Grupo Estação: como um filme, seu futuro depende de jurista de caráter, tipo Gregory Peck em “O sol é para todos”!


Com o risco de ter falência decretada, a rede de cinemas de arte carioca movimenta o Facebook e ganha a adesão de quem não quer saber de boquinha da garrafa!

O Facebook está fervilhando com “Apoio ao Grupo Estação!”, um daqueles casos em que a mobilização se dá através das mídias sociais. Até o momento do fechamento dessa matéria, 2056 membros já haviam aderido à página, criada há pouco mais de 15 horas, e à causa a favor de Marcelo França Mendes, o homem por trás dessa rede de cinemas de arte do Rio de Janeiro, 49 anos e 30 deles dedicados às salas que fundou sob a chancela do Estação. A questão é grave, mas simples: no dia 3 de abril, um juiz bate o martelo definindo se poderá haver recuperação para a rede (de cinemas), que passa por forte crise financeira, ou se será decretada sua falência. O agravamento da situação do Grupo Estação aumentou em 2011, um ano após os sócios o haverem vendido a um fundo de investimento, devido às dificuldades que passava por ter recebido um calote do então prefeito Cesar Maia, em 2007, após o Festival do Rio e também por outras dívidas contraídas. O tal fundo prometeu mundos e fundos e, pior que este trocadinho infame nesta matéria, ainda duplicou as dívidas, confirmando que cultura, no Brasil, é lamentavelmente um buraco sem fundo. Portanto, a solução da questão reside no fato de o honorável membro do judiciário que julgar a causa ser fã de carteirinha de gente como Wong Kar-Wai ou admitir – formalmente ou nas entrelinhas – se sua amplitude cultural se resume ao quadradinho de oito, se refugiando atrás de meandros do legislativo para bater um martelo digno do Poderoso Thor. Quem sabe ele também não é chegado a arroubos culturais ou nem mesmo esteja acostumado a freqüentar salas de cinema, assim como Caio Castro também não curte bater ponto nas de teatro.

De volta ao comando do Estação desde janeiro de 2011, Marcelo vem lutando contra as dívidas, sem apoio, sem patrocínios de empresar privadas e sem benefícios concedidos por órgãos públicos, já que a classe política nada lucra dando suporte a esse tipo de arte. Afinal, os freqüentadores dessas projeções de cinema já costumam ter suas opiniões políticas definidas e uma noção clara sobre a situação do país, não se consistindo em quórum de eleitores que defina os rumos de uma eleição a partir de deliberações, sejam estas de caráter sincero ou daquelas resultantes de práticas eleitoreiras de cabresto, demagógicas como bolsas-família ou de resoluções de fachada, mais aptas a criar problemas futuros do que soluções, como uma PEC das empregadas, lançada à tira-queima para fazer o governo parecer bonzinho, sem o devido aprofundamento que merecia.

Não, cinema cult não dá ibope e, no país, ninguém ainda se elegeu por afirmar ter assistido “Old Boy”, “A Grande Beleza” e “O Leopardo” ou se declarar admirador de Wajda, Truffaut, Visconti, Eisenstein ou Almodóvar. Ao contrário, o que dá voto é dançar na boquinha da garrafa, é animar o povo com passinho de funk ou chafurdar na lama de um rodeio, se divertindo com animais maltratados levados à exaustão em cidades do interior, distribuindo sorrisos e canetando fotos produzidas ao lado de louras boazudas que, depois, são descobertas em listas de cafetinas da corte sendo oferecidas com cachês mais indecentes que os preços do Rio pós-advento dos eventos esportivos. Ou ainda oferecer estádios de futebol elevados à décima nona potência dos superfaturamentos, pura blague para Coliseus modernos, onde o público, sem saber, é destinado às feras, em uma espécie de “Quo Vadis” muito mais sombria, através dos seus impostos usados para patrocinar a maracutaia geral, ao invés de serem utilizados em seu favor, enquanto os Neros do poder público se divertem com ninfomaníacas que nada têm a ver com a protagonista do filme de Lars Von Trier, tocando músicas de mal gosto em suas liras (ou bondes), deitados em tricliniuns forrados com cetim de poliéster e comendo cachos de uvas sem caroço comprados em supermercados onde o valor das mercadorias é aviltante, diferente de uma entrada de cinema, que até deveria ser mais barata, mas que não consegue ser porque arte é tratada no Brasil como artigo de oitava, pior que carne tipo chã de dentro, maquiada nos açougues com revelador de filme para ficar mais vermelhinha.

Não, a priori, ninguém que possa importar (no julgamento) neste momento da crise do Grupo Estação parece estar disposto a levantar o polegar direito para cima para que Marcelo e sua turma possam ser poupados da adaga desse Brasil-gladiador, nesse arremedo de arena romana que o país se tornou. Pior: muito possivelmente, alguns desses engravatados – de toga ou de terno – que hoje se arvoram em decidir causas como a que agora movimenta o Facebook, já freqüentaram as cinematecas, reclamaram do péssimo incentivo à cultura, odiaram o baixo nível e pertenceram à esquerda, quando esta ainda não havia se empanturrado com a sede de poder e se rendido ao oba oba geral, como em “Z” e “A Confissão”, ambos de Costa-Gavras, “Terra em Transe”, de Glauber Rocha ou “Brasília 18%”, de Nelson Pereira dos Santos. Agora, muitos deles viraram a casaca puída e, talvez, sejam quem acabe mesmo definindo o tal julgamento do dia 3 de abril, para a infelicidade geral da nação cinéfila, que corre o risco de ver mais estas salas de cinema serem transformadas em igrejas evangélicas ou lojas de parafernálias a R$1,99. Afinal, ao contrário de “O sol é para todos” – aquele espetacular drama judicial estrelado por Gregory Peck interpretando um advogado de moral impoluta – aqui nada pode ser para todos, muito menos o cinema ou a arte.

Estação Botafogo: primeiro da rede de seis cinemas ameaçada pelas dívidas (Foto: Reprodução)

Estação Botafogo: primeiro da rede de seis cinemas ameaçada pelas dívidas (Foto: Reprodução)