu gosto muito da onda da Letrux, acho que dá muito liga com a minha. E a Letícia parece que bebe da mesma fonte que eu, se inspirando na minha obra e fico com um orgulho danado de dividir o palco com ela, acho ela linda, sexy”, elogia Marina, deixando Letrux envaidecida com o elogio.
Uma história de bastidor dessa parceria, Marina conta que foram cinco e Letrux diz que foram dez, e ambas se olham com uma expressão de dúvida. “Lembra daquela vez que eu caí, antes do show, no Circo Voador? Eu cai e bati a cabeça antes de entrar no palco e sangrou, mas ficou tudo bem, fizemos o show, eu me joguei ‘nos braços do público’. Quando voltei pro hotel, minha equipe queria me levar pro hospital, mas eu disse que estava ótima e fizemos um show lindo. Uma grande aventura”, conta Marina. E Letrux completa: “Bastidores de shows têm sempre muitas aventuras, histórias que dariam um livro”.
A turnê de ‘Noites de Climão’, durou três anos, e segundo Letrux, ela precisou ensinar ao público e ao mercado a hora de encerrar. “Eu tinha um sentimento de quero brincar de outra coisa, eu sou uma artista inquieta. E sempre vou revisitar meu repertório”. Como duas mulheres do signo de terra, (Capricórnio, Letrux e Virgem, Marina), “a gente ama estar no palco, mas ao mesmo tempo ficamos loucas para terminar, mas não deixam. (gargalhadas). O engraçado é que hoje em dia quando eu canto ‘Fullgás’, eu amo, porque eu entendi que é um clássico e eu canto com um orgulho e alegria”, vibra Marina.
Marina nos conta que a música surgiu em sua vida, logo depois de ganhar um violão por volta dos 12 anos do pai, como um pretexto para sentir menos falta do Brasil. Com cinco anos, a cantora carioca, se mudou para capital dos Estados Unidos, Washington, pois o pai, era economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento. “Eu lembro que quando ganhei o violão, eu comecei a tirar músicas que eu gostava e isso me ajudou a começar a compor logo. Foi um tripé artístico entre compositora, instrumentista e cantora”, revela.
Com uma carreira que começou em 1977, quando teve uma canção gravada por Gal Costa, ‘Meu Doce Amor’, e quando decidiu musicar um dos poemas do irmão Antônio Cícero, Marina estava rumo ao Olimpo como cantora. E ela alcançou em grande estilo. A artista conta ainda que suas inspirações surgem da vida, da observação. “Do mundo que me atrai, que eu gosto, que eu não gosto, dos amigos, o que eu aprendo. Cada vez mais, eu quero levar experiências pessoais que possam tocar todo mundo, porque, no fundo, somos todos parecidos. É por isso que acredito que o meu trabalho consegue tocar as gerações mais nova. As circunstâncias do mundo podem ter mudado, os gadgtes, mas o que passa por dentro é sempre a mesma, essa busca interior”, pontua.
E frisa ainda que, nessas mais de quatro décadas de estrada, se ela tivesse que dar uma conselho para aquela Marina de 45 anos atrás, seria. “Faça tudo parecido. Mudaria pequenos detalhes, sou uma virginiana. Por mais que muitos momentos tenham dado trabalho, mas faria tudo parecido. Sou uma pessoa muito feliz com a minha carreira”, confessa.
Aos 45 anos de carreira, essa grande estrela acompanha todas as mudanças do mercado fonográfico, em que as gravadoras tinham o controle e hoje temos a ‘liberdade’ das plataformas digitais. “Eu gosto dessa liberdade, eu já vivi aquele período e acompanho essa transformação. Eu tenho uma personalidade que é muito ávida por novidades. O mundo mudou, triplicou. Quando eu comecei não havia o digital, era tudo analógico. E quando apareceu o computador foi um alívio para mim, por podermos criar sons em casa, foi algo libertador para a meu processo de criação”, conta.
Letrux cita a cantora Billie Eilish como uma grande representante dessa geração digital. “Imagina se ela tivesse que passar pelo crivo de uma gravadora, de um diretor musical. Talvez, hoje, ela não seria esse sucesso. Além de tantas outras figuras maravilhosa que não estariam em voga, se não fosse essa liberdade”. Marina corrobora com a opinião da amiga e cita a islandesa Björk que diz que tudo é um utensílio, é um meio a ser explorado. “A máquina não tem a alma, nós é que inserimos os sentimentos, nessa panela que é o computador. Björk é incrível. Eu já entrevistei ela, em 2007, para um jornal, na época do Tim Festival. Eu tinha perguntas e curiosidades de cantora para cantora. Principalmente por ela ser uma artista que compõe, canta, cria sons. Eu falei pra ela na ocasião: ‘Aqui no Brasil, as pessoas têm problemas com sons digitais, com frequências. E ela respondeu: ‘coitados. Por que?’ Ela ficou desolada e espantada’”.
Em recente conversa com Vanessa da Mata, descobrimos que as mulheres compositoras são apenas 5% de todo o mercado fonográfico brasileiro. “Eu acho uma pena, e acho que estamos em processo de mudança. Vide o Grammy, mulheres com melhores discos, melhores compositoras – Lana Del Rey, Tailor Swift, Billie Eilish, Miley Cyrus”, pontua Marina. E Letrux completa. “Acho que esse número está mudando, o Brasil era uma país de apenas mulheres intérpretes, com algumas exceções, maravilhosas. Mas de uns anos para cá, nós, compositoras, estamos nos colocando, sendo ouvidas e ganhando espaço”. Letrux corrobora: “E o que é muito legal é que vemos ainda muitas mulheres tocando, acho muito importante. Tocar e compor nos dá ainda alicerce”.
Em outubro de 2019, o cineasta Candé Salles estreou o documentário ‘Uma Garota Chamada Marina‘, gravado ao longo de dez anos (de 2009 até meados de 2019). O filme faz um recorte do processo de criação do álbum Climax, 2011, o processo de mudança para a cidade de São Paulo e lembranças aleatórias de toda a carreira. E seu último lançamento foi o EP ‘Motim’, em 2021, que ainda no mesmo ano lançou ‘Marina Lima – Musica e Letra’, no qual reúne as partituras e letras de todas as canções gravadas em seus 21 discos da carreira. “Novidades de compor, eu não sei, porque eu não tenho esse exercício de fazer show e escrever. Eu venho de uma geração que compunha e fazia show daquele disco, que eu amo fazer, então eram processos bem distintos. Agora eu estou fazendo muitos shows, e sempre preciso ficar reinventando para ter sempre novidades, então tem essa criação ‘na estrada’. Eu preciso desse tempo de ficar à toa, de contemplar, fazer nada. Eu estou com uma agenda muito marcada”, explica.
SERVIÇO:
Festival AUÊ
Datas: 11, 12, 13, 16 e 17/02
Horário: a partir das 15h
Local: Nau Cidades
Endereço: Av. Prof. Pereira Reis, 36 – Santo Cristo, Rio de Janeiro
Classificação: 18 anos
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