Marcos Valle celebra seus 80 anos no palco: “Por vezes, os artistas só são homenageados depois que morrem”


Marcos Valle foi uma das estrelas de “Vozes do Amanhã” projeto que se dispõe a brincar com a cronologia e promover encontros de várias gerações de artistas. No caso de Marcos, ele cantou com Tulipa Ruiz. Retomaram assim, algo inciiado em 2010 num especial de TV. Em entrevista exclusiva para o Site Heloisa Tolipan direto do camarim do show, Marcos falou sobre festivais da canção, música, e posteridade. Celebrou, de igual forma, haver recebido flores em vida, já que, a seu ver não são poucos os artistas que só ganham afeto após a morte

*por Vitor Antunes

Marcos Valle foi um dos convidados do “Vozes do Amanhã“, evento multiplataforma que teve sua primeira edição do último fim de semana, no Rio. Além de celebrar a possibilidade de encontros entre duas gerações de músicos, Negus, diretor criativo do “Vozes” diz que esta é a premissa do projeto. Não ser apernas um Festival, mas “uma plataforma de encontros inéditos”. Diante disso, surge o inequívoco encontro entre Marcos Valle e Tulipa Ruiz. Valle é um dos nomes exponenciais do cancioneiro nacional. Escreveu desde sucessos populares como “Samba de Verão“, gravado por Caetano Veloso em 2000, como a trilha de fim de ano da Globo, tida até hoje como símbolo de Natal e Ano Novo. É de Paulo Sérgio e Marcos Valle a canção “Hoje é um novo dia de um novo tempo que começou”. Aliás, em se falando nisso, um novo tempo começou para o músico. No dia 14, ele completou 80 anos de vida. E este ano, soma-se a isso, os seus 60 de carreira, os 50 do lançamento da trilha de “Os Ossos do Barão” e do LP “Previsão de Tempo” e os 40 de um de seus mais importantes álbuns, o “Estrelar”: “Acho legal quando olho e mergulho de volta na minha obra. Não volto ao pasado, mas muito da minha música fica. Gosto do que fiz, não renego e muito das vezes me surpreendo”.

Sobre o “Vozes”, seu diretor criativo aponta que “A construção criativa do ‘Vozes do Amanhã’ passa por um olhar cuidadoso sobre como festivais de música tem sido trabalhados em um Brasil pós pandemia e com a economia cultural aquecida. Nossa busca de ser  foi consolidada nos dias de evento e pelo respeito que os artistas escolhidos tiveram com a proposta do nosso projeto. Durante os dois dias, tive a oportunidade de conversar com muitas pessoas do público e tirar aprendizados que serão aplicados nas próximas edições”.

Marcos Valle celebra seus 80 anos no palco num projeto disruptivo (Foto: Divulgação/Vozes)

UM BRASIL QUE VALLE

Difícil falar da carreira de Marcos Valle em face da amplitude de possibilidades que ele construiu em sua atividade profissional. É, sem dúvida, um dos maiores hitmakers do Brasil, tal como seu irmão, Paul Sérgio. Afinal, ambos escreveram juntos boa parte das vezes. É dele e do irmão, sucessos como “Paixão Antiga“, gravada por Tim Maia, e “Preciso Aprender a Ser Só“, gravado por diversas vozes – desde Bethânia a Elizeth Cardoso (1920-1990). Em 1968, os irmãos Valle disputaram o Festival da Canção com a música “Viola Enluarada“, que também tornou-se um clássico. Marcos diz não sentir falta desse tipo de festival competitivo: “Eram legais pois traziam muita gente mas, também, um clima de competição que é prejudicial. Sempre fui aberto a misturar estilos e estar com pessoas que admiro. Então, prefiro estes festivais ao molde de hoje”.

E Marcos prossegue: “Vivemos coisas horríveis com o Governo passado, em que a cultura foi jogada às traças. Agora estamos recuperando, e há festivais como [o Vozes]. Sou mais pela auto-superação que à competição entre artistas”. Em se tratando de auto superação, Marcos reinventou sua carreira em 1983 quando lançou o disco, e a canção “Estrelar”. A música virou ícone do período geração-saúde dos Anos 1980:

É muito louco me dar conta dos 40 anos de “Estrelar”, dos 80 anos de vida, 60 de carreira, 50 de “Previsão do Tempo”. Os artistas, depois que se vão é que são lembrados. Eu ganhei muitas homeagens aqui [no Vozes], assim como no Circo Voador, e querem fazer mais coisas. Sou grato – Marcos Valle

Um papel fundamental de Marcos e Paulo Sérgio foi nas trilhas de novela. Eles são autores da trilha da trama que, na Globo, foi tida como pioneira de um Brasil moderno: “Véu de Noiva”. A dupla de irmãos compôs “Azimuth”,  tema de abertura do folhetim protagonizado por Regina Duarte.  “Não havia uma grande mentalidade no Brasil para se fazer trilha para filmes, mas sim para novelas. Eram os melhores produtos e nos quais havia os melhores atores. Gosto do meu trabalho em “Véu de Noiva” e depois vieram outros como “Selva de Pedra” (1972), “Os Ossos do Barão” (1973), e “Vila Sésamo” (1972). A Globo me dava muita liberdade para criar e brilhar sem necessariamente pensar em algo comercial”. Junto a um show icônico é a vez de Marcos Valle, aos 80 anos ver, como ele próprio disse em canção de 1972, “o amor e as coisas livres, coloridas e nada poluídas”.

“Tem que correr, tem que malhar, tem que suar… Vamos lá!”. Faixa principal de Estrelar, disco de 1983 (Foto: Reprodução)