Por Jamari França *
Lady Gaga tenta transformar forma em conteúdo com clipes e escândalos pessoais para esticar de todas as maneiras seus 15 minutos de fama. Cinco anos de carreira, séria candidata ao titulo de cantora mais apelativa de todos os tempos, ela bota no chinelo, digo, no scarpin todas as antecessoras.
Já que lhe falta a star quality de uma Beyoncé, ela prefere habitar o insaciável universo midiático de onde emergiram a rainha Madonna e suas súditas. Não é a única. Miley Cyrus também vem se esforçando para apagar seu passado de Hanna Montana e se firmar como artista adulta. De maneira equivocada. Na contramão, Lily Allen manda em seu novo single, Hard Out There, que não precisa balançar a bunda, porque tem cérebro. Isso pode se aplicar a Miley, mas não a Gaga. Esta canta, toca piano e compõe. Apesar disso, não parece não confiar muito no próprio taco ou acredita que isso apenas não basta no atual mundo instantâneo.
Ela só acredita ser capaz de atrair a atenção se vier montada num forte esquema marqueteiro que, além dos clipes milionários, inclua mil aprontações, desta vez tem até um vestido que voa. Art Pop, o CD, tem uma bela capa do expoente da pop art, Jeff Koons. A Popular Art transformou o cotidiano em arte, das garrafas de Coca-Cola e sopa Campbell’s aos retratos de Marilyn Monroe. Quando lançou seu primeiro álbum, The Fame (2008), Gaga usou um discurso que cabe bem neste último lançamento: “The Fame não é sobre quem é você, mas sobre como todo mundo quer saber quem você é. Não é apenas um disco, mas todo um movimento de pop art”. Ela dizia que a música pop contemporânea carecia da combinação da imagem do artista com sua música. Falar isso em 2008 depois de décadas de vídeo clipes que conjugaram imagem e música de todas as maneiras possíveis!!!!!! Mesmo furada, a premissa colou.
Gaga fez sucesso, vendeu mais de 100 milhões de álbuns e singles, ganhou cinco Grammy e 13 prêmios da MTV. A crítica viu nela um mix de influências, dos Beatles a Madonna e Michael Jackson e muito mais. Reciclou um monte de ideias para se promover, com o denominador comum de expor seu corpo sarado em biquínis. “Lady Gaga tem a musicalidade e presença de um Michael Jackson combinada à sexualidade provocante e poderosa de uma Madonna,” foi uma das frases dirigidas a ela pela crítica. “Ser provocante não é apenas atrair atenção. É dizer algo que realmente afete as pessoas de maneira real e positiva,” justificou Gaga sobre suas letras que tratam de amor, sexo, religião, drogas, liberdade individual e o que mais.
Lady Gaga se colocou como metamorfose ambulante, nunca a mesma, sempre diferente em todas as aparições, consumida gulosamente pela insaciável imprensa de celebridades pela ousadia de ir a limites impensáveis, como usar um vestido de carne. Apesar de se proclamar diferente usou as mesmas armas de Madonna para se projetar. Sexo com biquínis ousados para o padrão americano, escândalos, nisso foi adiante ao causar um a cada aparição sempre com roupas escandalosas ou verdadeiras instalações, clipes caríssimos de tirar o fôlego e provocações religiosas.
Madonna com o Jesus negro de Like a Prayer, ela com Jesus e um Judas igualmente negros em Judas. A história se repetindo como farsa? O efeito disso tudo foi que a forma se impôs ao conteúdo, a música passou para segundo plano. Todo mundo só queria saber qual era a última aprontação de Lady Gaga. Como a música não é nenhuma maravilha, se comparada aos visuais feéricos que a embalam, Gaga hoje é prisioneira de sua imagem. Ela foi a extremos que a deixaram exaurida. Seu primeiro disco vendeu mais de um milhão de cópias na primeira semana. As projeções para as vendas que foram divulgadas sobre Art Pop em sua primeria semana ficam na faixa de 260 mil a 300 mil cópias. Ela badalou um vestido que voa, nada mais que uma engenhoca com motores eletrônicos que a levantam alguns centímetros do chão e anunciou que vai fazer um show no espaço.
Talvez este seja o caminho: entrar em órbita e virar uma estrela. Uma faixa do novo disco foge de tudo que disse aqui e, quem sabe, aponta um caminho. Dope fala de uma angustiada prisioneira do vício que perdeu um amor. Ela canta de maneira magnífica ao piano, com um viés de Tom Waits na voz, e efeitos eletrônicos. Prova evidente e irrefutável que ela pode se firmar como artista de conteúdo, basta deixar os clichês e a pompa vazia de lado.
*Jamari França é jornalista, escreve sobre pop rock desde 1982. Cobriu exclusivamente o Rock Brasil para o Jornal do Brasil nos anos 80, quando se dividia entre o Caderno B e a Editoria Internacional. Trabalhou no Globo Online de 2001 a 2009. É autor da biografia dos Paralamas, Vamo Batê Lata, e tradutor de livros sobre música e política.
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