Ivan Lins faz show que celebra sua carreira e dispara: “O que recebemos dos direitos autorais é quase ofensivo”


Nome potente da Música Popular Brasileira, com números impressionantes de carreira consolidada e hits de sucesso. Ivan Lins fala sobre o atual cenário musical do Brasil; lastima a falta de iniciativas, como os festivais, para estimular a formação de novos talentos, e é, decididamente, crítico ao valor de direitos autorais e conexos destinados aos artistas via streaming: “É ofensivo”. Artista também aborda o fato de estar há alguns pares de anos fora das trilhas sonoras de novela – a última, a princípio foi “Em Família” (2014) e é franco: “Alguma coisa tem que mudar, porque o compositor brasileiro e mundial está condenado a ver a sua obra enfraquecida, explorada por essas duas máquinas poderosas e ricas, gravadoras e streaming. E é algo que se coaduna nesse capitalismo perverso, antropofágico e doentio e é o que está acontecido hoje em dia”

*por Vítor Antunes

Ivan Lins é um dos mais importantes nomes da MPB. O cantor e compositor, dono de vários hits e sucessos imorredouros como “Vitoriosa” e “Lembra de Mim?” fará um show no Rio de Janeiro no qual revisitará seus maiores sucessos, cultivados em 53 anos de carreira. Em entrevista ao Site Heloisa Tolipan, o tijucano fala sobre a requintada apresentação que fará no palco de um dos mais importantes teatros do país, o Theatro Municipal, no Rio. Ivan diz que o show será “baseado nos concertos que tenho feito aqui e internacionalmente. Terá muitos sucessos, cerca de 60% a 70% do show será composto por músicas conhecidas, mas pode aparecer alguma canção mais “lado B”, ou que não tornou-se conhecida à época de seu lançamento original”. Nome conhecido nas trilhas sonoras de novelas, Ivan diz estar há alguns anos fora das seleções de temas dos folhetins – muito possivelmente, a última trama a receber uma música sua foi “Em Família” (2014). Nesse meio tempo, não apenas as trilhas sonoras feitas sob encomenda como os discos com a trilha oficial das tramas, deixaram de acontecer. Ivan Lins prepara para o segundo semestre dois álbuns para o mercado internacional e entra em pré-produção para um aqui no Brasil, apenas com sambas escritos por si. Há anos na profissão, o cantor não poupa críticas para o valor direcionado aos profissionais de música, pelos Direitos Autorais, repassados pelas plataformas de streaming e acredita que, “a música, principalmente por conta da influência da Internet, se superficializou, como tudo na vida. As pessoas pararam de pensar, de raciocinar, de ler e foram perdendo a sua habilidade de melhorar o seu gosto, a sua capacidade de adquirir cultura, ou saborear a grande quantidade de material cultural de excelência que é produzido e ignorado”.

Os valores repassados de direitos autorais são algo ofensivo. O compositor brasileiro e mundial está condenado a ver a sua obra enfraquecida, explorada por essas duas máquinas poderosas e ricas [gravadoras e streaming] e isso se coaduna nesse capitalismo perverso, antropofágico e doentio – Ivan Lins

Ivan Lins. Cantor faz show no Theatro Municipal do Rio e revisita seus maiores sucessos (Foto: Rodrigo Simas)

AGORA

O primeiro LP de Ivan Lins tinha por título “Agora...”, assim com essa reticência. Sugerindo um presente esparramado, inexoravelmente contínuo. Lançado em 1971 pelo extinto selo Forma,  o disco solidifica o início da carreira do cantor, ainda que ele tenha feito participações em Festivais da Canção anteriormente e gravado algumas faixas, como a que intitula o álbum de estreia e “Amiga”, com Claudette Soares. Lançando mão de um trecho de outro sucesso desta fase seminal da carreira do cantor – “O Amor é Meu País” – descobrimos, nesta entrevista que “Quão mais longe se torna o cais, mais lindo é voltar”. Nesta terça feira (23.05), Ivan fará um show especial onde revisitará os principais hits de sua carreira, porém com uma roupagem nova. “Vai ser um mistério, inclusive para mim. Os arranjos são absolutamente novos e são três arranjadores que a Orquestra Atlântica [banda que o acompanha] tem e eu vou conhecer tudo no ensaio. O show baseia-se nos concertos que tenho feito aqui  no Brasil e internacionalmente. Em geral, meus shows constam de cerca de 60, 70% de músicas mais conhecidas, mas pode aparecer uma música inédita, uma canção mais desconhecida, mais lado B, que não foi divulgada na época que saiu em disco. É um show no qual o público participa bastante”, diz ele.

Além desta apresentação, Lins está com dois discos às raias de serem lançados no mercado internacional. Um com a Orquestra Sinfônica da Geórgia – país do leste europeu – e outro com a Sinfônica de Copenhague. E, em primeira mão, antecipou-nos de que entrará em pré-produção ainda neste ano com um disco novo, só com sambas escritos por si.

Ivan Lins promete o lançamento de três discos para breve (Foto: Rodrigo Simas)

 

DEPOIS DOS TEMPORAIS 

Título do álbum de 1983, “Depois dos Temporais“, poderia ilustrar com clareza a trajetória de um artista que atravessou uma ditadura, dois impeachments e forte censura advinda do poder estabelecido. No ano de lançamento deste disco a Censura ainda vigia, e só viria a acabar em 1988. Até aquele momento não eram incomuns as músicas de protesto, o que variava era apenas a contundência. Hoje, a indústria parece cada vez mais aderida ao sistema. Perguntamos a Ivan se ainda há espaço hoje para músicas mais engajadas, críticas. E ele foi assertivo: “Sim. Todo artista, todo compositor é o repórter do seu tempo. Então ele tem que se basear e construir sua obra, falar de sua realidade. [O artista] pode não falar de certas coisas num determinado momento, mas vai acabar se rendendo. Vivemos uma realidade muito dura e tempos muito conturbados no mundo, o que é algo que afeta as economias e provocam problemas graves sociais e ambientais. De uma certa maneira essa realidade aparece exposta na música de muita gente. Porém, muitos artistas se manifestam na internet. Há grupos de profissionais que politicamente são bem informados e ativos, mas nas redes, e isso nem sempre chega ao grande publico”.

Ivan Lins contextualiza sua fala com aquilo que viveu nos 80’s: “O pessoal do rock dos Anos 1980 era extremamente politizado e ativista e continuou fazendo seu trabalho crítico tanto à ditadura, como ao Governo Sarney (1985-1990). Após a redemocratização, muita gente  desceu a marreta, inclusive eu, porque o Brasil continuou o mesmo na questão da ineficiência, da incompetência, do mau-caratismo, da roubalheira, o que prejudicou muito o crescimento do país”.

Sofremos até hoje o impacto da corrupção, da ineficiência, da incompetência do poder público – Ivan Lins

Ainda da época em que os álbuns eram lançados em “discos, fitas ou compact discs”, Ivan diz sentir “saudade do tempo em que o suporte físico era o CD, a fita cassete ou o vinil. A música estava coberta na mídia pública, na TV e no rádio e, por ser aberta, nós tínhamos a chance de fazer nossas canções chegarem ao público brasileiro quase que simultaneamente”.

A internet prejudicou muito ao artista, ao compositor, ao músico e esses são as grandes vítimas dela. O recebimento dos direitos autorais é algo ofensivo tanto pros artistas intérpretes como aos músicos e os seus direitos conexos, assim como aos compositores e seus direitos fonomecânicos. Os direitos autorais são desrespeitados – Ivan Lins

Lins, que já foi dono de gravadora, a Velas, prossegue em sua observação: “Eu acho que o poder econômico prevaleceu com muito peso. As gravadoras se uniram às plataformas, ocuparam 80% do mercado e recebem 80% da monetização bruta da internet, tanto no áudio como no visual. Eu acho que é algo ofensivo. Alguma coisa tem que mudar, porque o compositor brasileiro e mundial está condenado a ver a sua obra enfraquecida, explorada por essas duas máquinas poderosas e ricas. E é algo que se coaduna nesse capitalismo perverso, antropofágico e doentio que está acontecido hoje em dia”, critica. E prossegue: “Eu acho que é preciso haver uma política mais efetiva, que favoreça alguma decisão, que permita alguma mudança. Existem vários projetos e movimentos nesse sentido. A classe artística mesmo está conseguindo ver que o buraco é mais embaixo e reagindo”

Ivan Lins é crítico ao valor destinado ao artistas a partir dos streamings (Foto: Divulgação)

PELO AMOR, PELO FUTURO

Entre 2022 e 2023 grandes nomes faleceram. Erasmo Carlos (1941-2022),  Rita Lee (1947-2023), Gal Costa (1945-2022). Todos da mesma geração que Ivan e o artista vê com pesar estas partidas, também em face de terem sido pessoas próximas de seu convívio. “Vejo com pesar, mesmo sabendo que a vida continua, nós vamos chegando a uma idade sabendo que os amigos começam a sumir. As pessoas que a gente admirava na nossa geração somem… É algo inevitável, inexorável, vai acontecer e continuar acontecendo. A partida do Erasmo [Carlos] foi dolorosa… São pessoas que nos acostumamos a ter em casa, a ouvir no rádio, a saber pelo jornal… São artistas de excelência que basicamente acabam morando na sua casa, que achamos que não vão morrer nunca”.

Quando desaparecem essas pessoas parece que tiraram algo da sala, que fica mais vazia – Ivan Lins

Cria dos Festivais que o revelaram nos 70’s, Ivan lamenta que não haja nada mais que seja próximo a esse formato: “Acho que faz muita falta, inclusive poderia ter outra linguagem, acontecer em outros parâmetros, mas dá para fazer sim novos festivais e ser bem sucedido. Mas isso vai depender muito da inteligência, capacidade, produtividade e criatividade. Esperamos que isso de alguma forma possa mudar. As novas gerações têm sentido muita dificuldade de serem nacionalmente conhecidas”.

Ivan Lins lastima que não tenham mais festivais de música no Brasil (Foto: Rodrigo Simas)

 

PERSONAGENS À PROCURA DE UM AUTOR DE FOLHETINS

O titulo acima, tal como o de todos os outros nesta reportagem, faz menção a um B-side da carreira de Ivan Lins. Agora a referência é a música “Silvana”, tema de Lucélia Santos na novela “Vereda Tropical” (1984), e música escrita especificamente para a personagem – que coincidentemente ou não tinha muito a ver com a história da própria Lucélia. A canção era interpretada por Zizi Possi. Em 2018, Zizi redescobriu uma gravação sua, esquecida, de uma música de Ivan Lins e Vítor Martins, “A Força“, que entrou na trilha da inexpressiva “O Todo Poderoso“, da Band. Não foram poucas as canções de Ivan Lins a entrarem em novelas.

Eduardo Tornaghi era o protagonista de “O Todo Poderoso” da Bandeirantes (Foto: Reprodução/Revista Amiga)

A primeira novela a ter uma música de Ivan Lins em sua trilha foi “Assim na terra como no Céu“, de 1970. Porém, a letra não era dele, mas de Roberto Menescal e Paulinho Tapajós (1943-2013). A canção teve as vozes tanto de Ivan como de Claudette Soares. Lins fala sobre esta gravação. “Eu era contratado da Philips e não tinha LP gravado, só o faria no ano seguinte, em janeiro de 1971. Eu ainda estava engatinhando nos estúdios e foi uma experiência diferente, já que eu não estava cantando uma música minha – algo que não havia feito até então. Claudette foi de uma doçura imensa nesta época e acabou gravando outras musicas minhas entre 71 e 72. Uma amizade que nasceu dessa gravação” .

Dina Sfat e Jardel Filho em “Assim na terra como no Céu” (Foto: Arquivo/CEDOC)

O ano seguinte marca uma presença dupla de Lins em LP’s de trilha sonora. A música e a novela chamavam-se “A próxima Atração“, trama de repercussão mediana escrita por Walter Negrão. A outra, talvez o maior sucesso do álbum, e da carreira de Ivan, foi “Madalena”, cantada por Elis Regina. Após esta, muitas outras novelas vieram. “Lembra de Mim“, em “História de Amor“, e “Iluminados“, de “Direito de Amar” são dois exemplos. Aliás, nesta última, um outro fato raro. Possivelmente a única novela a trazer a mesma música cantada pelo mesmo cantor – e autor – com dois arranjos diferentes no mesmo disco. A versão oficial de “Iluminados” abre a trilha oficial de “Direito de Amar” e a outra, rearranjada para a abertura, encerra o lado B do disco. Ivan explica: “Foi uma decisão da gravadora nessa época. Os produtores eram músicos ou ex-músicos, mas intimamente ligados à musica, ao mercado. Eles gostaram das duas versões e colocaram-nas no elepê”. Pelo menos desde “Em Família“, não há músicas de Ivan em trilhas sonoras de novelas.

Minha músicas costumavam entrar em novelas, algo que nos últimos anos parou de acontecer. Talvez por estarem se ocupando mais com as novas gerações – Ivan Lins

Lauro Corona e Glória Pires. Atores protagonizaram “Direito de Amar”, em 1987 (Foto: CEDOC/TV Globo)

Ainda sobre a entrada de músicas nas novelas, Lins pondera: “É uma coisa comercial das emissoras, que preferem colocar canções conhecidas e que casem com o personagem. Claro que elas sofrem pressão das gravadoras para que coloquem seu produto e todos querem que sua música entre numa novela, uma mídia muito aberta que todo mundo assiste e tem uma audiência forte. Isso impulsiona algumas musicas a tocarem muito na rádio e ficam conhecidas por conta disso. Algo que funciona melhor que na internet, o que é difícil de chegar ao grande público e chegam, às tribos que cada artista e compositor tem, e seu público determinado. É só no boca a boca que estas pessoas serão conhecidas o que dificulta fazê-las famosas nacionalmente”.

Susana Vieira em “A próxima Atração”. Segunda novela da atriz na Globo, esta foi a primeira a trazer Ivan Lins na música de abertura (Foto: Acervo/Globo)

Tendo um de seus maiores sucessos uma música chamada “Lembra de mim?“, perguntamos a Ivan qual memória ele não gostaria de perder da vida. E, dentre tantas coisas imprescindíveis lembrou de uma que teria como única. Inesquecível na substância: “O nascimento dos meus dois filhos, João e Cláudio”. Por toda força, toda paciência, toda a lisura, toda a decência. A força de ir até do fim ao sim. Suas músicas não foram compostas, mas descobertas. Um barco de velas içadas que abraça o oceano da poesia.