*Por Brunna Condini
Dizer que alguém está ‘ótima’ e nem parece ter a idade que consta na certidão de nascimento, é algo etarista. Não é elogio. Mesmo que a intenção seja das melhores, é preciso que a gente se eduque, se informe, escute como o outro se sente. E, nós, mulheres, como estamos no ‘topo da pirâmide’ desse tipo de preconceito, sempre criticadas por nossas escolhas e desejos, vivendo em uma sociedade que exalta a juventude eterna, busquemos cada vez mais novas formas de expressão para falar da vivacidade alheia, não é mesmo? Dito isto, apresentamos nossa entrevistada de hoje, de uma forma que faz jus à sua potência, que é o que nos interessa: Lan Lanh é uma mulher com seus quase 55 anos (ela comemora aniversário em 23 de maio), cheia de sonhos e que continua desbravando com firmeza, mas muito afeto, sua trajetória na música brasileira. Equilibra as experiências de vida e muita energia ainda para o que vier. E quer mais é que venha! “O que a gente vai perdendo de colágeno, vai ganhando de força e de experiência. No meu caso tem sido assim. Fora que a vinda das meninas foi uma onda de amor e energia em mim”.
Depois da maternidade das gêmeas, Kim e Tiê, de 1 ano e 4 meses (do casamento com a atriz Nanda Costa), ela volta aos palcos cheia de gás, em show solo e inteiramente instrumental. “Semana passada, elas me viram pela primeira vez ao palco. Foram para a passagem de som e conferiram um pouco do início da apresentação, já que era cedo. Fiquei muito emocionada. O palco é minha casa. Convivem com a música o tempo todo, têm contato com instrumentos desde que nasceram, têm muito acesso, são muito estimuladas. Lá em casa temos uma verdadeira ‘Disney Lan’ para as crianças (risos)”, diz. E, nesta nova vida, cabe inclusive uma versão apresentadora. Ela e Nanda Costa vão apresentar um programa no GNT focado nos novos arranjos familiares, com estreia prevista para o segundo semestre.
Mesmo com o pioneirismo e a longa estrada, Lan revela que ainda precisa lidar com o machismo presente no universo musical. “Quando vim para o Rio não parei mais de trabalhar. Era uma das únicas percussionistas mulheres nos shows, estúdios. Passei por muitas situações de machismo. E nessa época, quando me perguntavam nas entrevistas sobre isso, achava que não, dizia que não. Mas hoje, com o empoderamento, fico revendo as situações e percebo o que acontecia. Na verdade, até hoje ainda rola, mesmo depois do reconhecimento, do prestígio, da experiência. Nós, mulheres, estamos sempre tendo que nos provar. Além de tudo, ainda toco um instrumento que sempre foi muito do universo masculino, então os homens não querem saber o que você acha do arranjo, o que tem a dizer, não querem ver você se colocar”, reflete.
“Fui mãe aos 53 anos, mas cheia de energia. Sempre conservei meu espírito jovem, fui muito atlética, me cuidei. Minha profissão também exige muito do meu corpo, da minha mente bem. E isso me mantém assim, faço o que gosto, sou feliz, tranquila. Deus me livre não ter nascido na Bahia, isso ajuda (risos). Não tem fórmula, mas é um pouco disso tudo. Às vezes me surpreendo pensando que vou fazer 55, mas é algo muito natural. Sinto que são os 35 de antigamente. Sou solar, do dia, apesar da minha profissão ter me levado para a noite. Nunca enfiei o ‘pé na jaca de vez’, sempre fui muito equilibrada neste sentido de cuidar da saúde. Hoje tenho mais motivos ainda para querer ficar bem. É uma nova vida que existe desde a chegada das meninas”, conta a musicista, que sobe novamente ao palco com sua apresentação solo na próxima terça-feira (21), às 19h, na Arena do Sesc Copacabana.
E nesta nova vida, cabe inclusive uma versão apresentadora. “Tivemos um encontro muito lindo com a diretora Tatiana Issa. Era um projeto nosso antigo. São três histórias, três mulheres de gerações diferentes. Fomos ao encontro dessas pessoas para ouvi-las, ficamos muito emocionadas. Essas famílias existem e resistem”, comenta Lan Lanh, acrescentando que sempre foi mais ‘família’ e por isso acabou querendo ter a sua.
“Sou de uma família grande, nordestina, com muitas mulheres. Vim muito cedo para o Rio de Janeiro me aventurar na carreira musical. Tenho muitos amigos aqui, que viraram família também. E me juntei com a coragem da Nanda e realizamos esse sonho. Acho que sempre tive o desejo de ter filhos, mas foi passando. Era uma época que essa coisa da inseminação não era comum, mas hoje encontramos uma forma de fazer acontecer, unindo nossos desejos e a disponibilidade nessa jornada”, pontua Lan Lanh.
Eu e Nanda nos equilibramos muito. Foi uma luta para termos nossas meninas, mas deu certo. Sem luta não há vitória. É engraçado, que antes delas, embora amasse crianças, e já tivesse pensado na maternidade, meio que curtia meus sobrinhos e estava feliz, achava que tinha ficado para titia mesmo. E estava tudo bem. Por isso digo que não existe hora certa pra nada. É aquela que se apresenta. Mais cedo, eu estava batalhando, na estrada, crescendo, evoluindo, então acredito que fui mãe quando tinha que ser, quando a vontade e a oportunidade se fizeram. A melhor hora é a nossa – Lan Lanh
Revolução hormonal
“Ter um filho é uma grande jornada. É caro emocionalmente e financeiramente, mas vale muito a pena. Nós não conseguimos na primeira tentativa, então teve um luto, a quantidade de hormônios. Nanda sentia tudo diretamente, mas também senti muita coisa. É louco. Quando ela engravidou, eu ainda menstruava normalmente e parei. Tive enjoo, azia, sensações reais de gestação. Como não menstruei por meses, achei até que já era a menopausa, mas depois que as meninas nasceram, voltei. Passei um tempo ainda menstruando normalmente antes de entrar de fato em um processo de menopausa. Ou seja, passamos, ambas, por uma revolução hormonal”, recorda.
E conclui: “Mas olha, a revolução real aconteceu quando vimos aqueles dois seres lindos, que dependem totalmente de nós. Ainda mais as meninas que vieram prematuras, Nanda teve pré-eclâmpsia, elas foram para a UTI. Foi um processo delicado, eu cuidando das três. Depois, ao chegar em casa, é outra jornada. Muito melhor, inclusive. As pessoas dizem que filho dá trabalho, ora, trabalho nunca me assustou. Sai de casa uma menina, com 17 anos, para ir atrás da profissão. Não tenho medo de trampo. Criar as meninas tem sido um trabalho muito feliz”.
Vocês já casaram no civil, e foi tudo no ‘pacote’ com o nascimento das meninas, mas vai rolar festa de casamento? “Já tínhamos a união estável e fizemos o casamento civil de forma prática, no cartório mesmo, pensando na fertilização, nos direitos das meninas. Não teve celebração, não deu tempo. Agora vamos tentar juntar as famílias para o batizado, e quem sabe fazemos também uma festa de casamento? Pode ser”.
Abrindo caminhos
A artista começou na extinta banda ‘Rabo de Saia’, formada só de meninas no instrumental, com um único vocal masculino, feito por Marcio Melo, há 35 anos. Tida como percursora no cenário instrumental brasileiro, ela relembra sua trajetória. “Era um power trio de meninas. Eu já tocava bateria e comecei a compor nesta época. Fazíamos sucesso na cena alternativa baiana, que estava em plena efervescência do axé music. Meu pai tinha um galpão onde trabalhava, era técnico de balanças, aí vendo a gente, envolvida com a música, minha irmã também começou na música, fez um estúdio neste galpão chamado Sonar. Foi o primeiro estúdio de ensaio de Salvador. Era grande, passou toda música baiana por lá. Luís Caldas nos viu, chamou para tocar com ele, nos trouxe para o Rio, assinamos com gravadora e acabei ficando”, divide Lan Lahn.
“Depois toquei com Carlinhos Brown, que já conhecia há um tempo, com Marisa Monte também. E veio a Cassia (Eller), que amava ver as pessoas brilhando, dava muita liberdade mesmo. Mas acho importante dizer, lembrando de mulheres que abriram caminhos para outras, que antes disso tudo teve uma madrinha importante, que foi a primeira mulher que vi tocando percussão. Sei que me acham pioneira, mas ela é mais, a Monica Milet, neta de Mãe Menininha do Gantois (1894-1986). Ela veio tocar percussão na minha primeira banda e já era consagrada na Bahia, tinha tocado e gravado com Maria Bethânia, Gilberto Gil, Gal Costa (1945-2022), e foi através dela que eu comecei a me interessar por percussão, pela cultura afro, os bastidores dos terreiros de Candomblé. Até então eu tocava bateria”.
Claro que já tive muitas experiências incríveis com o meu trabalho, mas também passei e passo por situações que podem tentar me descredibilizar. Foi difícil, mas acho que fui conquistando o meu lugar com muita coragem, mas muita doçura também. É o meu jeito tranquilo de lidar com tudo isso. É do meu temperamento. Mas essa segurança de dizer que sou uma boa profissional, levei muito tempo para ter, sabe? – Lan Lanh
E acrescenta que o “universo machista vai te deixando até um pouco insegura. Fui conseguindo me estabelecer, mas aconteceram episódios desagradáveis. Já fui enquadrada por mulher de músico dizendo que eu estava querendo ‘roubar’ o show do marido, com ciúme, dizendo que eu estava aparecendo muito na banda. Tudo isso fui passando muito jovem, mas aprendendo a tirar de letra. Não tive traumas, mas hoje faço uma avaliação melhor de tudo isso, porque preconceito a gente sente. Ainda temos que lutar muito, os espaços ainda são muito machistas, liderados por homens”. Lan Lahn, além do trabalho solo, também acompanha Maria Bethânia em shows e festivais e frisa: “Tem sido um sonho”.
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