*Por Vítor Antunes
No teatro, Karin Hils vive Donna Summer (1948-2012), a pioneira da disco music. O gênero musical, com pegada eletrônica, ligeira e moderna que marcou os anos 1970, influenciou gerações. Não à toa, o momento escolhido para o lançamento do seu single “Alô” coincide com a bem-sucedida montagem de “Donna Summer, o musical”, onde Hils vive – junto com Jennifer Nascimento e Amanda Souza – a biografia da diva setentista. Sobre a composição do ícone americano da discothèque, ela comenta: “Sinto como se estivesse fazendo uma “versão” de Donna. O que apresento no palco foi uma construção do meu entendimento dessa diva”. Hils também falou sobre a questão feminina e os desafios pelos quais passam as mulheres artistas, especialmente negras: “Notei, com surpresa, em meio às pesquisas de construção da personagem, que a vida de Donna Summer não foi muito diferente da vida de qualquer mulher nos dias de hoje. Isso me levou a crer que muito tempo se passou, tivemos algumas conquistas, mas ainda temos uma jornada gigante pela frente”, pondera.
Um momento especial na versátil carreira de Karin Hils é o lançamento de “Alô”, no qual estabelece diálogos com suas referências – o pop, o black e a disco: “As músicas que tenho lançado desde “Fogo” têm referências daquilo que eu escuto, de black e pop. Neste novo single, trago elementos dançantes e com sonoridade eletrônica. Considero essa a música mais pop que já lancei até aqui”, observa. No audiovisual, ela integra o elenco de O Coro: Sucesso, Aqui Vou Eu, série criada por Miguel Falabella e produzida pela Nonstop e Formata Produções e Conteúdo para o streaming Disney+.
Cria da Baixada Fluminense, Karin Hils sabe como ninguém das batalhas às quais passam os artistas que saem das cidades que compõem a região. A cantora e atriz é nascida em Paracambi, uma das mais pobres cidades da Região Metropolitana do Rio, e distante em cerca de 80 quilômetros do Centro do Rio. A conexão entre as duas cidades é, costumeiramente, feita pelas linhas do trem urbano. Perguntada sobre o que há de mais ‘Paracambi em si’, Karin respondeu ser “A força, o não desistir. Trata-se de um município pequeno ainda, com poucos recursos para arte e cultura. Então, eu digo que pegar trem e ônibus todos dias, madrugando, com horas de viagem para estudar, trabalhar, ir atrás dos sonhos, não é para qualquer um. Seria fácil desistir no meio do caminho. Trago comigo a resiliência e a força de sonhar e fazer acontecer, além das minhas origens e família, é claro”.
Ainda sobre a temática negra, Karin comenta sobre a sua participação na série “O Sexo e as Negas”, de 2014. O nome do produto, um trocadilho com a série americana “Sex in the City”, não pegou bem especialmente entre o movimento negro, que criticou duramente o projeto, tirado do ar por baixa audiência. Mesmo tendo quatro protagonistas negras e moradoras do subúrbio carioca de Cordovil, nada foi capaz de dirimir a grita popular. Com o distanciamento de oito anos após a controversa estreia, a intérprete de Zulma comenta a polemização em torno do projeto: “Entendo que naquela época foi criada uma polêmica antes da série ter estreado, e, após a trama estar no ar, as pessoas entenderam que não era nada daquilo que estava sendo comentado. O nome da série, sim, pode ter sido um equívoco, já que não falava por si e especificamente sobre a obra. Todavia, foi um trabalho muito bacana, que colocou quatro mulheres pretas ocupando espaços como protagonistas em horário nobre na emissora de maior audiência da TV e abordando temas reais e que dialogavam sobre a liberdade com suas escolhas, origens e corpos. Isso gerou incômodo para alguns”.
De 2014 pra cá, o protagonismo de atores negros, embora ainda tímido, passou a ser mais frequente na teledramaturgia. Nas novelas, especialmente, foram quatro ocasiões – uma na Record e três na Globo. Respectivamente: “Jezabel”, “Nos Tempos do Imperador”, “Cara e Coragem” e “Bom Sucesso”. Embora ainda seja um processo de construção, Karin celebra a presença desses atores em papeis protagônicos: “Fico feliz que essa transformação permaneça com o tempo e que tenhamos cada vez mais lugares de protagonismo ocupados por artistas pretos, não apenas na arte, mas em vários lugares na nossa sociedade, embora tenhamos ainda muito que caminhar, mas estamos todos aprendendo juntos”.
Além das já citadas “Summer” e “O Sexo e as Negas”, há uma parceria de destaque na trajetória artística da atriz, que é a estabelecida com Miguel Falabella. Ambos estiveram juntos em “Pé na Cova” e “Aquele Beijo” além das montagens teatrais de “Hairspray” e “A Mentira”. Desta última a atriz saiu da montagem, justamente para estrelar o musical biográfico da cantora de “Hot Stuff”. Sobre o amigo e parceiro de trabalho, ela conta: “Temos uma sintonia muito grande e sempre falamos isso: Trata-se de um encontro de almas. É uma honra tê-lo como amigo e grande incentivador da minha carreira como atriz. Ele é muito generoso, criativo, viciado em trabalhar e criar. É alguém que eu sempre admirei artisticamente e no qual me inspiro muito. Aprendemos muito um com o outro e isso torna o trabalho ainda mais prazeroso”, exalta.
Outro momento vitorioso na carreira da atriz-cantora foi a sua estreia no show-business, depois de vencer o Popstar e através do retumbante sucesso do grupo pop “Rouge”. O girl group chegou a receber o epíteto de “As Spice Girls brasileiras”. Durante o tempo que estiveram na ativa – entre 2002 e 2006 – venderam mais de dois milhões de cópias de CD’s além de inúmeras turnês pelo Brasil. Depois do término do grupo, as meninas que o compunham estiveram num bem sucedido revival entre 2017 e 2019. O fragoroso sucesso da banda deu origem, inclusive, à montagem de um musical, “Brilha la Luna”, que foi escrito por um fã, o ator Diego Montez, e onde toda a trilha sonora é composta por canções gravadas pelo Rouge. Sobre esta passagem de sua vida, Hils fala da relevância de haver participado do grupo e do espaço que ocupa em sua história: “Sem dúvida (ocupa) um espaço muito grande até hoje, tanto de amor como de cicatrizes. No último retorno que fizemos, consegui ter uma maior percepção ao escutar tantos relatos de carinho e transformação dos fãs e isso, aos quarenta anos, fez todo sentido para mim. Reforça o entendimento da minha missão como artista e da importância que o Rouge teve na infância e juventude de tantas pessoas. Por mais que a gente talvez não tivesse essa dimensão na época, revisitar essas experiências anos mais tarde com esse público já adulto, isso sim, não teve preço”.
Karin é o exemplo de uma frase rotineiramente atribuída a Dostoievski (1821-1881), que diz: “Se quer ser universal, canta tua aldeia”. De Paracambi, trouxe a sua essência e os trilhos do trem de uma vida que ainda tem muitas estações para encontrar. E, de Nilópolis, minúscula cidade da Baixada Fluminense, trouxe a voz de quem quase foi uma locutora de rádio e a Beija-Flor, escola pela qual torce.
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