Junior Lima lança álbum “Solo Vol.2” e cita dupla com Sandy: “Críticas me machucavam e pensei em parar de cantar”


Júnior Lima está lançando um novo álbum “Solo – Volume 2”, que, como o nome sugere, é uma continuação do primeiro disco, liberado há sete meses. Nesta entrevista vemos um Junior maduro, ciente de sua inteligência, talento e plenitude, e que ainda que tenha sido visto, pode não ter sido notado. Durante os tantos e vários anos de carreira ao lado de sua irmã, foi dura e até injustamente criticado, pois era comparado com ela. Na atual fase da vida ressignifica as críticas e dá nova lufada em sua carreira, diante de uma ferramenta que não explorou tanto na vida: “Houve um momento em que decidi não investir na carreira de cantor. Hoje está diferente”. Além disso, Júnior fala se permitiria que seus filhos, Otto e Lara, se lançassem na carreira musical tão novos como ele e Sandy, analisa o atual mercado da música, revisita sua carreira de ator e o fracasso do longa “Acquaria” em 2003, que considera “cult”.

*por Vítor Antunes

De segunda a sexta, Sandy Leah e Durval de Lima são crianças comuns (…) no final de semana saboreiam o estrelato“, dizia a Revista Manchete de 1992. Por anos, esta foi a referência possível e a menção recorrente a Sandy e Junior. Artistas desde muito pequenos, os irmãos passaram por muitas fases, Junior não foi ouvido, ou quando o era, havia críticas. Em várias entrevistas só Sandy era procurada, citada, referenciada e Junior, seu irmão, colocado à sua sombra, tendo seu talento questionado a todo tempo e sua habilidade artística também sublimada. Por esta razão, Junior calou a voz. Satisfez sua arte tocando, fazendo arranjos, saindo do holofote e indo para a técnica, especialmente depois do fim da dupla em 2007. Hoje, não. Resolveu, decidida e literalmente, botar voz na sua narrativa, mandando às favas os críticos e lançou, em dois volumes o álbum “Solo”, no qual investe na verve cantor. “Recebi comentários pesados, quando eu ainda era um moleque. Muitas críticas infundadas me comparavam com minha irmã num lugar injusto. Meu papel era fazer abertura vocal, sendo segunda voz. Algo muito difícil e tem adulto que não faz, e eu fazia aos sete anos. Acreditei nas críticas e me aborreci. Quando entrei na banda Nove Mil Anjos (2008-2009) decidi que poderia até abrir voz numa música ou outra, mas não investiria no lado cantor. Hoje em dia isso é uma coisa mais bem resolvida. Mas pude ressignificar quando mergulhei nesse trabalho solo do novo álbum ainda que tenha levado mais tempo do que imaginei”.

Eu me revoltava com isso. Foi uma defesa. As críticas me machucavam, não eram reais, mas sobretudo, injustas. Em algum momento eu pensei em parar de cantar justamente em razão delas. Por mais que tivesse talento e formas de me realizar na música, me anulei por anos. Na turnê com a Sandy em 2019, me vi nesse lugar com uma voz madura, diferente e entendi que deveria lutar contra isso. Era como se eu validasse o discurso que me machucava, e isso me fazia mal. Percebi o quanto fazia falta produzir a minha verdade artística no retorno do show com Sandy. E me dei conta do quanto estava sendo subaproveitado – Júnior Lima

Ele prossegue dizendo que essa invisibilização em sua arte o anulou de tal forma que sequer pensava em si como cantor. “Já fiz diversos projetos, mas não pensando em carreira solo ou no que eu gostaria de cantar ou soar os elementos que gosto de ouvir ou o que eu acho o máximo quando escuto. Entendo hoje querer organicidade, guitarras e bateria, seja física ou eletrônica, e também fazer o que o som me pede. Meu trabalho só faz sentido se for para fazer dessa forma, com assinatura, e eu tinha que descobrir essa assinatura, nesse mergulho em mim”.

Junior Lima passou por processos para redescobrir a própria voz e relançar a carreira como cantor (Foto: Divulgação)

Com 40 anos de idade e 35 de carreira – se considerar como estreia a aparição no Som Brasil em 1989 – e crescido a olhos vistos e diante do Brasil, quem é esse Júnior maduro? “Com 40 anos a gente tem uma vivência para dar às coisas o peso que elas têm e colocá-las em suas prateleiras. Acho que hoje eu consigo, com análise e profissionais, lidar com isso bem. É peculiar e não muito simples de processar sem surtar e deixar isso com consequências sérias, mas consegui me sair bem”. E se hoje seus filhos Lara e Otto quisessem tornar cantores mirins, Junior também pesaria com equilíbrio. “Eu os encorajaria a estudar, se aprofundar e se preparar. Nesse sentido, dar a eles anos de estudo e preparação, estudar música. Sabendo o que sei e tendo vivido na pele, eu faria de maneira mais cuidadosa com eles, para que tivessem estofo psicológico suficiente, além de um preparo artístico”.

Eu comecei pelo fim, pelo palco, gravando, e foi maravilhoso. Poderia não ter sido, poderia ter sido frustrante. O talento nos permitiu ter um trabalho consistente e passar a adolescência, vigorar como adulto. São poucos casos parecidos com o nosso, meu e da Sandy, a atravessar a vida adulta e seguir carreira, além do impacto psicológico – Junior Lima

Junior Lima lança álbum “Solo” e revisitou parceria com a irmã (Foto: Divulgação)

SOLO

Anos depois do revival com Sandy e de uma pandemia, Junior revela a face mais sólida de sua carreira solo. Mais que estar sozinho, é forma de pisar em terreno próprio, conhecido. Não à toa o álbum que produziu e no qual imprime muita personalidade, leva ao streaming chama assim: “Solo”. O que será lançado neste fim de maio é o “Volume 2“. Para Júnior, o disco estar ganhando os ouvidos do público “é um alívio. Estou trabalhando nesse projeto há anos, e poder acabar com essa expectativa, por querer ver a coisa andando. Acho que vai ser bom ter mais um trabalho realizado, e completar a recepção do meu público a respeito do meu ofício. Esse disco traz elementos que me revelam mais como artista”.

O cantor, porém, pondera com relação às novas diretrizes na forma de consumir música e os atravessamentos da indústria. “É complexo o mercado hoje em relação aos direitos autorais, mas traz uma potência maior de alcance com a música através do meio digital, ainda que traga uma relação superficial em que a música se transforma num conteúdo que precisa ser postado para ser seguido e compreendido pelo algoritmo. As pessoas se relacionam de maneira diferente com as canções. O vinil aproxima a gostar da música e ao que o artista quer mostrar. Eu sou um cara old school nisso. Quero lançar tudo num disco completo com um fio condutor, uma coisa pensada. Mas tenho que me adaptar aos tempos de hoje e fazer disso o melhor possível”. Ele também contesta que a modernidade extrapole os limites da criatividade: “Não acho que a inteligência artificial vá substituir os artistas”.

A relação hoje é muito superficial com música. Eu mesmo, que vivo disso e coleciono vinil tenho dificuldade de decorar o nome das bandas ou quem é cada cantor porque é um volume grande e há muitas compilações, e não se sabe quem é. É uma relação rápida e menos direta – Júnior Lima

Sandy e Junior em 1994 e discos de ouro. O consumo de música mudou (Foto: Revista Manchete/Biblioteca Nacional)

Para Junior, a forma como o álbum foi elaborado passa, conceitualmente, por caminhos e sonoridades diferentes, a qual se põe de forma muito confortável. “Queria trazer a bagagem que trouxe em produzir música eletrônica, que é um universo que a gente não tem muito contato, que é o do sintetizador, que era muito presente nos anos 80 e depois voltou com outra sonoridade e originalidade. O pop permite essas novas misturas e riscos, e eu gosto de entender a minha identidade artística em produzir”.

Ainda não há um planejamento de turnê de Solo, mas não está longe de uma consolidação. “Meu objetivo principal é levantar a turnê e ir atrás de direção e conceito. Estou meio atrasado nesse sentido, mas a intenção é que para o segundo semestre tenha como ir para a estrada”.

No álbum, Junior aposta muito numa pegada pop-rock. Muito se diz que o rock morreu por não estar em evidência e parecer obsoleto, datado. Para ele é uma fase. “Acho que o rock tem muita vida pela frente, volta e voltará. Os tempos áureos ficaram num período, o das grandes referências, os grandes heróis e ídolos do passado. Acho que tende a ficar mais nichado com um público que ama e consome”.

Em período de mais rebeldia e contestação, o rock terá um lugar para voltar, e talvez tenha perdido espaço num período em que não havia indignação –  Júnior Lima

Junior Lima. De pés no chão em seu novo álbum (Foto: Divulgação)

Com os pés no chão, Júnior relembra sua passagem como ator e fala de “Acquaria” (2003), fracasso cinematográfico – e uma das poucas experiências malsucedidas dos irmãos. “Não tenho intenção de voltar a trabalhar como ator. Acho o máximo, mas não me sinto à vontade. É um esforço maior que a música para mim. Tenho sensibilidade como ator por ter feito novela – “Estrela Guia” (2001) e dois filmes – além de “Acquaria”, “O Noviço Rebelde” (1997) – , mas não me sinto à vontade”. Sobre “Acquaria” ele o classifica como cult. “Não se vive só de acertos. Foi um movimento corajoso fazer uma ficção científica e um roteiro difícil de contar, e que não era pop nem palatável. Na época a gente tinha muita coisa rolando e isso não foi uma especialidade de avaliar roteiro e filme. Fizemos, foi uma grande experiência, mas ficou nesse lugar. Não é algo que me impressiona nem para o mal, nem para o bem.”

Assim como Junior resolveu voltar a cantar após a sua turnê com Sandy, aparentemente sua vida atual parece seguir o trilho da trilha cantada pelos irmãos em sua última turnê, na música ‘Abri Os Olhos‘: saber mais do que se quis. Saber mais do que se sabe e, acima de tudo, não querer viver sem ser mais do que é.