*Por Simone Gondim
Em meio à melancolia de um sábado de carnaval sem festa pelas ruas, por causa dos riscos relacionados à Covid-19, Maria Bethânia pegou o Brasil no colo e embalou ao som de sua primeira live, que durou cerca de uma hora e dez minutos. Com produção impecável e transmissão aberta pelo GloboPlay, a Menina de Oyá comemorou 56 anos de carreira matando as saudades do público, ainda que separada por uma tela. “Ano que vem, se Deus quiser, brincaremos dobrado. Sinto muita falta de vocês todos e sinto fundo. É triste ficar longe, eu não gosto. Mas tenho boa memória, o que garante a grandeza do nosso encontro. Obrigada a todos que confiam no meu canto. Obrigada, Oyá, obrigada, Oxum, obrigada, Nossa Senhora e todos os anjos que me habitam”, disse ela.
Para subir ao palco montado na Grande Sala da Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, Bethânia escolheu branco. “Vim a rigor, de branco. Sigo com a esperança de tê-los e vê-los no meu colo muito breve”, afirmou. Após cantar “Explode coração”, de Gonzaguinha, a artista foi categórica. “Quero vacina, respeito, verdade e misericórdia”, exigiu. Outro momento forte do show foi a interpretação de “2 de junho”, canção-manifesto de Adriana Calcanhotto, que relembra o caso do menino Miguel Otávio, morto no Recife por negligência da patroa de sua mãe, com versos contundentes como “No país negro e racista / No coração da América Latina”.
A data escolhida para transmitir a live é repleta de significado para a artista. Além de marcar a estreia dela nos palcos do Rio, no elenco do emblemático espetáculo “Opinião”, apresentado em plena ditadura militar, coincide com o desfile campeão da escola de samba carioca Mangueira, em 2016, ano em que o enredo era em homenagem à baiana. “Vim comemorar com vocês o 13 de fevereiro, um dia mágico para mim. Aprendi com minha mãe que se deve festejar datas boas”, acrescentou. Paralelamente, “Fevereiros”, documentário recém-lançado em DVD pela gravadora Biscoito Fino, mostra o quanto o mês representa para Bethânia, que faz questão de estar em sua cidade natal, Santo Amaro da Purificação (BA), para as festas religiosas. E sempre ao lado da mãe, Dona Canô (1907-2012), e dos irmãos.
Ao longo da noite, não faltaram sucessos como “Olhos nos olhos”, “Cálice”, “Gostoso demais”, “Negue”, “Onde estará o meu amor” e “Sonho impossível”, nem as pausas para poesia, que são marca registrada da baiana. O belo “Poema do Menino Jesus”, de Fernando Pessoa, foi recitado antes da música “Doce mistério da vida”, em uma dobradinha vista pelos fãs de Bethânia em outras ocasiões. Ao apresentar “Reconvexo”, composta para ela por Caetano Veloso, a artista aproveitou para entremear com versos de “Cavaleiro”, outra canção dele.
Assim como no show “Claros breus”, de 2019, Maria Bethânia incluiu na live a refinada versão de “Evidências”, sucesso na voz da dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó e cantada aos berros em karaokês Brasil afora. “Adoro músicas que fazem a plateia cantar sem medo de errar”, confessou. Para relembrar a época em que se apresentava em boates cariocas, ela trouxe “Bar da noite”, conhecida na interpretação de Nora Ney. “Obrigada a todos que me educaram e me educam. A noite é uma linda mestra”, observou.
Vários famosos e anônimos aproveitaram para homenagear Bethânia e mostrar que estavam prestigiando a live. “Maria Bethânia desafia o espaço-tempo e nos brinda com um momento de êxtase”, disse o fã Vitor Soares. Entre os Tweets reproduzidos na parte inferior da tela, estavam os das cantoras Fafá de Belém e Teresa Cristina, além dos de Paula Lavigne, Boninho, Emanuelle Araújo e Mouhamed Harfouch. “A maior, a maior”, escreveu Fafá. E Emanuelle fez um verdadeiro poema: “Ó Menina de Oyá. Que com seus raios e trovões no canto, corpo e palavra, catalisa nossas dores. Limpa e arrasta tudo o que nos paralisa. Arrebata nossos sonhos e desejos. Teu sabor, tua coragem, tua firmeza que nos traz a certeza de um Brasil que amamos. Do cancioneiro sem tempo e espaço e nenhuma melancolia. Seu 13 de fevereiro, tão celebrado, agora é nosso. Marcado na alma! Mergulhamos e nos salvamos nos mares de Bethânia. Oh @mariabethaniaoficial. Que saúde é a sua graça. Que graça de Deus tê-la nessa vida. Todo o meu amor Você é Cura!!!!!”.
Perto do fim da live, foi a vez de Bethânia homenagear o irmão Caetano, anunciando que a música “Luminosidade”, de Chico César, era para ele. “Dedico essa canção a Caetano e peço a Zeca, meu afilhado e sobrinho querido, que cante essa música. Ele vai cantar lindo”, derreteu-se a artista.
Acompanhada por Paulo Dáflin (violão e guitarra), João Camarero (violão), Marcelo Costa (percussão) e Jorge Helder (baixo), todos usando máscara o show inteiro, a baiana encerrou a noite com “O que é, o que é?”, de Gonzaguinha, deixando o público com um suspiro de saudade solto pelo ar.
Veja a lista de músicas da live de Maria Bethânia:
1. Explode coração
2. Kirimurê
3. Lapa santa
4. De onde eu vim
5. Onde estará o meu amor
6. Gostoso demais
7. Estado de poesia
8. Doce
9. Eu e água
10. Vento de lá
11. Balada de Gisberta
12. 2 de junho
13. Cálice
14. Doce mistério da vida
15. Bar da noite
16. Evidências
17. Lama
18. Negue
19. Olhos nos olhos
20. Volta por cima
21. Lágrima
22. Meu amor é marinheiro
23. Reconvexo
24. Luminosidade
25. Sonho impossível
26. O que é, o que é?
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