*Por Jeff Lessa
Em seu quarto álbum, “Suspiros”, lançado no final de julho, a cantora e compositora Marília Bessy interpreta sua versão muito pessoal de “Vou Festejar”, sucesso de Beth Carvalho (1946-2019) lançado em 1978. Acostumada a ouvir o hit desde o berço – “É o clássico de todas as festas, né?” – Marília decidiu se afastar radicalmente da consagrada interpretação da “madrinha” e deu uma puxada para o blues. O resultado ficou contundente. “Trouxe o discurso vingativo para o pé do ouvido. Primeiro fiz em ritmo de jazz. Depois, rock. E, finalmente, blues. Não é nada carinhosa”, diz, caindo na gargalhada. “Essa letra é uma resposta, e é triste, não é? Pois ficou mais direta, certeira e explícita”.
Em seus discos, desde “Marília Bessy”, de 2006, sempre contou com participações especialíssimas. “No primeiro chamei o Duani, que fez parte do Forróçacana, e o João Cavalcanti (filho do cantor e compositor Lenini e ex-vocalista do grupo Casuarina). O George Israel participou do segundo, ‘Doce Devassa’, em 2010, e o Hyldon (do mega hit “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”) também cantou comigo em uma faixa. No terceiro, ‘Infernynho’, canto ao vivo, num show com Ney Mattogrosso”, conta Marília, que teve este trabalho indicado ao Grammy Latino em 2014. “E agora, em ‘Suspiros’, divido uma faixa com a Roberta Miranda, uma ‘ídola’, sou produzida pelo Michael Sullivan e tenho sete composições com ele”.
Assista:
Impressionante. Mas como consegue tantas colaborações de peso? “Ah, sempre tem um ‘gatilho’. É alguém que te apresenta ao músico ou produtor conhecido, é você que está no lugar certo na hora certa… Conheci o Ney no estúdio. Ele me ouviu. Entreguei meu álbum e, depois de um ano, liguei… ‘Lembra de mim?’. Ele tinha gostado da música e fizemos um show juntos, que virou disco. Hoje, ele é meu padrinho, somos amigos. O Sullivan conheci numa festa, procurei depois…”, revela. “Precisa ter o trabalho pronto e organizado. E cara de pau. Já entreguei muito CD que não foi aberto, não sei nem se chegaram a ver, quanto mais ouvir. Precisa ter resiliência. Já passei por produtores que disseram absurdos, queriam me modificar completamente, me transformar numa boneca. No começo, eu chorava muito, mas hoje estou sempre disposta a ouvir críticas”.
Hoje, o bom humor impera. Pudera: o momento é de comemorar a superação de um período barra pesada, que envolveu depressão e síndrome do pânico. “Tive surdez súbita. O nome é horrível e pouca gente conhece. Precisei ir a quatro médicos para ter o diagnóstico correto”, conta. “Essa doença nada mais é que perder totalmente a audição. Em geral, de um lado só, no meu caso foi no ouvido direito. Passar por isso me levou à depressão. Aos poucos, fui me recuperando, mas foi um período pesado. Hoje tenho 30 por cento de audição e estou cada vez melhor”.
Pois é, aí estão dois assuntos dos quais pouco se fala no Brasil: surdez súbita e depressão. “Tive zumbido, labirintite, tonteiras… Os dois primeiros meses foram os piores. Tomei corticoides e engordei muito rapidamente. Na primeira vez que peguei o violão só conseguia chorar, pois ouvia um som metálico, feio”, lembra Marília. A doença é marcada pelo aparecimento abrupto e sem causa conhecida, e já afetou os músicos americanos will.i.am, frontman do Black Eyed Peas, e Chris Martin, do Coldplay.
Em função da surdez, Marília entrou em depressão e teve síndrome do pânico. “Contei só para o Ney e para o meu guitarrista, Pedro Costa. Não disse nada à família”, revela, acrescentando que não tem problema em falar sobre o assunto: “Falando a gente pode ajudar mais pessoas a sair desse quadro. É muito comum ouvir alguém dizer: ‘Ah, estou com uma enxaqueca’. Mas ninguém chega no trabalho dizendo: ‘Hoje eu estou com uma tremenda depressão’. Vamos falar sim, é preciso debater, mas sempre de maneira positiva”.
Prossigamos, então. Marília quer fazer show no Rio. Não apenas para apresentar as canções de “Suspiros” ao vivo, mas para mostrar, no palco, um dos trabalhos que mais adora fazer: releituras. “É uma das minhas maiores paixões”, revela. Em seus CDs já releu Celso Blues Boy (“Fumando na Escuridão”), Tim Maia (“Não Vou Ficar”) e Gretchen (“Conga Conga Conga”). No show quer apresentar canções de Pabllo Vittar, Alceu Valença, Timbalada… Artistas um tanto díspares, não? “Dei uma costurada para ficar mais harmônico”, diverte-se. “Gosto de música boa, seja de que gênero for”.
Então, ficamos assim: o show deve rolar no final de setembro. Ainda não tem uma data, pois Michael Sullivan vai participar, mas está com a agenda lotada. “A gente até tem um lugar. Queremos fazer esse show juntos e, se ele tiver algum compromisso fora do Rio, teremos que encontrar outro espaço, começar o processo de novo”, explica.
Teremos prazer em sermos os primeiros a anunciar, Marília.
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