Em 2015, Florence + The Machine é uma banda que a grande maioria do público conhece. Basta frequentar algum tipo de balada, sem distinção de estilo, e lá estará a voz de Florence Welch ecoando e arrancando palminhas dos presentes, seja no hit inegável “Dog Days Are Over”, seja em um remix eletrônico, dançante e poderoso de Calvin Harris, com quem a mulher de 28 anos tem duas parcerias, ambas no topo dos charts do Reino Unido. Isso sem contar sua trajetória no mundo fashion, onde seu estilo boho chic/gypsy conquistou designers, revistas e editoras.
No Brasil, além de imperar nas pistas de dança e no imaginário de jovens que amam o indie rock ou seus vocais prolongados, Florence + The Machine já se apresentou no Summer Soul Festival, em 2012, e no Rock In Rio, em 2013, conquistando por unanimidade o público. Mas isso foi há dois anos, quando a cantora e sua banda “só” tinham dois discos na manga, “Lungs” e “Ceremonials”.
Hoje, em 2015, a Florence Welch que se prepara para lançar o terceiro álbum da carreira, “How Big, How Blue, How Beautiful”, está mudada. Ela aprendeu a lidar com a fama, com a timidez no palco e com seus próprios demônios, os quais aparecem em suas músicas até de forma literal. Afinal, parte do encanto de Florence é a maneira com que mescla em sincretismo perfeito suas crenças exotéricas com relacionamentos, em metáforas sabáticas e ritualísticas que provam como o amor pode também ser uma religião.
Sim, parte do seu pessimismo ainda está presente nesse álbum, mas é como se ela dançasse em meio a ele, preferindo olhar para a luz no fim do túnel do que para a escuridão. A grandiosidade orquestral de suas músicas também se mantém, mas amplificada pelas mãos do produtor Markus Dravs, que já trabalhou com Coldplay, Björk e Arcade Fire. “Com Markus, eu queria fazer algo que fosse grandioso, mas que tivesse uma certa leveza. Que tivesse ardor, mas fosse enraizado. Acho que por isso retornamos aos instrumentos ao vivo. Algo que foi liderado pela banda”, comenta a vocalista em comunicado oficial, justificando o som mais orgânico do disco, que soa mais com seu primeiro álbum, “Lungs”, do que com o segundo, “Ceremonials”. As produções de gente como Paul Epworth, Kid Harpoon e John Hill, antigos colaboradores de Florence, servem para manter a sua sonoridade original ainda mais enraizada, intacta e evoluída.
Sem mais delongas, veja abaixo uma resenha faixa-a-faixa de “How Big, How Blue, How Beautiful”, que será lançado no 1º de junho pela Universal Records e que a gente ouviu em primeira mão,
“Ship To Wreck”: O terceiro single do álbum é também a sua faixa de abertura. Com harmonia repleta de cordas e metais, ritmo dançante esconde as dúvidas de Florence sobre relacionamento e evidenciam o caráter autodestrutivo da cantora, que tanto a acompanhou em “Ceremonials”. Mas, aqui, ela está mais vigilante e consciente de sua depressão, com referências aos remédios e à bebida que também aparecem no videoclipe.
“Ship To Wreck”
“What Kind of Man”: Como HT comentou na época de seu lançamento, o carro-chefe do álbum traz Florence no ápice de sua agressividade, com guitarras poderosas e gritos cheios de agonia no refrão, que lembram a ferocidade de “Howl”, música do seu disco de estreia. Se for levada em consideração a ordem final das músicas, aqui a vocalista abandona toda a dúvida de “Ship To Wreck” e parte para o ataque e a indignação com seu amante. O coral de fundo e a bateria casada com a trombeta anunciam que Florence não irá recuar nessa briga e está em busca de sangue. Dá quase para sentir pena do produtor de eventos James Nebitt, protagonista do relacionamento ioiô de anos com a artista.
“What Kind of Man”
“How Big, How Blue, How Beautiful”: Inspirada pela imensidão azul do céu de Los Angeles, esta foi a primeira composição para o disco e serve para lhe dar o título. Aqui, ela faz uso de todo o poder orquestral de sua banda, em uma sinfonia grandiosa, emocionante e apaixonada, mais pela vida do que por seu amante. Seu Retorno de Saturno, citado no gancho, lhe abriu os olhos para que o término da relação fosse inevitável e, ao invés de chorar, ela prefere se encantar com o mundo ao redor. “As trombetas no final dessa canção – é isso que o amor é para mim. Uma seção de metais sem fim que se dissipa no espaço. E o leva junto. Você está tão nas alturas e é assim que o amor é para mim. Você apenas quer que ele nunca termine e é um sentimento incrível”, explica a própria.
“How Big, How Blue, How Beautiful” ao vivo (áudio)
“Queen Of Peace”: Dançante, irrequieta e dramática, Florence amplifica ainda mais a grandiosidade da produção, com um refrão em que sua voz ataca em crescente sem fim. Os gritos poderosos dão as caras mais uma vez, toda a agressividade a que têm direito.
“Various Storms & Saints”: Talvez a música que mais se pareça com seu segundo disco, ela aqui canta ao lado de uma guitarra lânguida, envolvente e sombria. Arrependida e reflexiva, aqui não há orquestra, mas mais uma reflexão desesperada e cheia de culpa, permeada por vocais líricos e clássicos que lembram “Never Let Me Go”, com versos como “I am teaching myself how to be free” (“Eu estou me ensinando a ser livre”) e uma nota prolongada no final, quando ela brava “Hold on to your heaaaart” (“Se agarre ao seu coraçãããão”).
“Delilah”: Baseada na história bíblica de Dalila e Sansão, a artista versa sobre a suposta traição de seu amante, enquanto espera por seu telefonema e tenta se convencer de que tudo ficará bem no final. A ira e a sede de vingança que aparecem em “What Kind Of Man” voltam a dar as caras, com vocais mais agudos em momentos pontuais. É uma espécie de “I’m Not Calling You a Liar”, mas mais dançante e enérgica.
“Delilah”
“Long & Lost”: Em uma atmosfera envolvente criada por uma guitarra cuidadosa, a música cheia de agudos traz um som nostálgico e sensual, com um tom sombrio e depressivo em uma das faixas que mais se destacam no álbum. A produção de Ester Dean, hitmaker que já trabalhou com gente como Beyoncé, Rihanna, Jennifer Lopez e por aí vai, se faz presente e servem para garantir uma pegada mais comercial ao mesmo tempo em que impressão autoral da artista não a deixa cair no vão da mesmice.
“Caught”: É a produção mais orgânica e com o som mais “ao vivo” de todo o álbum, ao mesmo tempo em que o refrão tem suas melhores características: vocais envolventes e poderosos, com melodia grudenta, como se Flow estivesse transcendendo a própria dor, no melhor estilo “Leave My Body”. A letra, em determinados momentos, mostra como a artista se sente confortável na própria tristeza e traz uma grande coerência com “St. Jude”, na qual ela divaga: “Maybe I’ve Always been more comfortable in chaos” (“Talvez eu sempre tenha me sentido mais confortável no caos”).
“Third Eye”: Composta apenas por Florence Welch, a música traz uma produção cheia de “whoas” ao fundo e uma bateria que lembra o som épico do Bastille. É também uma das mais positivas de todo o álbum, lembrando ao ouvinte (ou à própria artista) para não se perder na escuridão. É um hino à não-desistência do amor e sua produção otimista remete ao som de “Dog Days Are Over” ou “Shake It Out”. Os versos “You are flesh and blood and you desserve to be loved” (“Você é carne e sangue e merece ser amada”) resumem não só a canção como todo o sentimento geral do disco.
“Third Eye” ao vivo
“St. Jude”: A música mais contemplativa, sombria e pessimista de todo o álbum é também uma das melhores. Ao evocar a santa das causas perdidas, Florence mais uma vez desiste, talvez de forma definitiva agora, de um relacionamento tóxico e que lhe prejudicou na maior parte do tempo. O órgão da produção e a voz tranquila enquanto canta sobre a perda mostram que ela não está mais disposta a lutar por algo que não consegue manter.
“St. Jude”
“Mother”: Escolhida para encerrar a versão standard do disco, é a faixa mais experimental e eletrônica de todo o trabalho, graças à produção de Paul Epworth, que deu esse mesmo toque de sintetizadores psicodélicos ao último lançamento do Coldplay, “Ghost Stories”. Com guitarras distorcidas, arrastadas e dançantes, tem um ar sacana e uma certa influência de bandas clássicas como os Rolling Stones. Uma ótima escolha para encerrar o disco.
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