“Irmão, a moda é do preto e vem do preto, o funk já dominou tudo”, diz Rennan da Penha


Uma das figuras mais faladas nos últimos tempos, DJ Rennan da Penha conversou com o site Heloisa Tolipan sobre música, família e o atual momento de vida. O criador do Baile da Gaiola e patrono do funk 150 bpm, aos 25 anos, retornou à casa em dezembro após revogação da prisão em 2ª instância, segundo decisão do STF. O músico passou nove meses no Complexo Penitenciário de Gericinó. Na Penha, coordenava o baile que chegou a receber mais de 20 mil pessoas em julho de 2018. Hoje ele quer “recuperar o tempo perdido aos poucos”, afirma o DJ

*Por Felipe Rebouças

Com mais de 3 milhões de ouvintes mensais no Spotify, quase 250 milhões de visualizações totais no Youtube e vencedor do Prêmio Multishow 2019 de melhor produtor e melhor canção do ano, com ‘Hoje Eu Vou Parar na Gaiola’, Rennan da Penha é o cara do momento. Todo contexto em torno de sua prisão, em março do ano passado, ainda reforçou os holofotes em direção ao artista, que serviu de pano de fundo para as discussões acerca da criminalização do funk na sociedade brasileira.

Bandeira que foi levantada tanto pelos funkeiros quanto por demais figuras da cena musical e artística nacionais. “Há um paralelo muito forte entre a criminalização que ocorreu com o samba [hoje consagrado] no início do século passado e a que ocorre com o funk atualmente”, comenta o historiador Paulo Pace. “Nascido na favela, negro e funkeiro. A nossa sociedade ainda não se acostumou com o sucesso dessa gente”, completa.

Rennan ao lado da esposa Lorena Vieira e da mãe Ana Maria dos Santos, no último dia 23 de novembro, quando deixou a prisão. (Reprodução/Twitter)

A #LiberdadeRennanDaPenha esteve em todos os lugares em 2019. Nos palcos, em faixas, cartazes e nos assuntos mais comentados no Twitter. Para alegria de todos e felicidade geral da nação, ele está de volta ao batente e livre para criar seu filho, Bryan, de quatro anos, ao lado da esposa, Lorena Vieira.

Heloisa Tolipan – Você se considera um embaixador do funk carioca?

Rennan da Penha – Não, embaixador do funk não. É algo muito pesado para mim. Mas eu tento me expressar o máximo possível pra levar nosso ritmo à frente. É com a minha forma de expressar que consegui conquistar as coisas até aqui.

HT – Quais são suas referências musicais?

RP – Minhas referências musicais são Phil Collins, 50 Cent, Elton John, The Manhattans. A maioria são dos anos 80, meu pai adorava escutar e eu aprendi a gostar. É engraçado, porque as referências são totalmente diferentes das músicas que eu toco na noite.

HT – Qual sua relação com o funk?

RP – Eu ouço funk 24 horas, sem querer ouvir funk 24 horas entendeu? Eu vivo funk, já acordo ouvindo funk. Eu trabalho com isso, então no automático as pessoas me enviam músicas e conteúdos sobre funk o tempo todo. É algo que se torna um pouco repetitivo. Então prefiro, em casa, escutar um Hip-Hop, uma música dos anos 80, um R&B, prefiro escutar um Pop. Ainda mais que eu fui criado escutando esse tipo de música – ao fundo, na ligação é possível escutar um Hip-Hop dos EUA.

DJ Rennan da Penha com o Prêmio Multishow de melhor produtor e melhor canção, por ‘Hoje Eu Vou Parar na Gaiola’, em parceria com Mc Livinho. (Reprodução/Twitter)

HT – Depois de tudo que aconteceu com você desde 2016, qual o recado que você manda para o público que o acompanha? 

RP – Estou tentando recuperar o tempo perdido, o tempo que ficou para trás. Meu filho, minha família… Tudo ainda estou tentando recuperar aos poucos.

HT – E a família, costuma ficar em casa ou o segue por onde você for? Como vai a criação do primeiro filho?

RP – Todos costumam ficar em casa. Como disse, estou recuperando o tempo perdido, inclusive com ele [Bryan, de 4 anos de idade].

HT – O carnaval passou, mas você acha que o funk já faz parte de vez dessa festa tão caracterizada pelo samba?

RP – A festa pode ser de algum outro ritmo, mas o DJ uma hora ou outra vai puxar um funk para agitar o público. O funk já está na veia de todo mundo. Quem curte a noite, quem sai para as baladas. Não tem como falar, hoje, que funk não faz parte de alguma festa. Seja ela carnaval ou festa junina, tem que tocar funk.

HT – Por falar em samba, um estilo que já foi criminalizado no passado e hoje é exaltado tanto aqui quanto no resto do mundo como símbolo cultural brasileiro, você enxerga um comparativo com o atual momento do funk?

RP – Só não enxerga o funk quem não quer, ou tem algum tipo de preconceito. Não adianta negar o funk. Ele já dominou tudo. O Brasil todo. Então não tem como falar que o funk está fora de alguma festa, entendeu?

“Estou tentando recuperar o tempo perdido, o tempo que ficou para trás. Meu filho, minha família… Tudo ainda estou tentando recuperar aos poucos”, afirma o artista. (Reprodução/Twitter)

HT – Você acredita que o movimento funkeiro como um todo, sobretudo no Rio de Janeiro, tem conseguido êxito em suas propostas de engajamento ou ainda sofre com a rejeição de parte da sociedade?

RP – O funk faz parte da nossa cultura. Se parar para analisar, o funk carioca, o funk entendido como brasileiro, já está sendo comercializado lá fora. A Jennifer Lopez já fez uma música com batida de funk. Eu acho que tem que se profissionalizar mais aqui para absorverem melhor lá fora. Mas acho que falta pouco para chegarmos nesse nível.

HT – O que você tem a falar para as pessoas que dizem que “ser preto virou moda”?

RP – Preto sempre foi moda! Usar roupas exóticas, cabelo que ninguém tem coragem de lançar. O preto sempre foi moda e sempre vai ser. A moda é do preto e vem do preto. Por mais que não seja direcionada ao preto, o preto faz uma combinação original e inspira as pessoas.

HT – Todos sabem que você é flamenguista. E na arquibancada da Apoteose, alguma escola tem lugar no seu coração?

RP – Eu nunca tive essa cultura de sair para carnaval e acompanhar escolas de samba. Eu não me ligo muito, mas acho muito legal. Tudo que vem da gente e se torna algo muito grandioso acho legal, mas eu não curto. Não sou muito fã de samba.

“Nascido na favela, negro e funkeiro. A nossa sociedade ainda não se acostumou com o sucesso dessa gente”, afirma o historiador Paulo Pace. (Reprodução/Twitter)