Katherina Tsirakis: a música e o céu como refúgios da prisão imposta pelo coronavírus


Respeitando o isolamento social, a cantora, compositora e cineasta gravou em casa o single “Prayer Street”, um lamento em tempos de incerteza e solidão trazidos pelo novo coronavírus. A artista espera que a humanidade reveja posturas em um planeta pós-pandemia. “Já passou da hora de deixar para trás todo tipo de comportamento que não tolera a diferença. Não dá mais para achar que índio não é gente e gay é inferior, por exemplo. Tenho uma história muito triste na minha família, de um homossexual que teve um fim trágico porque não foi aceito pelo pai dele”, diz

*Por Simone Gondim

Para a cantora, compositora e cineasta Katherina Tsirakis, a pandemia causada pelo novo coronavírus trouxe o peso da angústia, especialmente no início do isolamento social imposto como forma de conter a Covid-19. Sozinha em casa com a border collie Lilith e a gata Delay, a artista confessa que os primeiros dias foram os mais difíceis. “Estava muito acostumada a acordar todo dia cedo, ir para a rua e conviver com as pessoas. Nem percebia o quanto era social até a quarentena acontecer. No começo, me bateu uma angústia muito grande, uma sensação de claustrofobia”, revela. “Olhar para o céu foi uma grande chave para me acalmar. Vi que esse era meu único horizonte possível”, acrescenta.

Outra válvula de escape é a música. Katherina compôs e gravou em casa o single “Prayer Street”, cuja letra, em inglês, remete ao mito grego de Pandora, a mulher que libertou todos os males do mundo. O tom sombrio de versos como “After all the monsters leave is there any hope out there?” (“Depois que todos os monstros se forem, existe esperança lá fora?”, em tradução livre) reflete a preocupação que tomou conta da cabeça e do coração da artista. “Sinto muito a falta das pessoas, de conversar, abraçar, beijar. Só leio notícias sobre Covid de manhã, tomando meu café. Não faço mais isso à noite, porque estava me dando muito mal-estar. Algumas vezes, eu não conseguia dormir. Canalizei essa energia para a criação, a fim de manter minha sanidade mental”, conta.

“Nem percebia o quanto era social até a quarentena acontecer”, confessa Katherina (Foto: Reprodução Instagram)

Buscar ajuda profissional foi outra forma de não ceder à letargia que permeia a quarentena.”Já fazia terapia semanalmente e continuei. No começo do isolamento, marquei duas sessões em uma mesma semana e pedi ajuda, porque estava difícil”, lembra Katherina. “Também atrasei em um mês o lançamento do disco “Lilith”, feito antes da pandemia, porque vi minha equipe se desmilinguindo nessa depressão inicial. Todo mundo sendo engolido pelas adversidades do dia a dia”, explica.

A saudade do sobrinho, que tem pouco mais de 1 ano, também pesa. Observar a mudança de atitude dele é mais um sinal do que a cantora, compositora e cineasta já imaginava: nada será como antes quando o período crítico da pandemia chegar ao fim. “Minha relação com meu sobrinho mudou, porque não estou pegando ele no colo. Só dou tchauzinho de longe. Três meses, para uma criança da idade dele, é muita coisa. No começo da quarentena, ele me via e queria quase escalar o muro para passar para o meu colo. Agora, ele me vê e fica olhando assim, de lado. É uma pena. Dói no coração”, lamenta. “A gente vai viver os impactos de tudo isso e precisaremos de um tempo para consertar. É uma conta que não será paga do dia para a noite”, garante.

“Olhar para o céu foi uma grande chave para me acalmar”, revela Katherina (Foto: Reprodução Instagram)

Além de canalizar sua energia para a criação artística, Katherina tem aproveitado esse momento de introspecção forçada para refletir sobre a vida e o mundo. “Vivemos as consequências das nossas próprias escolhas, em uma sociedade na qual sempre precisamos de mais para crescer. Esse processo é devastador”, afirma. Para ela, a Covid-19 é um monstro que estamos colhendo a partir do que decidimos plantar, como destruição da natureza, consumo desenfreado e falta de preocupação com o coletivo. “Temos muitos monstros soltos, especialmente na esfera política, e não estamos conseguindo colocá-los de volta na caixa”, observa.

A artista espera que a humanidade reveja posturas em um planeta pós-pandemia. “Já passou da hora de deixar para trás todo tipo de comportamento que não tolera a diferença. Não dá mais para achar que índio não é gente e gay é inferior, por exemplo. Tenho uma história muito triste na minha família, de um homossexual que teve um fim trágico porque não foi aceito pelo pai dele”, diz.

(Foto: Rafael Martinelli)

Katherina reconhece, entretanto, que existe a possibilidade de os maus hábitos perdurarem quando a Covid-19 deixar de ser uma ameaça. “Gostaria muito que as coisas mudassem, porque acho que essa doença é um aviso do nosso ecossistema de que passamos do limite. Mas sei que, infelizmente, se as coisas estão mais tranquilas, a tendência do ser humano é se acomodar como sociedade, deixar do jeito que está”, pondera.

A artista faz questão de frisar que está fazendo a sua parte para transformar o planeta em um lugar melhor. “Não tem jeito, já mudei. Antes da pandemia, uma das minhas preocupações era a reciclagem. Agora, estou ficando mais radical, no sentido de reduzir meu consumo de produtos que têm embalagem”, ressalta. Ela também fala de atitudes a serem tomadas coletivamente, a fim de evitar um retrocesso. “Andar mais a pé, transformar a cidade em uma coisa mais verde e criar uma representatividade democrática real, parando de ver tanto homem branco no lugar da liderança e começando a mostrar a diversidade da qual a nossa sociedade é composta”, sugere. “Se não mudarmos, vamos sofrer”, acredita.