Leticia Sabatella: “Não se pode permitir que ignorância nos jogue na vala. Vivemos o terrível episódio da história”


Aos 50 anos e 30 de televisão, a atriz tem enfrentado crises de ansiedade no decorrer da pandemia da Covid-19. “Eu tenho feito terapia, que tem sido fundamental nesse momento”, frisa. Mas não se deixa paralisar. No papel da Imperatriz Teresa Cristina, mulher de Dom Pedro II, ela vinha gravando a trama das 18 horas, Nos Tempos do Imperador, mas o trabalho foi interrompido mais uma vez pela Globo por questões da pandemia. “A novela vai trazer para o imaginário das pessoas um estadista poderoso, o Dom Pedro II, diferente do que estamos experimentando nesse momento. Como brasileiros estamos carentes de um líder, de um estadista”, frisa. A partir de hoje até segunda-feira, em suas redes sociais, ela vai lançar o filme Caravana Tonteria. sobre o processo de realização do primeiro CD da banda homônima com a qual se apresenta há cinco anos.

Leticia apresenta em suas redes sociais, o filme com os bastidores das gravações do primeiro CD da banda Caravana Tonteria (Foto: Divulgação)

* Por Carlos Lima Costa

Considerada uma das melhores atrizes de sua geração, Leticia Sabatella vive em 2021 uma fase reflexiva decorrente de datas marcantes na vida e na profissão, além do desconforto gerado pela situação pandêmica do Brasil com mais de 300 mil mortos pela Covid-19. “Não podemos permitir que a ignorância continue nos jogando na vala. Vivemos o mais terrível episódio da história moderna do nosso país”, pontua. Este mês, no último dia 8, a estrela completou 50 anos. Celebra ainda três décadas de trajetória na televisão, iniciada em 1991, com o especial Os Homens Querem Paz e a novela O Dono do Mundo. E cinco anos após se tornar vocalista do projeto Caravana Tonteria, onde canta standards da música internacional, ela se prepara para lançar até maio, o primeiro CD da banda. A partir de hoje até a próxima segunda-feira, dia 29, sempre às 19 horas, em suas redes sociais (Instagram, Facebool e canal do YouTube), ela vai lançar o inédito documentário, homônimo ao grupo, que mostra o processo de gravação desse álbum.

Cada dia será exibida uma parte do filme dirigido por Elisa Mendes, seguido de um chat, onde ela irá responder perguntas dos seguidores. “A Caravana virou uma banda afinada com um som que agrada, que permite uma teatralidade na interpretação. É um grupo de jazz teatral. Cantamos e relemos com liberdade vários standards. Podemos brincar, interpretar e fazer dessas músicas quase outras obras”, ressalta Leticia. A artista canta acompanhada de Fernando Alves Pinto, Paulo Braga e Zéli Silva, que tocam respectivamente serrote, piano e contrabaixo acústico. O repertório do CD, gravado na primeira semana de janeir, inclui clássicos em inglês, francês e português como What a Wonderful World, Non, Je ne Regrette Rien, Coração Vagabundo e Geni e o Zepelim, além de músicas compostas por Sabatella, como o tango Tonteria.

Leticia entre Zéli Silva, Fernando Alves Pinto e Paulo Braga, os integrantes do grupo Caravana Tonteria

Leticia entre Zéli Silva, Fernando Alves Pinto e Paulo Braga, os integrantes do grupo Caravana Tonteria

A Caravana surgiu despretensiosamente para participar da Virada Cultural, em São Paulo. “Fomos buscando músicas que tivessem mais apelo popular. Quando nos juntamos, cada um foi trazendo seu universo, o do jazz, o do teatro… sugestões por todos os lados. Participamos de feira cultural no Nordeste, em casas de jazz para um público mais seletivo, estivemos em Nova York, quer dizer, conseguimos atingir um público variado. Os meninos ficam dizendo que tem que ser ‘Letícia Sabatella e Caravana Tonteria’, mas cada um ali tem sua importância. O Paulo tem um nicho de pessoas que o cultuam, assim como o Zéli e o Nando”, explica.

A música sempre esteve presente na vida de Leticia. “Essa carreira aconteceu antes e durante o teatro. Em Curitiba (mineira de nascimento, ela foi morar na capital do Paraná, aos quatro anos, e lá começou a fazer teatro amador aos 14), cantei no Coral Sinfônico do Paraná e no grupo Tuba Intimista. Só que com o tempo a parte atriz demandou uma pesquisa muito grande em um determinado período. Aos pouquinhos, tenho construído uma identidade muito própria”, assegura. O canto esteve presente em vários momentos, como na novela Sangue Bom, onde sua personagem cantava standards e onde interpretou até Silent Kidness, canção que ela compôs para a Caravana Tonteria.

"A ansiedade está um pouco dentro da normalidade do que estamos vivendo. Tenho feito terapia", pontua Leticia (Foto: Divulgação)

“A ansiedade está um pouco dentro da normalidade do que estamos vivendo. Tenho feito terapia”, pontua Leticia (Foto: Divulgação)

A pandemia impactou a vida de Letícia Sabatella. “Sofri como todo mundo. Essa é a sensação. Mas tive a sorte, o privilégio de ter tido o apoio da Globo para ficar em casa o máximo de tempo para cuidar da minha família e onde, pude retornar aos estúdios em segurança com todos os protocolos em um determinado momento onde já não aguentava mais não trabalhar, quando pude também desanuviar daquele confinamento. Agora, paramos as gravações de novo”, explica referindo-se a trama das 18 horas, Nos Tempos do Imperador,  onde interpreta a Imperatriz Teresa Cristina, mulher de Dom Pedro II.

No decorrer do último ano, a estrela conviveu com crises de ansiedade. “Não costuma ser tão forte, mas tem momentos que sim. Passamos por uma situação muito complicada. A ansiedade está um pouco dentro da normalidade do que estamos vivendo. Tenho feito terapia com uma pessoa maravilhosa, que está me ajudando. Já fazia porque preciso mesmo, mas nesse momento foi fundamental”, conta ela, que durante a quarentena, passou um tempo em Curitiba com a filha, Clara, 28 anos, e os pais, Marilza, 74, e Ivan, 77. “Graças a Deus, os dois tomaram recentemente a primeira dose da vacina”, vibra.

Este ano, Leticia completou 50 anos de idade e 30 de televisão (Foto: Reprodução Instagram)

Este ano, Leticia completou 50 anos de idade e 30 de televisão (Foto: Reprodução Instagram)

Em meio a esse caos, a chegada dos 50 anos a leva a um momento de reavaliação? “Todos nós estamos passando por um portalzão de superações e muitos traumas, vivendo esse confinamento. Os 50 anos estão vindo nesse momento significativo, crucial, então, não teria como não reavaliar, não pensar, ponderar. Não é sempre que se faz 50 anos vivendo uma situação terrível como essa, que exige tanto amor e cuidado de nós. Acho que vem várias referências da minha vida do que eu construí, cultivei, persegui e busquei aprender”, assegura.

Não houve uma celebração. “Não há espaço para outro tipo de coisa que não seja a gente falar e reiterar a força cultural que nós temos, a importância da cultura na saúde, a força que temos enquanto cidadãos, enquanto povo, para fortalecer as mulheres e combater a situação de tanta violência e abuso, e a ausência de cuidado de uma sociedade que joga o seu povo sem cuidados em uma pandemia. Eu sinto gratidão por pertencer ao grupo de pessoas que estão lutando, reagindo, querendo construir o que é preciso. Eu quero ser aprendiz de mestres como Darcy Ribeiro (1922-1997), Glauber Rocha (1939-1981) e Dina Sfat (1938-1989), que vieram antes e dos que estão aqui com a gente como Fernanda Montenegro. É estar aprendendo com a sabedoria e não permitir que a ignorância continue nos jogando na vala. Vivemos o mais terrível episódio da história moderna do nosso país. Estou muito insatisfeita com o governo”, ressalta.

Como é a Leticia aos 50? “É engraçado, porque quando eu tinha 20 anos, já era muito cíclica. Então, em alguns momentos estava completamente velha e em outros, era uma menina. Como atriz, tenho a obrigação de estar com a criança sempre junto comigo, ter contato com a minha loucura, com o inconsciente, o lúdico. Continuo variando assim (risos)”, conta.

“Fiz muitos personagens legais, complexos, com graus de dificuldades. Isso pra mim é um voto de confiança, uma credibilidade.

“Fiz muitos personagens legais, complexos, com graus de dificuldades. Isso pra mim é um voto de confiança, uma credibilidade:, ressalta Leticia (Foto: Divulgação)

E garante ainda que o envelhecimento não a incomoda. “Estou bem mais satisfeita comigo, engraçado. Não incomoda o passar dos anos. Agora, talvez eu tenha que procurar um oftalmo para dar uma olhada na vista. Tem aquela coisa engordar, emagrecer. Sempre foi algo que precisei batalhar mesmo, faz parte. Essa vontade de criar um ritmo, manter essa forma física, é uma preocupação que eu acho legal no Rio, onde existe esse culto ao corpo. Nessa fase, a gente já se conhece mais, sabe o que é bom, o que funciona. Nesse autoconhecimento de se cuidar parece que você vai ganhando qualidade de vida, apesar de ter as perdas cognitivas naturais”, analisa.

Satisfeita ela também está com sua trajetória de 30 anos na TV. “Fiz muitos personagens legais, complexos, com graus de dificuldades. Isso pra mim é um voto de confiança, uma credibilidade. É legal saber que tenho credibilidade para ser chamada para bons papéis. Foi muito bom trabalhar com diretores como o José Luiz Villamarin, o Ricardo Waddington, o Dennis Carvalho, as novelas que fiz da Maria Adelaide Amaral e do Gilberto Braga. Adorava fazer Órfãos da Terra, também Tempo de Amar, onde a Delfina era uma vilã maravilhosa, dirigida pelo Jayme Monjardim. Tem o Selton Mello que me dirigiu no Sessão de Terapia e é um supercolega com quem estou fazendo Nos Tempos do Imperador”, ressalta. E traça um paralelo da época em que se passa a trama inédita com a atual. “O quanto de estrutura a gente mudou dessa sociedade patriarcal, escravocrata? Não mudou muita coisa, isso assusta a pensar, porque a camada mais atingida ainda elege um tirano como presidente, um opressor. É muito delicado pensar o que estamos vivendo hoje. Mas a novela é uma obra de aventura, divertida, muito bem escrita para o entretenimento e que tem pitadas, flerta com a história em coisas muito legais que traz para o imaginário da gente um estadista poderoso, o Dom Pedro II, diferente do que a gente está experimentando agora nesse momento. Então, a novela toca nesse eixo. Como brasileiros estamos carentes de um líder, de um estadista”, finaliza.

"Como brasileiros estamos carentes de um líder, de um estadista”, aponta a atriz (Foto: Reprodução Instagram)

“Como brasileiros estamos carentes de um líder, de um estadista”, aponta a atriz (Foto: Reprodução Instagram)