Uma noite histórica, esperada há mais de 10 anos pelos amantes da MPB. É assim que podemos descrever o encerramento da 10ª edição do projeto Natura Musical, que, mesmo embaixo da chuva torrencial que tomou Copacabana de surpresa na noite deste domingo (29), conseguiu lotar a orla da Zona Sul com um público ávido por ver o encontro entre duas das maiores vozes desse país: Gal Costa e Milton Nascimento, que não subiam juntos em um palco desde 2005.
Gal foi a anfitriã e headliner da noite. Com uma blusa listrada e a cabeleira esvoaçante, ela apresentou um pequeno extrato do show de “Estratosférica”, seu mais recente álbum/turnê, sendo ovacionada desde o momento em que a jornalista e apresentadora Fabiane Pereira anunciou seu nome. Fazendo o símbolo do rock’n roll, ela entoou para a praia lotada “Sem medo nem esperança”, faixa que abre o LP e, logo na sequência, veio a primeira tsunami de emoção: ao cantar o verso “Vejo o Rio de Janeiro”, de “Mal secreto”, a rainha abriu um sorriso largo no rosto, ergueu os braços para a multidão formada majoritariamente por jovens e balançou a cabeça como se sentisse a felicidade plena naquele momento. Não houve quem não reverenciasse.
O espetáculo foi intercalando sucessos atemporais da MPB com as músicas novas. Antes de “Namorinho de portão”, Gal falou com o público: “Eu tenho me jogado no mundo de peito aberto, tentando não sofrer demais nem com a saudade, nem com a expectativa. Espero que vocês sejam bem vindos, se divertam e gostem”, comentou. E, enquanto parava para tomar água, um coro na plateia gritou “Baby!”, pedindo um de seus maiores sucessos com Caetano Veloso. A cantora abriu o sorriso e confidenciou: “Já está chegando!”. Coincidentemente, não demorou muito para o fã ser atendido, ao que ela disse: “Agora vocês vão cantar comigo!”.
Vez ou outra Gal Costa mostrava esse humor contagiante e humilde, como quem fala com os fãs de igual para igual. Por exemplo, quando alguém gritou “Eu te amo!”, ela respondeu: “Também te amo! Amo todo mundo!”, riu. Ou quando precisava consultar a setlist e falava: “Eu estou aqui com a colinha porque o show mudou um pouquinho. Essa próxima é para vocês cantarem para mim”, brincou, antes de cantar, acompanhada pela massa, “Folhetim”.
Ao chamar Bituca ao palco, ela disse: “Agora vem minha pérola, meu baby. Minha preciosidade”. Ela então puxou Milton pelo braço, ajeitou o pedestal de seu microfone – “Para ele eu viro até contra-regra!” – e os dois começaram a cantar “Dez anjos”, composição do mineiro com Criolo para o “Estratosférica”, que ganhava a voz de seu autor pela primeira vez ao vivo. Na sequência vieram “Paula e Bebeto” e “Solar”, ambas lançadas por ele e regravadas por ela durante os anos 70. Abraçados, o olhar entre os dois era um misto entre afeto e admiração que contagiava, como se guardassem entre si infinitos momentos de ternura e cumplicidade que voltavam à mente a cada nota. Uma amizade que resiste ao tempo e à distância, e que ainda é sinônimo de uma intimidade palpável.
“Ele agora vai ali tomar uma água e já volta. Eu já estou com saudades”, disse Gal segurando o parceiro pelo braço, antes de propor: “Um dia desses um amigo meu disse que eu deveria gravar um disco só com músicas de Bituca. Eu respondi que se ele compusesse, eu cantava. As velhas, que são lindas e são novas, eu amo”, riu. O mineiro respondeu na lata: “Vamos nessa!”.
Após a saída de Bituca do palco, Gal ainda cantou três músicas e emendou o bis direto, sem a tradicional saída do palco. “Aqui é tudo comigo, eu vou direto”, riu, antes de mostrar que conserva sua voz preciosa intacta, atingindo todas as notas de “Meu nome é Gal”. Ela então trouxe o amigo de volta ao palco e, juntos, finalizaram com “Fé cega, faca amolada”. Enquanto eles se preparavam para finalizar, a rainha comentou: “Vocês sabem que a gente quase casou, na juventude? Tínhamos muitos planos… Mas não vou contar agora também”, gargalhou.
Mas, alto lá, porque nem eles e nem o público estavam prontos para a noite terminar. E quando foi possível ouvir um coro unânime de “Mais um! Mais um! Mais um!”, ela propôs uma palinha extra e improvisada, ao que ele topou na hora e começou a dedilhar no seu violão as primeiras notas de “Travessia”. Gal Costa se ajoelhou aos pés de Milton Nascimento e, com os olhos marejados, fitou o amigo cantar: “Quando você foi embora, fez-se noite em meu viver”. Não houve uma alma viva em Copacabana que não tivesse se emocionado e, naquele momento, todos presenciaram um fato histórico na música brasileira. Obrigado, Natura.
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