Izzy Gordon, de SuperStar: ‘Com a loucura que anda país, estamos reciclando a vida em busca do minimalismo’


A cantora já fez show particular para Bono Vox e Quincy Jones e outro para Paul McCartney. Ela reflete sobre o momento em que celebra três décadas de profissão, ao apresentar o clipe da música A Vingança, que faz parte do álbum O Dia Depois do Fim do Mundo, que vai ser lançado em agosto. “Não desisto, só sei ser feliz assim. São 30 anos de resistência e é uma alegria poder viver disso. Que sirva de exemplo para todos”, observa a artista, irmã de Tony Gordon, vencedor do The Voice Brasil de 2019, e sobrinha de Dolores Duran (1930-1959), ícone da MPB

* Por Carlos Lima Costa

A cantora Izzy Gordon disponibilizou o clipe de A Vingança, dando o start para o lançamento de O Dia Depois do Fim do Mundo, seu quinto álbum, em agosto, um trabalho de poesias musicadas, com o qual celebra 30 anos de carreira, mesclando o samba jazz com a MPB. Além da canção de Sérgio Vaz e Renato Gama, o disco terá mais 11 faixas. Para a artista essas três décadas são de resistência. “Eu brinco que sou a sucessora presente de todas as grandes cantoras, porque não desisto, é a minha arte, o meu ofício, o que eu acredito. Muita gente que começou na mesma época, desistiu, mudou o rumo. Mas eu, quando me encontrei, só sabia e só sei ser feliz assim. Fazer arte é o que me completa totalmente. No início, não tinha tanta estrutura, tanto que já estava com mais de dez anos de carreira quando gravei meu primeiro disco. Esses meus 30 anos realmente tem a ver com resistência. Meu trabalho é bem espiritual, é uma alegria poder viver disso. Tomara que sirva de exemplo para todos. Apesar de tudo, não desista”, pontua ela.

Nesse próximo álbum, Izzy não vai mostrar seu lado compositora. É apenas a intérprete das 12 canções musicadas por Renato. Esse primeiro clipe foi registrado na Vila Nhocuné , bairro da Zona Leste, durante a pandemia. “Com todo cuidado, criamos uma produção mais significativa nesse momento em que as pessoas mais precisam. Então, esse trabalho é puro amor, é colo, cura, incentivo. Fizemos fotos no ferro velho mostrando como o mundo nesse momento está precisando fazer tudo, reciclar emoções. Eu acredito mesmo que com toda essa loucura que anda aqui no nosso país, muita gente está reciclando buscando o minimalismo. Para que tanta ostentação? Acredito que tudo está sendo questionado. Então, esse álbum é isso. Eu até estou na capa com uma echarpe que ao mesmo tempo é uma máscara também”, explica ela que se apresentou ao lado de nomes como Elba Ramalho, Emicida e Margareth Menezes.

A cantora e compositora Izzy Gordon é sobrinha de Dolores Duran (Foto: Junior Santos)

A cantora e compositora Izzy Gordon é sobrinha de Dolores Duran (Foto: Junior Santos)

O primeiro disco a que Izzy se referiu, Aos Mestres Com Carinho – Homenagem a Dolores Duran, reverenciou um ícone da MPB, que aos 12 anos ingressou na área participando e vencendo o programa Calouros em Desfile, da Rádio Tupi, apresentado pelo compositor Ary Barroso (1903-1964), e que morreu prematuramente, aos 29 anos, em 1959, deixando clássicos como A Noite do Meu Bem, além de Estrada do Sol e Por Causa de Você, em parceria com Tom Jobim (1927-1994).

Não foi simplesmente homenagem a uma grande cantora, mas à tia. Dolores era irmã de Denise Duran, mãe de Izzy. “Na década de 50, tinha o lance da dor de cotovelo e ela fazia essas canções. Eram poucas as mulheres que escreviam, ainda mais falando de amor, que era algo contido para as mulheres e ela tinha essa coragem. Mas ela era muito alegre, ousada e eu tenho muito disso dela. Nem minha mãe tem tanto. Mesmo risonha e alegre, eu era muito tímida, mas a música me pegou em um momento espiritual que eu via que não podia guardar comigo e assim fui tendo ousadia. Tenho herança dela nesse sentido”, explica. Nesse álbum, Izzy gravou com a mãe a canção Pela Rua, único dueto das duas em disco. “Quando a minha avó Josepha conheceu o meu avô, ela já tinha a Dolores. Minha mãe foi do segundo casamento”, observa Izzy.

Com o clipe da música A Vingança, Izzy Gordon inicia as celebrações de seus 30 anos de carreira (Foto: Junior Santos)

Com o clipe da música A Vingança, Izzy Gordon inicia as celebrações de seus 30 anos de carreira (Foto: Junior Santos)

Durante um tempo, não se ouvia muito Dolores na casa da família. “Se minha mãe ouvisse a Dolores cantando, começava a ficar triste e aí meu pai acabava não colocando (risos) e a gente não ouvia. Aí quando surgiu a proposta de gravar o disco, falei: ‘Mãe, chegou o momento, além da gente ficar ouvindo Dolores, a senhora vai gravar comigo’. Depois disso, ela recebeu até outros convites, fez alguns especiais. Hoje, aos 85 anos, vacinada com as duas doses, está ótima, ativa, graças a Deus. De vez em quando recebe uns convites, vai e canta, mas não vive a carreira de cantora”, explica Izzy, que após a releitura do repertório de Dolores, teve mais facilidades na carreira. “Com esse disco em mãos consegui entrar mais em centros culturais, e ter recursos para fazer uma parceria e aí gravei meu segundo disco, onde nasceu a Izzy compositora”, ressalta ela, citando o álbum O Que Eu Tenho Pra Dizer, de  2010.

Na família, aliás, foi Dolores a primeira a conhecer o pai de Izzy, o cantor de jazz Dave Gordon (1932-2016). “Ele estava recém chegado da Guiana, onde nasceu. Ela o acompanhou ao piano no Beco das Garrafas e o convidou para um almoço no dia seguinte, mas isso não aconteceu, porque a Dolores faleceu. Aí depois, minha mãe foi apresentada a ele. Os dois casaram no Rio e vieram inaugurar várias casas noturnas aqui em São Paulo, aí minha mãe ficou grávida de mim, foi esfriando a carreira e começou a parar de cantar”, lembra ela.

Izzy Gordon, à dir., canta com os pais Denise Duran e Dave Gordon (Foto: Arquivo Pessoal)

Izzy Gordon, à dir., canta com os pais Denise Duran e Dave Gordon (Foto: Arquivo Pessoal)

Izzy se considera uma mulher empoderada como era a tia. “Ah, sim, e saber viver, porque eu tive um primeiro casamento de quatro para cinco anos. Um dia, falei: ‘Quando nos conhecemos eu não era cantora, como você não simpatiza com isso, vamos separar, mas vamos continuar pais, amigos’. Precisamos ter coragem. Eu tinha dois filhos pequenos, passei um tempo separada, empoderada, fazendo tudo, correndo, trocando pneu (rindo), sabia arrumar um carro que era uma beleza. E, antes de ter o carro, pegando muito trem, ônibus e metrô com os meninos. Tinha certa independência, mas sabendo viver, aí conheci o Edu (Silva, produtor cultural), não o imaginava com esse tino musical. Ele tem muitas ideias, é criativo, ajuda até num detalhe de figurino e isso é uma parceria muito legal, um companheirismo que já dura 26 anos”, observa Izzy, referindo-se ainda aos herdeiros, o modelo Fernando Gordon, 36, e o produtor e DJ Felipe Gordon, 39. “Nós mulheres somos frágeis, a gente está em desvantagem, mas sabemos dos nossos direitos e a gente cuida uma da outra, por isso temos esse poder. Nós estamos empoderadas, porque a gente tem a sororidade agora. Eu acho mais importante é ter a sororidade entre as mulheres, uma cuidando da outra, apoiando, sabendo dos seus direitos, elucidando, ajudando, se apoiando. Tanto que até nesse meu trabalho novo tem as poesias de quatro poetisas, como Neide Almeida e Elisa Lucinda, que escreveu A Ilha, que eu gravei com meu irmão Tony Gordon”, acrescenta citando o cantor de R&B, vencedor da edição do The Voice Brasil, em 2019, e cujo filho, Wil Gordon já enveredou também pela música, e foi vice-campeão do SuperStar, em 2014.

Os irmãos Tony Gordon e Izzy Gordon (Foto: Reprodução Instagram)

Os irmãos Tony Gordon e Izzy Gordon (Foto: Reprodução Instagram)

Izzy também participou do SuperStar. “Tive essa experiência com banda e depois me convidaram para fazer o The Voice, mas é uma loucura minha. Continuo com essa proposta de cultura, de repente estou lá na periferia cantando em um parque, e de ter uma certa liberdade cultural, então, agradeci e recusei. Aí ligaram para o meu irmão, ele curtiu e entrou. Foi bom, ele era muito contido, e as pessoas precisavam conhecer o talento dele, que ficou conhecido nacionalmente e um pouco internacionalmente”, vibra ela.

Desde cedo, Izzy conheceu artistas consagrados e escondida acompanhava o trabalho do pai em sua casa, onde passavam nomes como Tim Maia (1942-1998), Rita Lee e os Mutantes, Wilson Simonal (1938-2000), Jair Rodrigues (1939-2014). “De noite eu ouvia um barulhinho e ficava quieta para não verem que eu tinha acordado. E ficava espiando, vendo aquele universo de contar piada, falar de música. Sempre gostei de admirar, não imaginava que seria cantora”, recorda.

A certeza do caminho que desejava seguir veio após ouvir no rádio a canção Ribbon in The Sky, com Stevie Wonder. “Eu era tímida, mas pensei que não podia guardar somente comigo a voz que Deus tinha me dado. E o que o Stevie Wonder fez por mim eu poderia fazer por outras pessoas. Fui vencendo a timidez e imediatamente já queria sair dando canja”, conta.

"Nós mulheres estamos empoderadas, porque temos a sororidade agora. Eu acho mais importante é ter a sororidade entre as mulheres, uma cuidando da outra, apoiando, elucidando, ajudando", ressalta Izzy Gordon (Foto: Junior Santos)

“Eu acho mais importante é ter a sororidade entre as mulheres, uma cuidando da outra, apoiando, elucidando, ajudando”, ressalta Izzy Gordon (Foto: Junior Santos)

Da mesma forma que o pai se apresentava no bar de um hotel, Izzy teve trajetória semelhante, o que acabou lhe proporcionando dois de seus momentos mais marcantes, um show particular para Bono Vox e Quincy Jones e outro para Paul McCartney. “A diretoria falou que o U2 estava hospedado lá e queria mostrar um show de música brasileira. Me selecionaram e lá fui eu. O Bono foi uma simpatia e chegou acompanhado do Quincy Jones. Eu estava lançando o disco da Dolores e aí eu os presenteei. Nossa, foi maravilhoso, dei uma canjinha com o Bono, brindamos com champanhe, foi superbonito, fui elogiada, aquilo me fortaleceu. E como deu muito certo, depois fui convidada para cantar também para o Paul, o que também foi ótimo”, lembra ela, que marca o início de seus 30 anos de trajetória com o musical Emoções Baratas, sobre Duke Ellington (1899-1974), dirigido pelo José Possi Neto. Mas, na verdade, antes disso já se apresentava em algumas casas noturnas. “Ali iniciei a carreira, mas o aprendizado não para, estou sempre aprendendo”, frisa.

Bono Vox, Quincy Jones e Izzy Gordon, após ela se apresentar para eles em um hotel no Brasil (Foto: Arquivo Pessoal)

Bono Vox, Quincy Jones e Izzy Gordon, após ela se apresentar para eles em um hotel no Brasil (Foto: Arquivo Pessoal)