Não há momento melhor para destacar o talento de Joyce Cândido. A dona da nova voz do samba embarcou, na segunda-feira, para a Europa em turnê e promete levar calor brasileiro aos países do continente. A partir do dia 23, os europeus terão oportunidade de conhecer mais da bossa da nossa música da melhor forma possível. “Em Budapeste, eu vou cantar no The World Music Exposition, dentro de um barco, no rio Danúbio, tocando piano. Vai ser um pocket show lindo. A Womex é uma das maiores feiras de exposição musical do planeta, vai o mundo inteiro com produtores representando seus artistas, cada ano em um lugar”, contou a artista durante um encontro com o site HT no Rio Othon Palace, tendo a vista da orla de Copacabana como inspiração. Ela estava acompanhada pelo marido, Roberto Pontes (de quem já falamos aqui), produtor, poeta, publicitário, músico e quem assina as lindas fotos, pelo stylist Rômulo Maduro, que pensou na concepção dos looks, por Rosa Bandeira, responsável pela maquiagem, e Adriane Peiter, quem cuidou do cabelo da musa, Jeovana Barbosa, que foi assistente de produção, e Graziella Fulchiron, a label de Joyce na Warner Music. Ah, e não podemos deixar de citar Roberta Dittz, quem cuidou do tratamento das imagens.
Mas voltando ao tema da turnê no exterior, perguntamos, claro, se rolou alguma preparação especial para encarar a empreitada. “Não teve algo específico. É difícil tocar piano cantando, mas, no último pocket show que eu fiz, já apresentei assim. Em shows menores me sinto à vontade e é um treino, também”, disse ela, que, ao lado de Rita Benneditto, Leandro Fregonesi e o pianista erudito Cláudio Dauelsberg, é a responsável por representar o samba de raiz em uma das maiores feiras de música do mundo.
No repertório, além de “O que sinto” – a nossa favorita, de sua autoria em parceria com Roberto Pontes, Joyce entoará clássicos como “Espumas ao vento”, de Accioly Neto, “Folhetim”, de Chico Buarque, “O que será que será”, de Chico Buarque e Milton Nascimento, “Vatapá”, de Dorival Caymmi e fará uma performance mais do que especial, misturando “Dindi” com “Fly me to the moon”. Essa escolha, de acordo com ela, foi para homenagear o ano de Frank Sinatra, o primeiro artista internacional que gravou Tom Jobim.
Pensa que acabou? Após a Womex, ela fica até meados de novembro na Europa. “O Raman, meu assessor, é produtor associado do Sebrae e já tem feito as feiras há algum tempo. Já cantei em cidades de Portugal, Espanha, Itália e França. Temos encarado como investimento em uma carreira internacional”, contou, antes de detalhar seu roteiro: “Saio da Hungria direto para a Lisboa, para o show B.leza. Graças a Womex acabei fazendo outros braços. Tem facilitado muito e, ano que vem, eu vou de novo para shows no verão. É um jeito de entrar no mercado internacional. Em Portugal, eu farei outras apresentações, em Cascales, Coimbra e Porto. Também vou participar de um sarau em Roma, bem especial. Dia 11 de novembro, eu faço um show no Bravo Caffé, na Bolonha, ao lado da Tati Valle, uma amiga que já está lá”, disse.
Apesar de ser uma viagem dedicada ao trabalho, ela garantiu que dá para ser turista também. Joyce, que ama consumir cultura, acredita que visitar lugares é uma das maneiras mais gostosas. Com família em Portugal, ela contou que vai aproveitar para passear por locais que ama. “Vão ser vários momentos bons, vou aproveitar para curtir um pouco. A família já me conheceu convidando para show. Alguns vivem na Serra da Estrela, que não é tão famoso, mas quando eu estive lá achei um dos lugares mais lindos. É como os Alpes Suiços, mas em Portugal. Tem uma vista incrível, neve no topo das montanhas. Eu visitei as casinhas que os meus avós moravam. São de pedra, na serra. Me apaixonei tanto que, desde a primeira vez que fui, volto todo ano. Essa é a quarta oportunidade”, entregou.
A memória afetiva talvez seja um dos grandes motivos de tantas visitas, já que Joyce – que também morou em Nova York por três anos, onde estudou música e dança, acredita que o que importa, mais do que o lugar, é a relação que se cria. “Amo Nova York, porque construí lembranças ótimas. Quando deito para dormir, às vezes me vem uma rua de lá, um bar que eu cantei, me vejo fazendo aulas, indo assistir espetáculos. Eu ia muito ao Central Park, sinto saudades. Tenho essa ligação com a cidade. Na Europa eu senti isso com a Serra da Estrela. Chego e há uma identificação imediata. É um lugar lindo, onde conheci a história da minha família”, destacou ela, que, ao lado do marido Roberto Pontes, produtor cultural de quem já falamos aqui, fará um minidocumentário registrando sua passagem por lugares tão marcantes. “Ele vai para trabalhar também e vamos aproveitar para fazer um documentário da turnê. Quero mostrar a casinha de pedra, esse clima familiar que é o que me move”, adiantou.
Em um editorial de fotos exclusivas para o site HT, o assunto não poderia passar: a relação de Joyce com moda. Bem-vestida e de olho nas tendências, ela contou que a parceria com o personal stylist Rômulo Maduro foi fundamental para o amadurecimento de seu visual. “O Rômulo me conheceu cantando em uma festa. Ele olhou e me perguntou se eu usaria um vestido que pudesse escolher para mim. Falei que sim, usei e, daí, começamos a trabalhar juntos. Produzimos umas fotos legais e, desde, então estou com ele”, disse.
Se nos palcos está sempre impecável, como a Joyce do dia-a-dia se veste? “Eu gosto de descobrir o diferente. Sou de fases. Tive uma época mais hippie durante a faculdade de música, aí eu usava rasteirinha, vestidão, saia estampada. Depois fui mudando, quando morei em Nova York comecei a usar salto alto, casaco, tubinho com meia, outro estilo. Aqui, no Rio, tem essa multiplicidade, é mais descontraído, fui me adaptando”.
Ela, que frequenta todos os tipos de lugares – vai desde as tradicionais rodas de samba na Zona Norte até festas chiques, pré-estreias e jantares, garantiu que se adapta ao ambiente. “Vou de acordo com o que o evento pede. No dia-a-dia uso roupas mais confortáveis. Adoro vestidos, sandálias, tudo mais básico”, contou, emendando que não se considera consumista. “Eu até gosto de comprar, mas deixo mais para viagens”, afirmou.
Já com cultura, ela não economiza. “Aí, sim, eu gosto. Aqui, no Rio, recebo convites para teatro, cinemas, shows. Se fosse em tudo, eu sairia de casa todos os dias e não consigo. Mas, na medida do possível, tento sempre assistir pelo menos um por semana. É o que me dá prazer. Essa cidade tem de tudo, espetáculos toda hora, é ótimo”, se animou. Quando não quer sair de casa, um bom livro basta para deixá-la feliz. Apaixonada por Machado de Assis, ela também e fã de biografias de cantores. Aliás, todo tipo de história a interessa.
“Amo ler. Minha mãe também gosta muito. Então, sempre tive esse incentivo em casa. Quando eu era nova, li vários livros do Machado de Assis ,e quando fui gravar meu primeiro CD, quis incluir ‘Capitu’, música de Luiz Tatit, que fala da personagem”, contou. O amor foi além: “Antes de vir ao Rio pela primeira vez, eu anotei todas as ruas que o autor cita nos livros e visitei cada uma. A Rua do Ouvidor, a Rua das Marrecas, o bairro de Santa Teresa. Queria ver pessoalmente”, explicou.
O passado a fascina tanto – seja no samba, seja na vida, que ela gosta de histórias que a transportem ao universo. “Li a biografia da Carmen Miranda e queria ir ver onde ela morou. Tenho esse amor por tudo que é antigo, vinis, tecidos, panos. Sempre leio pensando que estou vivenciando aquilo. É um momento de descanso e prazer”. Na cabeceira, atualmente, está “Quem me roubou de mim?”, do Padre Fábio de Melo.
“Adoro tudo. De Machado de Assis a Zíbia Gasparetto. Amo espiritismo. Esse é o primeiro do padre Fábio que leio, mas minha mãe também gosta muitíssimo. Não é tão religioso. É mais humano. Ele é um teólogo, meio psicólogo, ajuda a todos”, comentou. Para indicar uma história, parou um tempo para pensar: “Eu releio muita coisa. Um que é legal de ler é a biografia de Luiz Gonzaga, de Dominique Dreyfus, uma escritora francesa incrível, que morou com ele. Não é focado apenas na história de vida dele, mas do Nordeste, de um povo que não é tão contado. A Dominique é uma gringa apaixonada por uma cultura que nem os próprios brasileiros conhecem tanto. Luiz Gonzaga foi uma representatividade enorme para o Nordeste. Um dia, ele começou a tocar baião e o povo pirou. Ele foi na cara e na coragem e se tornou o Rei do Baião”, disse, sobre a obra “Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga”.
Quando se falou sobre música, Joyce confessou ouvir de tudo. “Amo clássicos, mas escuto músicas contemporâneas também. Acho Lenine um compositor incrível e ouço cantores de uma maneira geral, mesmo menos conhecidos. Adoro a Verônica Ferriani, uma menina da minha idade que tem um trabalho autoral lindo. Sempre pesquiso, descubro gente que gosto e passo a acompanhar”. Falando em descobrir novos talentos, perguntamos a opinião de Joyce sobre concursos na televisão, como o “The Voice Brasil”.
“Eu vou ser sincera: assisto pouco televisão. Só filmes e séries, que sou viciada. Acho o ‘The Voice’ bacana, mas não gosto da competição. Música não é esporte. Existe o fato de ser uma projeção na TV Globo, isso é o mais legal. Eu não iria, porque não vejo a música desse jeito, mas acho válido, inclusive já participei de um concurso do ‘Fama’ na época da faculdade. Foi legal, porque eu era mais nova e estava começando, não tinha CD”, opinou ela, que acredita que muitas boas vozes surgem desse tipo de oportunidade.
“A Carla Casarim é minha amiga, participou do ‘The Voice’. Foi um momento bom para ela. Eu não acompanho, mas acabo vendo quem se destaca. Me interesso muito pelas pessoas, mas não pelo formato. Não gosto pra mim, mas acho válido e respeito, até porque temos tão poucas oportunidades de vitrine”, disse, elogiando também o “Superstar”, outro programa musical da Rede Globo. “Os de banda acho até mais bacana, descobrir talentos que nem sabemos que existem. É mais autoral. Tem pouco espaço e acho ótimo que a Globo abriu isso”, analisou.
Falando em autorais e na onda da turnê de Caetano Veloso e Gilberto Gil, perguntamos sua opinião sobre o movimento que os dois cantores tem feito a respeito de reproduções na internet e falta de pagamento. “É um sufoco cantar, tem muita questão burocrática, temos que fazer uma lista de cantores, compositores, tudo certinho, e passar para o Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, que recolhe e repassa direitos autorais a artistas). É confuso. Eu recebo pela Associação Brasileira de Músicos. Eles pagam, mas não dá para saber se é certo, não há esse controle. A minha música tocou muito na rádio e não sei se recebi certo por ela. Quem controla isso é o Ecad, aí ou a gente confia ou briga, né? No caso de gravadora, fazem um levantamento de streaming, spotify e outros e funciona, mas em show e rádio, temos que acreditar no Ecad”, opinou ela, que sempre viveu de música no país e continua, mesmo em tempos de crise.
“Consegui fazer isso, mas dava aulas particulares e em colégios de canto e dança. Além de, claro, cantar e tocar. Agora faz tempo que só canto, mas tem o trabalho que envolve. Apesar de eu ter produtor e empresário, gosto de colocar a mão em tudo. Aprendi fazendo”, contou, mostrando que o lado sonhador dá lugar a uma mulher de fibra, que realiza projetos e toma a frente com suas opiniões.
O machismo, ela garantiu, ainda existe, mas credita à cantoras como Beth Carvalho, Alcione e outras a abertura de portas que há hoje no samba. “Nem está na moda mais o debate. Devemos muito a Beth, que foi uma grande matriarca. Falar madrinha virou moda. Eu mesma já sou madrinha de uma roda de samba em Londrina, a Sambelê. Isso mudou a figura da mulher no samba, hoje tem a coisa da diva. Elas derrubaram muralhas para nós. Somos privilegiadas”, afirmou ela, emendando que o preconceito com samba de raiz é mais forte do que com as mulheres.
“Quando eu comecei, perguntavam porque eu era tão nova e cantava esse ritmo. Agora não tanto. O Edu Krieger, um compositor que tocou comigo no Rock in Rio e tem um trabalho autoral lindo, até chegou a comentar como é incrível que, em uma cidade com dez mil habitantes, 200 gostam da nossa música. De fato é mais ou menos isso. Hoje, a música popular não é mais tão forte, antes tinha mais MPB e os festivais. Aliás, queria ter vivido nessa época, era de verdade, ao vivo. Nossos maiores artistas foram descobertos ali, a elite musical. Os jovens assistiam, eram engajados, a música era de conteúdo e qualidade”, disse ela.
O Rock in Rio, aliás, não poderia ficar de fora do bate-papo. Joyce abriu o primeiro dia do festival em um show animado no Palco Sunset e revelou que a experiência foi um grande desafio. “Fiz o primeiro show da edição, mas foi tão difícil cantar às 15h com o sol de 40 graus. Foi incrível, porque as pessoas passando pela Rock Street paravam para o show. É uma galera diferente, vestida de preto, dançando samba. E curtiram e ficaram. Me senti privilegiada. Agora, eu quero ir todo ano. Entrou para a minha história abrir o Rock in Rio e eu acho muito importante ter música brasileira no festival”, declarou.
Os palcos do Rock in Rio, da Europa e de Nova York já foram conquistados, mas ela planeja ir além. Aonde quer chegar, Joyce? “Pergunta difícil. Estou curtindo a caminhada”, brincou, emendando que adoraria ser tema de um musical, como Beth Carvalho. “O reconhecimento que ela teve em vida, não tem preço que pague. Se eu fosse ela aquele dia, só pensaria como sou incrível. Ela é a voz do samba, descobriu os melhores. Eu chorei o tempo todo da plateia, o repertório da Beth faz parte da minha vida. Quando eu estiver mais velha, quero olhar para trás e ter um musical também. Se eu estiver, aos 70, cantando, mereço um. Quem consegue sobreviver nesse mercado é vitorioso”, declarou. Com sua poesia e a voz doce, quem duvida que chegará lá?
Veja a agenda de shows da turnê de Joyce Cândido pela Europa:
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