*Por Felipe Rebouças
Música popular sul-coreana ou apenas K-pop. Esse é o fenômeno do entretenimento musical que atravessou fronteiras de um país do leste asiático, 85 vezes menor que o Brasil, e ocupou o mundo. Empurrados pelos investimentos estatais e privados na divulgação e fomento do gênero, os idols, como são chamados os integrantes das bandas, produzem conteúdos essencialmente híbridos, voltados para o mercado globalizado do audiovisual. Além das melodias viciantes e da formação boyband e girlband dos grupos, chama atenção, à primeira vista, a quantidade de vídeos coreografados, bem como o uso de roupas modernas, jovens e geralmente coloridas. Receita que já está dando certo no Brasil, terra do samba, do futebol, do carnaval, da miscigenação, do sertanejo e do funk, por quê não? A geração teen está aí para corroborar.
Os estilos musicais atrelados ao K-pop também contribuem para seu sucesso. Pop, Rock, Jazz, Hip-Hop, Rap, R&B, Folk, Country, Techno. Todos fazem parte dessa grande salada cultural alimentada por influências ocidentais, sobretudo dos Estados Unidos, e pela música tradicional sul-coreana. Nessa linha, os fãs de K-pop também possuem características variadas. Diferentemente de outros estilos musicais, cujos seguidores tendem a ser reconhecidos em nichos específicos, de acordo com a estética e o modo de viver e consumir.
Sua origem na era moderna data de 1990. O grupo Seo Taiji and Boys marcou época. Ao se apresentar no programa de talentos da emissora MBC, em 1992, com a canção Nan Arayo (I Know, no inglês), ele obteve a classificação mais baixa do júri. No entanto, o público abraçou o refrão marcante e a letra que abordava os problemas da sociedade sul-coreana. O que gerou a contradição perfeita, em rede nacional, para criar um estilo bem-sucedido.
Proeminência vista pelo governo sul-coreano como oportunidade. Em meio a uma das maiores crises econômicas do continente asiático, incluindo a Coréia do Sul, a cultura serviu como alternativa à forte recessão. A primeira experiência que apresentou resultados concretos, contudo, não foi na música. A novela What Is Love, em 1997, transmitida na China, bateu recorde de audiência e fez o governo subsidiar o setor a fim de globalizar a cultura sul-coreana. Para tanto, o governo criou um departamento dentro do Ministério da Cultura inteiramente voltado ao K-pop, por exemplo.
Antes da virada do milênio, cantores do ramo como o próprio Yang Hyun-suk, do Seo Taiji & Boys, criaram as empresas de entretenimento. As três maiores em termos de vendas e receita são a S.M. Entertainment, YG Entertainment e JYP Entertainment, conhecidas como Big Three. As quais, hoje, dominam o mercado de produção massiva de conteúdos vinculados ao K-pop, agenciam bandas e são responsáveis pela formação, treinamento e recrutamento dos idols. Processo este que é frequentemente questionado, sobretudo no Ocidente, por colocar crianças entre dez a 12 anos de idade para se transformarem em atletas do entretenimento. Cantar, dançar, atuar, apresentar, praticar esportes, contar piadas e aprender línguas estrangeiras – geralmente inglês, português e espanhol – são apenas algumas das funções ensinadas pelos trainees.
No vídeo abaixo (com legendas em inglês e espanhol disponíveis) é possível observar de perto como é a vida de um trainee e de que forma o processo de formação de um idol acontece. Yanagi Mizuho, aspirante a idol, conta sobre sua rotina, detalhes da alimentação, horário e desgaste físico durante a prepração. “Minha dieta tem cerca de 300 calorias por dia, sequer bebi água nos últimos dias”, afirma entusiasmada, em uma passagem em que conseguiu bater o peso ideal de 50 kg.
Estima-se que para formar um idol invista-se, ao todo, US$ 3 milhões. E apesar da discussão ética em torno de um treinamento robotizado, baseado em dietas e treinamentos exaustivos, o retorno financeiro acontece. Apenas o BTS, grupo boyband mais famoso da atualidade que igualou aos Beatles ao emplacar três álbuns no topo da lista da Billboard no mesmo ano (2018), gera, por ano, mais de US$ 3,5 bilhões ao país através de publicidade. O novo sucesso da banda, Boy With Luv, em parceria com a cantora norte-americana Halsey, quebrou o recorde de visualizações no YouTube em 24 horas, com 78 milhões de acessos. Além da música e dos clipes, as fontes de renda do K-pop são inesgotáveis. Broches, posters, cartazes, fotos reveladas, utensílios domésticos e vestuário são alguns deles. Há, inclusive, fãs de diversos países que compram álbuns repetidos das bandas que vêm com fotografias dos integrantes, numa lógica semelhantes aos álbuns de figurinhas. Com uma diferença: o valor de um álbum encomendado pela internet varia de 100 a 300 reais cada.
De fenômeno asiático à tendência global, o K-pop estourou a bolha regional e tomou o mundo. A chamada Onda Coreana, ou Hallyu, pode ser observada na Índia, Norte da África, Oriente Médio e América Latina. O primeiro grande sucesso em escala global ocorreu com o rapper Psy, autor do hit Gangnam Style, primeiro conteúdo a ultrapassar a marca de um bilhão de visualizações no YouTube. Atualmente, o vídeo tem 3,5 bilhões de acessos. No Brasil, os ingressos para os shows do BTS, no Allianz Park, em São Paulo, nos dias 25 e 26 de maio de 2019, esgotaram em somente duas horas. Além do retorno financeiro exorbitante que o gênero traz ao país de origem por meio de exportações e fomento da economia interna, há um ganho de influência, dificilmente mensurado, mas que representa poder na realidade de redes.
Segundo a empresa de intercâmbio EF, a busca por vistos de estudante rumo à Coreia do Sul aumentou 300% (dado de 2018) em relação ao ano anterior. O Instituto Rei Sejong oferece cursos, além de bolsas, para brasileiros estudarem no país. No Rio de Janeiro, em 2019, três escolas públicas abriram turmas de estudo do idioma coreano. Ainda que a iconografia fosse empecilho, as vagas foram preenchidas. Nos últimos 15 anos, o turismo na Coréia do Sul triplicou, segundo estudo do Instituto Hyundai. E um a cada 13 turistas afirmou ter visitado o país apenas por causa do BTS, de acordo com a mesma pesquisa.
A estrutura das bandas, ou da carreira solo, comporta algumas funções. São os casos do próprio idol, descrito acima, e do magnae ou maknae, caracterizado por ser o caçula da banda. Outros termos dentro do glossário do K-pop são: antis (haters), bias (membro favorito na banda), ultimate bias (preferido entre os todos os preferidos), comeback (lançamento de single ou álbum), debut (estreia de um artista ou banda na indústria), MV (music video).
Além da famosa BTS, a girlband Blackpink, formada por quatro meninas, também faz muito sucesso, assim como o grupo EXO, com nove integrantes masculinos. Além das bandas consolidadas no mercado, há grupos em ascensão, como ITZY, formado por cinco meninos, tendo mais de 100 milhões de visualizações no hit Dalla Dalla. Também compõem essa prateleira Stray Kids, TXT, Loona e Everglow.
O K-pop mostra-se, a cada dia que passa, um case de sucesso dentro da indústria do entretenimento. A qual está presente em nossos dias a todo momento, cada vez que desbloqueamos o celular, seja no trabalho, nos momentos de lazer ou antes de dormir. Valorização da cultura nacional mesclada com altas doses de profissionalismo e entendimento de mercado fizeram o gênero explodir a nível global. Sucesso que emprega cidadãos sul-coreanos, movimenta a economia local e traz, além do retorno financeiro, holofotes de diversas partes do mundo, inclusive novos visitantes.
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