Gottscha se insere na luta contra a gordofobia ao gravar clipe com misses plus size de todo país: “Temos valor”


Ao retomar a carreira de cantora, que a consagrou nos anos 90, quando fez sucesso em cerca de 50 países, ela teve a ideia de realizar o vídeo após ser convidada para ser madrinha do Miss Plus Size 2022. “Dei uma stalkeada nas candidatas e vi mulheres lindas, poderosas, seguras, decididas e com atitude. Achei que deveria expor isso de alguma maneira”, explica. Elas participam do clipe de Hopelessly Devoted To You, sucesso do filme Grease – Nos Tempos da Brilhantina, na voz de Olivia Newton-John. “Originalmente, a música fala da devoção a um homem, mas neste caso a devoção é a nós mesmas, a nossa beleza, inteligência, cultura e ao nosso amor próprio”, acrescenta a estrela que em seu EP Divas faz dueto com Miguel Falabella na canção Don’t Go Breaking My Heart. No momento, Gottscha está ainda em cartaz com Cinderella, musical da Broadway, onde interpreta a madrasta, sua primeira vilã

* Por Carlos Lima Costa

Convidada para ser madrinha do Miss Plus Size 2022, a atriz, cantora e dubladora Gottscha foi tomada por uma curiosidade e resolveu stalkear as candidatas. Encantada com tudo que viu, na mesma hora decidiu convidá-las para participar do videoclipe da canção Hopelessly Devoted To You. A balada, sucesso do filme Grease – Nos Tempos da Brilhantina, na voz de Olivia Newton-John, ganhou nova roupagem, agora em clima dançante, e é uma das cinco faixas do EP Divas, que marca o retorno dela ao mercado musical, onde se consagrou nos anos 90, fazendo sucesso em cerca de 50 países ao gravar a canção No One To Answer. O clipe se insere em um lugar de luta contra a gordofobia. “Eu sou contra qualquer tipo de preconceito. Como sou gorda, sei o quanto é difícil conseguir algum trabalho e como ainda estamos em um nicho muito mal visto. Devemos mostrar que temos valor. Então, quando vi aquelas mulheres lindas, poderosas, seguras, decididas e com atitude, eu achei que deveria expor de alguma maneira”, pontua.

A artista ainda ressalta: “Confesso que não quero levantar bandeira, mas que somos pessoas normais, que se amam e se admiram. Originalmente, a música fala da devoção a um homem, mas neste caso a devoção é a nós mesmas, à beleza, inteligência e a amor próprio”, pontua. Em tempos pandêmicos, cada miss gravou sua participação em seus estados de origem e enviou para Gottscha. “Não tem dinheiro para fazer esse clipe. Todas participaram na base do amor e está ficando incrível”, explica.

Gottscha tem plena noção que seu jeito de ser levanta discussões pertinentes a respeito de variadas causas. “Sou uma pessoa livre, não admito preconceito, transito em todos os meios, com tudo quanto é tipo de gênero, classe. Isso mostra bem quem eu sou. Gosto de gente, me comunico com qualquer um, sou transparente”, ressalta ela. Mas admite: no cotidiano é menos expansiva do que quando exerce seu papel de artista.

“Gottscha talvez seja uma egotrip da Sandra (seu nome de batismo), que é um pouco mais tímida, mas máscara eu não consigo ter. Quero fazer algo universal, que todos curtam e que tenha o meu alto astral. Apesar de toda loucura que a gente passa eu vejo tudo. Sou antenada nas questões políticas, nos preconceitos raciais, xenofóbicos, gordofóbicos… Infelizmente, ainda vivemos um preconceito absurdo. Fui educada de uma maneira onde amigos pretos, japoneses, brancos, enfim, todos frequentavam a minha casa. Somos todos de uma única raça, a humana. E todo ser humano deve ser respeitado”, reforça ela, que recentemente incluiu a letra C em seu nome artístico por conta da numerologia.

“Sou antenada nas questões políticas, nos preconceitos raciais, xenofóbicos, gordofóbicos… Infelizmente, ainda vivemos um preconceito absurdo”, observa Gottscha (Foto: Pino Gomes)

Desde a infância, Gottscha conhece bem o universo da gordofobia e do bullying por sempre ter alguns quilos a mais do que os impostos pelos padrões da sociedade. O que a afetou, mas também deu a volta por cima. “Sempre fui gordinha, sofria bullying e tive dificuldade para namorar. E escutava: ‘Não fica com ela, porque é gorda. Ela é nossa amiga, gente boa, mas é gorda’. Mas o meu primeiro namorado era o garoto mais bonito da escola. Ele era cobiçado por todas as meninas mais lindas, gatas, magrinhas, e que perderam para mim, aquilo foi uma quebra de todo estigma que eu sofri antes. Eu já me gostava, mas tinha as minhas inseguranças. Eu tinha uns 13 anos e pensei: ‘Tenho um borogodó’”, ressalta.

O clipe surgiu exatamente por conta desse pensamento. Gottscha deseja que essas mulheres mostrem o quanto se amam independentemente de serem miss plus size. “Na minha época não existia esse termo. Eu era gorda mesmo. Até falo que esse termo plus size é quase uma glamourização da gordura. Hoje em dia eu acho até chique você falar eu sou plus size. Qual é o teu número? Ah, eu sou plus. Aos 20 anos, eu falava ‘preciso de um tamanho extra grande, um XXL”, observa ela, que vem percebendo boa aceitação do novo trabalho musical, que inclui ainda Let The Night Take The Blame, Because The Night, To Sir With Love, do longa-metragem Ao Mestre Com Carinho, e Don’t Go Breaking My Heart, hit de Elton John em dueto com Kiki Dee, e que em seu EP, ela gravou com o ator, autor e diretor Miguel Falabella. O dueto foi disponibilizado em abril, antes do EP.

Miguel Falabella e Gottscha gravaram dueto na canção Don’t Go Breaking My Heart (Foto: Lucas Jones)

Miguel Falabella e Gottscha gravaram dueto na canção Don’t Go Breaking My Heart (Foto: Lucas Jones)

Gottscha recebeu proposta da Spottlight Records, gravadora da qual fez parte há 25 anos, de resgatar um pouco da época da dance music. E optou por fazer uma releitura de músicas que marcaram sua vida. “Achei ótimo porque estava há muitos anos sem cantar solo, vinha soltando a voz apenas no teatro musical. E me sugeriram fazer este dueto com o Miguel, que topou na hora. Quase desmaiei do outro lado do telefone quando ele disse sim”, lembra. Na gravação dele, no Rio, inclusive, foi realizado um clipe com o making of.

Seu trabalho musical inclui canções em inglês. Ela quase não tem registros em português. Uma exceção é a canção Fala, sucesso do grupo Secos & Molhados, que integrou a trilha sonora da novela Ti Ti Ti (ela está sendo reprisada nas tardes da Globo), como tema da personagem de Giulia Gam. “Em 1994, comecei a fazer um trabalho todo em português, mostrei para as gravadoras, mas não aconteceu. Tenho uma linguagem totalmente internacional. Meu pai era um DJ caseiro, botava muita música da Motown, jazz, cantores norte-americanos. Fiquei influenciada por essa música. Na época, sugeri, então, gravar uma música em inglês, No One To Answer, que deu nome ao álbum no ano seguinte e deu muito certo”, conta ela que teve outro grande hit na época, o Break Out.

“Eu cantava eurodance na época da Corona, do Double You. Foi um momento muito feliz da música, da dance music. Por conta de No One To Answer ficou todo mundo querendo saber quem era Gottscha, de onde vinha?Sem querer, fizemos uma estratégia de marketing que deu certo. Já esse hiato se deu, porque o mercado fonográfico quebrou por causa dos streamings, a onda da eurodance deu uma parada e eu comecei e não parei de participar de espetáculos musicais”, recorda.

Gottscha morre de vergonha de contar, mas como foi criada ouvindo muita música internacional, ela não é uma entendedora da música popular brasileira. Ela gosta, por exemplo, de Ney (Matogrosso), de Gal (Costa) e Marisa Monte. Mas não conhece muito o que se faz no momento. “Vivo muito de flashback. E dos novos, sei que Anitta é uma excelente empreendedora, uma artista incrível que está conquistando o mundo. Isso dá orgulho, tiro o meu chapéu”, diz.

"Fui considerada a rainha gay na década de 90 porque sou uma mulher fora dos padrões literalmente. Quebrei muitos tabus na minha época", frisa Gottscha (Foto: Iva Santanna)

“Fui considerada a rainha gay na década de 90 porque sou uma mulher fora dos padrões literalmente. Quebrei muitos tabus na minha época”, frisa Gottscha (Foto: Iva Santanna)

Nessa retomada, Gottscha percebe boa aceitação ao seu novo trabalho. “Tenho um público eclético. Vai desde criança, porque também faço dublagem de desenho animado (os filmes Monstros S.A. e Enrolados), até um público gay. Fui considerada a rainha gay na década de 90 porque sou uma mulher fora dos padrões literalmente. Quebrei muitos tabus na minha época. Quando não existia essa história de plus size eu já aparecia de maiô em uma revista Elle, toda montada, com peruca, cílio, purpurina. Sou realmente diferente. Me sinto uma Lady Gaga tupiniquim, porque fazia loucuras naquela época. Era considerada meio drag. As pessoas, às vezes, nem sabiam se eu era um homem ou uma mulher, ficavam na dúvida. Fiquei marcada por isso, então, tenho um público LGBT enorme, que na minha época chamava GLS. Sinto que essas pessoas até hoje me acompanham e a nova geração fica me satlkeando e vai descobrindo quem é essa Gottscha, que não é só a madrasta da Cinderella, que tem uma carreira pregressa”, explica.

Com consagrados musicais no currículo como Cole Porter – Ele Nunca Disse Que Me Amava e Beatles, Num Céu de Diamantes, Gottscha, desde o início de setembro, está encenando o musical da Broadway Cinderella, no Teatro Liberdade, em São Paulo. A temporada encerra dia 31 desse mês. Ela interpreta a Madrasta, sua primeira vilã. “No momento que a gente precisa proliferar o amor eu estou sendo muito cruel e pra mim é um desafio diário, porque não é fácil fazer maldade. É tudo brincadeirinha, mas, às vezes, saio de cena um pouco mexida. Sempre fui uma pessoa com a bondade no coração, sempre pensei no próximo. Mas essa vilã está sendo incrível. Às vezes, levo uma vaia, tem criança que grita ‘bruxa’ no meio da cena. Isso é bom, significa que estou desempenhando bem o meu papel. E está sendo emocionante voltar aos palcos depois desse tempo de parada obrigatória que todo mundo teve devido a pandemia”, comenta ela.

No momento, Gottscha brilha interpretando a madrasta no musical da Broadway Cinderella, em São Paulo (Foto: Priscila Prade)

No momento, Gottscha brilha interpretando a madrasta no musical da Broadway Cinderella, em São Paulo (Foto: Priscila Prade)

Gottscha acrescenta outro motivo de conquistar o público jovem. “É porque tenho um lado criança. Sou muito brincalhona. Às vezes, não me sinto com 52 anos. Trabalhei com muitas crianças no espetáculo Noviça Rebelde, elas viviam no meu camarim, porque se identificavam com esse meu lado maternal talvez. Eu não sou mãe, nunca fui e não foi por falta de tentativa, porque casei três vezes. Também não foi por nenhum problema feminino. A minha ginecologista falou que eu poderia ter tido a hora que eu quisesse, mas Deus não quis me dar. Talvez porque eu fosse mais criança do que as crianças”, analisa.

Despojada, a artista revela um desejo: “Estou louca para entrar no BBB 22, queria que as pessoas me vissem como eu sou, que me conhecessem. A galera ia rir o dia inteiro, porque falo muito palavrão, tenho que me segurar um pouco. Às vezes, acho que sou meio neta da Dercy (Gonçalves), tenho o astral dela, falo besteira, mas muita verdade também. E como estou fora de padrão, sou uma cinquentona, tenho sobrepeso, seria incrível ter alguém como eu dentro de um reality desses. Eu ia me divertir e fazer loucuras. E sem medo do julgamento. Adoro que falem de mim. Sou exibida. Pode falar mal. Tenho esse humor, acho engraçado. Eu já fui chamada desde prostituta a sapatão, trans, drag, eu já entrei em todos os segmentos possíveis e imaginários, então, acho muito divertido. Estou super à disposição, mas só para o Big Brother. Já fui chamada para A Fazenda, mas não iria, acho um pouco bagaceiro. O BBB é mais elegante”, aponta a atriz que já atuou em novelas como Celebridade, Senhora do Destino e Duas Caras.

Gottscha tem passado a pandemia com o marido, o cantor Marcio Gomes. Eles estão juntos há 15 anos. “Somos muito parceiros. Como somos diferentes, um dá uma equilibrada no outro. Ele é um pouco mais conservador, tem uma cabeça mais equilibrada, porque eu falo que sou completamente desequilibrada”, diverte-se ela. Apesar dos cuidados, o casal testou positivo para a covid-19 no primeiro semestre desse ano. “Graças a Deus foi leve, não precisamos ir para nenhum hospital, mas foi uma loucura. A gente ficou bem amedrontado. Sou devota da Nossa Senhora Aparecida, então, todo dia rezava e falava para me deixar aqui. Meu marido até hoje tem um pouco de falta de olfato”, relata e acrescenta que não conseguiu se reinventar nesse período. “Fiz uma live chamada Na Cama Com Elas, onde estava totalmente exposta, em casa, deitada na minha cama, junto com uma amiga, a atriz e cantora Simone Centurione. A gente ajudou muita gente com o nosso humor e com a nossa música. E com a Suzy Brasil, uma grande amiga, fizemos umas lives chamadas Apimentadas, onde entrevistávamos nomes como Marcos Caruso, Fafy Siqueira e Rosamaria Murtinho. As perguntas eram bem capciosas e eles respondiam, o que era o máximo”, finaliza.