Luana Carvalho é a rainha do baile, onde troca o pancadão pela suavidade


Clima de nostalgia da adolescência foi o ponto de partida para “Segue o baile”, novo trabalho de Luana Carvalho. Em nove faixas, ela mescla canções autorais com versões mais delicadas de funks de Mc Marcinho, Bob Rum, Latino, Jefferson Jr e Umberto Tavares

Luana Carvalho é a rainha do baile, onde troca o pancadão pela suavidade

*Por Simone Gondim

Filha da Madrinha do Samba e de um jogador de futebol, Luana Carvalho passou a adolescência frequentando bailes funk. Fosse na periferia, na favela, em bairros das zonas Norte e Oeste, na Baixada ou em boates da Zona Sul, onde tinha batidão, lá estava ela. “Aprendia os passos, ensaiava em casa, ia para dançar, levava a sério”, lembra. “Mesmo não sendo das comunidades e arredores, fui sempre bem recebida, acho que, principalmente, por ter amigos que eram ‘nativos’, já que o samba e o futebol me fizeram criar muitos elos no subúrbio e nas favelas do Rio”, acrescenta. Em “Segue o baile”, disponível nas plataformas digitais, a artista resgata essa época com canções autorais e versões de sucessos de Mc Marcinho, Bob Rum, Latino, Jefferson Jr e Umberto Tavares.

Abrindo o álbum, uma bela releitura de “Hoje”, de Jefferson Jr e Umberto Tavares, hit do disco de estreia de Ludmilla, lançado em 2014. Diferentemente da versão original, temos a voz macia de Luana acompanhada por Kassin (baixo acústico), Pedro Sá (violão) e Dedê Silva (bateria e percussão). O ritmo mais delicado transforma a batida pop em algo que, embora ainda seja dançante, também convida a ouvir coladinho em quem se quer pegar gostoso, como diz a letra.

(Foto: Jorge Bispo)

Na sequência, a primeira canção autoral, “Selfie”, vem carregada de crítica à hipocrisia que impera no discurso das elites brancas. Em trechos como “O teu medo é o preconceito que tu não consegue ver” e “Troca a calçada da empregada só pra não cumprimentar / Mas se diz antirracista no discurso popular”, Luana escancara atitudes mais comuns do que a parcela da população que se considera moderna e desconstruída gostaria de admitir. “Minha relação com o funk tem muito em comum com minha relação com o samba, embora, na minha casa, o funk fosse considerado uma espécie de problema sociocultural. Insistia-se em condenar o que chamavam de dominação que, supostamente, a ‘música americana’ estava exercendo sobre espaços dos morros, que deveriam ser de samba, exclusiva e historicamente”, conta a artista.

As quatro músicas seguintes trazem o clima de nostalgia dos bailes frequentados pela adolescente Luana: “Me leva”, de Latino, “Está escrito”, de Bob Rum, “Rap do solitário”, parceria de Mc Marcinho com a dupla Sullivan & Massadas, e “Garota nota 100”, de Mc Marcinho. Os arranjos, entretanto, mantêm a suavidade que norteia o álbum, com destaque para o violão de Pedro Sá em “Me leva”, “Está escrito” e “Garota nota 100”. A percussão de Dedê Silva ajuda a metamorfosear as letras de Bob Rum e Mc Marcinho em baladas, ressaltando o romantismo dos versos.

(Foto: Jorge Bispo)

Entre as inéditas, a única que não tem a assinatura de Luana é “Última oração”, composta por Pedro Bernardes. “Teta sem treta”, parceria da artista com Andreia Horta, levanta a autoestima das mulheres ao mesmo tempo em que aborda um dos fantasmas do universo feminino: o câncer de mama. Para dar mais força à percussão, Zero Telles se junta ao trio de músicos presentes em todas as faixas.

Encerrando o álbum, vem “Mainha”, homenagem que remete tanto a Iemanjá quanto à Beth Carvalho, com tambores no estilo do candomblé. Como diz a canção, Luana também é “mulher, vulcão, força e axé”. “Por incrível e contraditório que pareça, o funk e o samba têm muitas sombras e luzes que se cruzam, artisticamente”, afirma a cantora. “Não foi fácil escolher funks com letras que coubessem na minha boca de mulher branca, de classe média alta, feminista e bissexual. Principalmente, letras que não esbarrassem no que cada vez mais consideramos politicamente incorreto. Esse álbum é o resultado de uma pesquisa profunda e muito engrandecedora para mim”, resume.

(Foto: Jorge Bispo)