Mariana Milani: neta do saudoso ator Francisco Milani investe em carreira musical solo e aborda relação abusiva


Mariana Milani acaba de lançar nas plataformas digitais o single e o clipe da canção Outro Mundo. “Meu avô – o ator, dublador e humorista Francisco Milani (1936-2005), que fez sucesso no humorístico Zorra Total com Saraiva, personagem do bordão “pergunta idiota, tolerância zero” – me incentivava a estudar e estava sempre na primeira fila de todos os meus projetos artísticos. E criei o meu próprio caminho”, diz a cantora, antecipando que, no próximo trabalho abordará o empoderamento feminino para falar sobre o que é uma troca justa e equilibrada entre um homem e uma mulher. “Precisei fazer uma catarse sobre essa relação que me causou sofrimento e que foi a força matriz dessa criação. E que bom ter usado a música para dizer palavras que não pude falar na relação”, pontua

Mariana Milani lança single e clipe de "Outro Mundo" (Foto: Victor Rodrigues)

Mariana Milani lança single e clipe de “Outro Mundo” (Foto: Victor Rodrigues)

* Por Carlos Lima Costa

Ser artista está não somente no DNA de Mariana Milani, de 29 anos. Isso veio também de uma construção através de suas observações e vivências em sua mais tenra infância com o pai, Carlo Milani, diretor de novelas como Tempos Modernos e Além do Horizonte, além do avô, o ator, dublador e humorista Francisco Milani (1936-2005), que fez sucesso no humorístico Zorra Total com Saraiva, personagem do bordão “pergunta idiota, tolerância zero”. Mariana, que estreou nos palcos aos 11 anos, como atriz, e aos 13, cantando, fez inúmeros cursos na infância, participações aqui e ali como atriz, teve banda, e, nos últimos tempos, vinha fazendo duetos nos trabalhos de diversos cantores. Agora, com o lançamento do single Outro Mundo, já disponível nas plataformas digitais, acompanhado do clipe, ela investe em sua carreira solo para conquistar uma fatia do mercado musical.

Isso acontece depois de muito estudar conforme desejo da família. “A pergunta que mais ouvi a vida inteira foi o motivo pelo qual não estreei mais cedo. Acho que todos me protegeram para eu não queimar a largada. Sempre tive essa educação em casa: ‘Não vamos nos precipitar. Vai se formar como atriz, cantora para depois se colocar.’ Então, não tive muita porta aberta do meu pai nem do meu avô. Ele era um ator crítico, estudioso, discreto, tinha resistência ao glamour da área, me incentivava a estudar. E tinha um olhar atento para o que eu realizava. Sempre na primeira fila de todos os projetos que eu participava. Toda estrada que eu percorri foi boa para eu ir criando o meu próprio caminho”,  conta a filha da endocrinologista Jaqueline Milani.

Mariana ainda bebê nos braços do avô Francisco Milani (Foto: Arquivo Pessoal)

Mariana ainda bebê nos braços do avô Francisco Milani (Foto: Arquivo Pessoal)

Além de acompanhar o pai em gravações de novelas, ela assistiu o nascimento de espetáculos com o avô. “Cheguei a ver ensaio dele com o (Marco) Nanini na minha casa. Me contam que desde que eu era pequena meu avô falava que eu seria atriz, pois já tinha a manifestação artística em mim. Eu pegava o microfone e fazia show para a família. Vou falar algo ousado. Tive uma escola com eles. No entanto, mais do que influência deles, acho que ser artista é uma manifestação íntima minha”, frisa a única entre os cinco netos de Milani, que enveredou pela carreira artística. Na TV, por exemplo, ela fez participação no seriado Mister Brau, ao lado de Taís Araújo e Lázaro Ramos, e, no cinema, atuou no filme ainda inédito Eu Tenho Mais de 20 Anos, do diretor Breno Silveira, que vai virar piloto de série. “Estou louca para voltar aos palcos como atriz”, frisa ela, que já uniu o canto e a interpretação, suas duas paixões, no musical Festa Selvagem, aos 18 anos.

Mas, no momento, está focada no lançamento da canção composta por Luthuly Ayodele. Ao receber a música, ela vinha participando de Prisma de Mim Mesmo, projeto de Lux Ferreira, cantando duas músicas. Assim, o convidou para produzir o seu trabalho, função que exerceu em parceria com Carlos do Complexo. Até chegar neste momento, ela já havia participado de álbuns de artistas como Léo Middea e do músico Jonathan Ferr. A este último, Mariana emprestou o piano que pertencia a seu avô e que ficou com ela, após a morte dele. Aos 14 anos, Francisco Milani trabalhou como pianista tocando em bares.

Capa do single de lançamento da carreira solo da cantora Mariana Milani

Capa do single de lançamento da carreira solo da cantora Mariana Milani

Por sua vez, Mariana, formou sua primeira banda, de indie rock, tocando violão. Depois integrou o grupo de jazz Manouche. E já se apresentou ao lado de nomes como Zeppa Souza, Sexteto Sucupira e Carlos Malta. “Foi importante trabalhar com variados artistas e estilos como jazz, rock e MPB para buscar em cada um deles, um pouquinho do que eu quero com a minha identidade musical”, frisa ela. Mas confessa ter dificuldade para responder qual é o seu estilo. “Até já perguntei para amigos que também não conseguem definir, talvez porque eu carregue um pouco do ritmo de cada lugar por onde eu andei”, acrescenta.

Mariana planeja lançar mais cinco singles este ano. “O formato que existia de lançar um vinil ou o CD estava atrelado ao trabalho de uma gravadora. Não acho negativo lançar músicas individuais ou álbum com um conceito. As duas formas são válidas. Agora, atualmente, as pessoas tem oportunidades de ouvir suas músicas nas plataformas, acho bom. Antigamente, muita gente fazia música, mas não conseguia gravar”, avalia ela, eclética, que em casa, gosta de ouvir soul, jazz, rock progressivo. Ela é fã do Pink Floyd, Radiohead e Bjork.

Mariana revela que a próxima música que irá lançar será uma balada de amor, com referências da cantora britânica Sade, sobre história que viveu recentemente. “Toco no empoderamento feminino para falar sobre o que é uma troca justa, uma relação equilibrada entre um homem e uma mulher. Precisei fazer uma catarse sobre essa relação que causou sofrimento e que foi a força matriz dessa criação, E que bom ter usado a música para dizer palavras que não pude falar na relação”, diz ela, que costuma fazer mais letras do que melodias. “Por enquanto, me considero mais intérprete e poeta”, diz.

“Meu avô tinha um olhar atento para o que eu realizava, estava sempre na primeira fila de tudo que eu participava”, frisa Mariana (Foto: Victor Rodrigues)

Mariana fala com propriedade de relação abusiva. Ela enfrentou aos 26 anos. “É uma situação típica de uma relação de poder de um homem em uma posição de hierarquia que se aproveita disso para minar a auto estima da mulher com quem está se relacionando. Depois que vivi descobri que essa história se repete muito entre as mulheres. Foi muito destrutivo, difícil superar. Tenho a bagagem necessária para conversar com outras mulheres sobre essa situação. Era o meu chefe e aconteceu uma relação afetiva e de manipulação psicológica”, desabafa.

E prossegue: “Somos vítimas sim nessa sociedade, mas somos tão ricas e complexas que eu não quero me limitar a isso. Esse foi um trabalho que eu tive de fazer, inclusive, em análise de não me reduzir a essa experiência e entender que foi uma situação que eu vivi, mas tenho multiplicidades, sou um ser humano com muitos aspectos”, relata.

Em seu perfil no Instagram, Mariana Milani costuma falar sobre o papel da mulher e sobre a sociedade patriarcal. “Não posso dar um exemplo, defender outras mulheres se eu não entender quais são os mecanismos que me tornam refém desse sistema. Leio muito para entender onde estão as bases do patriarcado e assim conseguir me defender de relações abusivas de assédio moral e sexual. Então, o meu primeiro olhar é para mim. Recomendo que as mulheres leiam, se informem, conversem umas com as outras, que façam terapia para poder se defender não só desse tipo de situação, mas dessa gama de pensamentos autodestrutivos, por exemplo, de autodepreciação, porque a gente fala de magreza o tempo todo”, ressalta.

"Vivi uma relação de poder de um homem em uma posição de hierarquia que se aproveita disso para minar a auto estima da mulher com quem está se relacionando", conta Mariana (Foto: Victor Rodrigues)

“Vivi uma relação de poder de um homem em uma posição de hierarquia que se aproveita disso para minar a auto estima da mulher com quem está se relacionando”, conta Mariana (Foto: Victor Rodrigues)

E prossegue: “Claro que o movimento feminino é muito antigo, mas os jovens ainda estão entendendo o que fazer. Quando tenho as ferramentas necessárias e posso, intervenho conversando em situações de machismo que eu presencio. É importante conversar com os homens e que eles falem entre si. Eles têm dificuldades de abordar essas questões relacionadas ao patriarcado. Nós mulheres falamos muito sobre isso, mas os homens não. E não temos obrigação, nem a capacidade psíquica de estar também ensinando, porque a gente está tentando sobreviver a isso. Mas, sempre que é possível, chamo atenção dos meus amigos, recomendo que façam terapia, porque acho que há uma falta de orientação emocional da nossa sociedade que cria essa falta de sintonia entre nós”, avalia.

Mariana conta que segundo dados oficiais, a grande maioria de pessoas em salas de análise é composta por mulheres tratando questões relacionadas às relações abusivas. “Então, por que esses homens não estão nas salas de terapia? A primeira recomendação é para as mulheres se olharem. Elas precisam se cuidar, se informar, conversar e de preferência fazer terapia para se proteger de situações violentas e os homens devem conversar entre eles e descobrir esse lugar de afeto”, ensina.

"Nós mulheres queremos um olhar para quem somos na totalidade, não para um corpo como se nós fossemos só um corpo disposto a uma relação carnal”, ressalta Mariana (Foto: Maria Clara Miranda)

“Nós mulheres queremos um olhar para quem somos na totalidade, não para um corpo como se nós fossemos só um corpo disposto a uma relação carnal”, ressalta Mariana (Foto: Maria Clara Miranda)

Nessa canção que ainda vai lançar, ela vai abordar sobre a dificuldade de entregar afeto. “Isso é uma repetição entre os homens. O romantismo vem quando você olha para o outro e se encanta. Para um homem se encantar por uma mulher ele precisa admirá-la, mas para admirar uma mulher ele precisa destruir o machismo na cabeça dele. Existe, inclusive, uma ideia dentro do feminismo que os homens trocam afeto entre homens. O afeto não está direcionado às mulheres. A troca entre os homens é afetiva, é de admiração. Os homens consomem criação masculina na ciência, admiram na arte… mas as mulheres ficam no lugar só de relação sexual puramente e a gente não está mais satisfeita com esse tipo de relação. A gente quer um olhar para quem somos na totalidade, não para um corpo como se nós fossemos só um corpo disposto a uma relação carnal”, finaliza.