Maria Bethânia: ‘Às vezes, o amor joga pétalas sobre nós e reacende. Nos faz lembrar ou ao menos desejar’


Assim, a diva da música brasileira enxerga o amor em tempos pandêmicos, de guerra, conectividade pela internet. “Tem que procurar o amor em outras questões, em outros lados e nem sei dizer direito”, frisou ainda em entrevista ao RJTV, onde relembrou os tempos difíceis dos últimos dois anos quando o isolamento social era mais do que necessário e vacinas contra a Covid ainda não existiam e ela entrou em estúdio para gravar. “A pandemia foi um momento muito difícil. E eu senti uma necessidade pra me salvar, para não entrar em um barato deselegante, ruim pra mim. Sempre que eu estou trabalhando, pelo menos, eu sinto vigor, uma energia, pulso”, ressaltou a Abelha Rainha, que subiu ao palco no Rio com o maestro-gênio João Carlos Martins, no show De Beethoven a Bethânia, abrindo a casa de espetáculos Qualistage, na Barra

Maestro João Carlos Martins e Maria Bethânia no palco do Qualistage (Foto: Vera Donato)

Foi uma noite apoteótica o encontro de Maria Bethânia com o maestro-gênio João Carlos Martins no show ‘João Carlos Martins e Maria Bethânia In Concert – de Beethoven a Bethânia”, na noite de ontem na inauguração do Qualistage, no Rio. “É uma beleza o Rio de Janeiro voltar a ter mais um espaço para a música, para a arte. O maestro João Carlos Martins fez essa graça De Beethoven a Bethânia, um espetáculo lindo com a orquestra que ele comanda e eu tenho uma participação nesse show. Faço dez canções com a orquestra”, contou ela, momentos antes ao RJTV.

Maria Bethânia (Foto: Vera Donato)

E fomos conferir a apresentação na qual em que um dado momento o maestro  salientou sobre ele e Bethânia: “Nós temos tantas coisas em comum. Acreditamos na arte como projeto social. E nós temos em comum esta frase: “A ciência cura o corpo e a arte, a alma”. E prosseguiu com uma licença poética em homenagem à abelha-rainha: “Eu sou muito atrevido”, brincou ao piano ao dar início à música Gabriel’s Oboe, de Ennio Morricone (1928-2020), que foi tema principal do filme The Mission, de 1986, com Robert de Niro, Jeremy Irons, Liam Neeson e direção de Roland Joffé.

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A Abelha-Rainha retribuiu o gesto “cantando uma das músicas mais belas do nosso cancioneiro: ‘Se todos fossem iguais a você‘”(de Vinicius de Moraes e Tom Jobim). Se todos fossem/Iguais a você/Que maravilha viver/Uma canção pelo ar/Uma mulher a cantar/Uma cidade a cantar, a sorrir, a cantar, a pedir/ A beleza de amar/Como o sol, como a flor, como a luz/Amar sem mentir, nem sofrer/Existiria a verdade/Verdade que ninguém vê/Se todos fossem no mundo iguais a você.

Na plateia, uma emocionada Grazi Massafera nos disse: “Esse show ficará para sempre na minha memória. Vou levar para o resto da vida. Um momento muito especial. Estava na expectativa, porque a Bethânia é uma artista completa”. E a atriz conta ainda que já apresentou a cantora para a sua filha, Sofia. “Ela ouve e adora. Hoje, antes de vir para cá, coloquei a minha música favorita “Carta de Amor” para a Sofia escutar”, revelou. Para Alexandre Nero, ator, cantor, compositor e multi-instrumentista, o show foi a síntese da democratização da música clássica nos dias de hoje. Os estilos das músicas interpretadas ao piano pelo maestro e por sua orquestra e as por Maria Bethânia se misturam o tempo inteiro. É lindo de ver essa sinergia”.

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Ao longo dos últimos dois anos, o mundo viveu tempos sombrios decorrentes da pandemia da Covid-19. Individualmente, cada pessoa procurou encontrar a melhor forma de encarar gatilhos para manter a lucidez, para permanecer psicologicamente firme. Um das mais importantes divas da música brasileira buscou… na música um alento. O álbum Noturno, lançado em julho do ano passado, mas cuja primeira etapa de gravação foi realizada em outubro de 2020, se mostrou como uma espécie de tábua da salvação. “A pandemia foi um momento muito difícil. Eu fui para o estúdio por quase uma necessidade para me salvar, para não entrar em um barato deselegante, ruim pra mim. Sempre que eu estou trabalhando, pelo menos, eu sinto vigor, uma energia, pulso e isso me livrou um pouco da grande barra pesada que foi todo esse tempo”, admitiu.

Sobre a parceria com o maestro, Bethânia revelou ao jornalista Fábio Júdice: “João Carlos deu algumas ideias, escolheu algumas canções que, para a orquestra seriam interessantes, e eu escolhi outras que para mim são imprescindíveis cantar agora. Tipo Sonho Impossível”, explicou, citando a versão de Chico Buarque e Ruy Guerra de The Impossible Dream, de Joe Darion (1917-2001) e Mitch Leigh (1928-2014), que ela lançou em 1974. Um trecho da canção diz assim: “Sonhar mais um sonho impossível/Lutar quando é fácil ceder/Vencer o inimigo invencível/Negar quando a regra é vender/Sofrer a tortura implacável/Romper a incabível prisão/Voar num limite improvável/Tocar o inacessível chão/É minha lei, é minha questão/Virar esse mundo, cravar esse chão/Não me importa saber se é terrível demais/Quantas guerras terei que vencer por um pouco de paz”.

A Abelha-Rainha divina no palco (Foto: Vera Donato)

A artista, que sempre cantou o amor, refletiu sobre como enxerga e onde fica o sentimento em tempos pandêmicos, de polarização política e alta potência da web encurtando distâncias. “Ah, o amor é imprescindível. Tem que procurar o amor em outras questões, em outros lados e nem sei dizer direito. O amor fica longe, não é? Mas, às vezes, ele meio que joga umas pétalas dele sobre nós. E reacende, faz a gente lembrar ou pelo menos desejar”, afirmou.

Estrela do movimento da Tropicália, cantora de voz potente, Bethânia é força em cima de um palco. Longe do glamour da profissão, ela se revela uma pessoa de hábito simples. “O horário da vida que eu mais gosto é o da manhã. Saio, à noite, porque eu tenho que trabalhar. A partir do pôr do sol eu não gosto, acho um momento dramático, difícil de lidar, então, eu durmo cedo e acordo cedo, gosto das plantas. De manhã é bom. De tarde, sou um pouquinho preguiçosa, mas sou conversadeira, gosto de falar com os amigos, essas coisas. E de noite é para dormir. Eu troco o turno com o Caetano (Veloso)”, contou com bom humor, referindo-se a seu irmão.