Sobre Lobão, Geração 80, e a polêmica participação dos artistas na vida política do país


O crítico de música Jamari França é tácito: “está na hora de trocar o personagem político pelo personagem músico. Ele e nós só temos a ganhar”

* Por Jamari França

O tiroteio causado pela entrevista do Lobão no Roda Viva reavivou a polêmica da participação do artista na vida política do país. Setores da MPB foram fundo na resistência aos desmandos da ditadura nos anos 60 e 70. Quando a Geração 80 do rock brasileiro emergiu, logo foi bombardeada por conservadores da esquerda como vendidos e agentes do imperialismo. Esses críticos quebraram a cara, porque esta geração, ao lado de outras surgidas nas décadas seguintes, criticaram e criticam em alto e bom som os desmandos da democracia manca em que nos encontramos.

Lobão é o caso mais extremo. Ele expressa a fúria dos traídos. Como a maioria dos setores pensantes, honestos e idealistas da sociedade brasileira, acreditou em Lula, fez campanha para o PT, sofreu um boicote de 15 anos da Rede Globo por fazer propaganda do PT no programa do Faustão em um período em que isso era proibido pela legislação eleitoral. E deu no que vemos hoje.

Daí ele radicalizou a ponto de sua excelente obra musical ficar relegada a segundo plano. Ano passado, ele lançou um DVD ao vivo que considerei o melhor do ano, mas dele não fala praticamente nada. Gravou bons discos na fase independente, lutou pela numeração dos discos no Brasil, foi pioneiro na venda de CDs em bancas, lançou 30 nomes novos de 2003 a 2008. Mas hoje está monotemático e acuado nas suas próprias contradições.

Outras bandas se pronunciam, mas não radicalizam. Algumas aproveitam palcos privilegiados para dar recados contundentes, como é o caso do Capital Inicial e dos Detonautas. No Rock in Rio de 2011, Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital, bateu duro: “A regra básica é ‘Nunca confie em um político’. Essa aqui é para as oligarquias que parecem ainda governar o Brasil, coisas inacreditáveis. Essa aqui é para o Congresso do Brasil, em especial para o José Sarney. Isso aqui se chama Que País É Esse.” O publico premiou o então presidente do Senado, mandando-o tomar naquele lugar. Um coro de 100 mil vozes.

O deputado Magno Bacelar, do Partido Verde do Maranhão, feudo dos Sarney, saiu em defesa de seu chefe: “Muitos dos metaleiros vão ali drogados, maconhados e, de certa forma, é uma pequena minoria da população, 100 mil habitantes (sic), para se utilizar da boa vontade das pessoas ali presentes”. No mesmo festival, Tico Santa Cruz, vocalista do Detonautas Roque Clube, deu a tréplica usando a máscara de V de Vingança: “Teve um pela saco, que toma conta do Sarney, que disse que todo mundo que estava aqui no Rock in Rio era maconheiro, que era bandido, que era marginal. Pois bem irmão, prefiro mil vezes conviver com maconheiro honesto do que com bandido de terno e gravata que rouba o povo.” E a multidão novamente mandando o Sarney…

A geração 80 começou com temas cotidianos da juventude, mas logo as bandas mostraram que não representavam uma juventude alienada, como os PCBs da vida acusavam. O Ultraje a Rigor saiu num compacto com Inútil, que inclui o fundamental verso “a gente não sabemos escolher presidente”. Só ia haver eleição em 1990, a música é de 1983, mas quando o Brasil foi às urnas o diagnóstico se mostrou certeiro. Ganhou Fernando Collor de Mello. Logo chegou a Legião Urbana, de Brasília, com Geração Coca Cola, um recado contundente para os pais e o sistema: “Vocês vão ver suas crianças derrubando reis, vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês.” Mais adiante veio Que País É Esse, que nos shows a massa responde: “É a porra do Brasil”.

Os Titãs, em 1986, fizeram do LP Cabeça Dinossauro o manifesto da geração, demolindo Igreja, Polícia, Estado Violência, Família, distribuindo Porrada (“nos caras que não fazem nada”), a Plebe Rude com Proteção, contra a repressão policial. Nos anos 00, os Titãs voltaram a descer o sarrafo em Vossa Excelência com o refrão explícito: “Filha da Puta! Bandido! Corrupto! Ladrão!” Os Detonautas fizeram um retrato amargo da sociedade brasileira em Quem é Você, com estrofes que dissecam diversos aspectos da nossa realidade: “A gente gasta, são 6 meses de salário dando tudo para o governo e não tem quase nada em troca. E o governo vai tomando e gastando seu dinheiro, eles são o parafuso e você é a porca.”

Todos estes protestos são feitos dentro do campo musical e, com isso, não alienam o ofício como acontece com Lobão. Numa entrevista sobre sua autobiografia 50 Anos a Mil, Lobão diz que escreveu com um certo distanciamento: “Eu era um personagem suscetível aos meus caprichos de escritor,” disse à Marília Gabriela. Pois é, está na hora de trocar o personagem político pelo personagem músico. Ele e nós só temos a ganhar com isso.

* Jamari França é jornalista, escreve sobre pop rock desde 1982. Cobriu exclusivamente o Rock Brasil para o Jornal do Brasil nos anos 80, quando se dividia entre o Caderno B e a Editoria Internacional. Trabalhou no Globo Online de 2001 a 2009. É  autor da biografia dos Paralamas, Vamo Batê Lata, e tradutor de livros sobre música e política.